31/10/2014
Por Luciano Máximo | Para o Valor, de Londres
Diante de um cenário econômico global de baixo crescimento e de uma nova pedra no sapato chamada Air BNB com seus mais de 20 milhões de usuários dispostos a se hospedar na casa de qualquer estranho ao invés de procurar um hotel, o grupo Accor decidiu lançar sua revolução. Um dos maiores operadores hoteleiros do mundo, com 3,6 mil unidades, escolheu o canal digital para colocar em prática sua estratégia, que vem sustentada por um investimento de 225 milhões e prevê transformar o telefone celular em ferramenta para encontrar hotéis da rede, fazer reservas, check-ins, check-outs, planejar viagens e pagar contas.
Quando investidores, parceiros e analistas de mercado, reunidos ontem em uma sala em Londres reservada pela Accor, começavam a se perguntar como concretizar essa complicada novidade, aparece um senhor vestindo uma simples camiseta preta, jeans e descalço. Ele começou a falar sobre tendências globais e como o comportamento humano é moldado pela tecnologia, pela internet.
Claro, não era o Steve Jobs, o fundador da Apple, morto há três anos; mas, sim, Sébastien Bazin, CEO da Accor, que reforçou a sua mensagem sobre a estratégia digital da companhia vestindo um figurino inspirado em Jobs, que costumava apresentar novos produtos trajando camiseta preta e jeans.
“Ciclos de inovação se reduziram num ambiente digital, décadas se passaram do advento do rádio até a chegada do primeiro aparelho celular; apenas cinco anos se passaram entre o início da internet e a criação do Google; dois anos, entre o lançamento do iPod e do Facebook. Todos sabemos que os adolescentes já se conectam à internet cinco minutos depois de acordar. No nosso negócio temos novos atacantes digitais, [empresas] que mudam regras e rompem com cadeias de valor tradicionais”, disse Bazin, ao citar o Air BNB como uma dessas empresas.
O executivo reconheceu que nos últimos três anos gigantes do setor como a própria Accor “dormiram no ponto”, enquanto novos modelos de negócios como o Airbnb e Home Away apareceram e, hoje, não param de crescer, aproveitando um espaço deixado pela “velha indústria hoteleira” com uma estratégia totalmente centrada na tecnologia e na relação direta “C to C” (consumidor para consumidor), diferente da prática empresarial tradicional, que foca no desenvolvimento do produto e na construção da marca.
“Passamos os últimos meses sempre discutindo relacionamento com cliente, desempenho financeiro e crescimento do negócio. Quando chegava a hora de falar de internet, de mundo digital, a gente nunca tinha tempo. A hora é agora”, enfatizou Bazin, admitindo, sem revelar números, que a chegada do Airbnb ao mercado de hospedagem não tem impacto “significativo” na margem de receita da Accor.
Bazin assumiu o comando da Accor há pouco mais de um ano. Antes disso trabalhou por 16 anos na empresa de private equity Colony, acionista da Accor. Bazin, sentava no conselho da Accor desde 2005, quando a Colony investiu 1 bilhão na Accor. Ele é o quarto CEO da rede hoteleira, em oito anos.
A reportagem do Valor conversou ontem com analistas especializados em hotelaria e restaurantes dos bancos Société Générale, UBS e JP Morgan. Todos concordaram que a iniciativa da Accor pode ser entendida como uma reação aos novos modelos de negócios e às futuras tendências no setor de turismo.
A analista financeira do Société Générale Sabrina Blanc disse que a resposta chega um pouco tarde, mas ainda é positiva. “É uma boa reação, mas certamente vem um pouco tarde, comparando com o mercado hoteleiro americano [que tem pressionado autoridades para regular a operação do Air BNB]. A Accor teve que reagir, embora o impacto dessa concorrência ainda não esteja muito claro. Não conhecemos os números do Airbnb. O que sabemos é que ele é um risco agora [para o negócio da Accor] e um risco que continua crescendo”, avaliou Sabrina.
Bizan e executivos da Accor minimizam o risco e argumentam que 70% de seus clientes são corporativos, que não são o alvo natural do Airbnb.
Segundo eles, a companhia tem crescido nos últimos anos e há espaço para mais expansão. “Uma em cada cinco pessoas no mundo viaja hoje. Esse número vem crescendo nos últimos dez anos e o setor acompanha esse passo”, diz Bizan. Na Europa, continua o executivo, a indústria hoteleira responde por 15% da hospedagem de turistas. Os 85% restantes ficam na casa de amigos, parentes, entre outras opções.
“O Airbnb se coloca nesses 85%. Eles estão aí hoje e vão continuar crescendo, sabemos disso. Nós estamos no mercado com uma estrutura e um serviço que eles não oferecem. Nosso aprofundamento no mundo digital é para melhorar nossos serviços para poder crescer ainda mais e mais depressa do que estamos fazendo hoje”, afirma Bizan.
O CEO da Accor tem cobrado de políticos e autoridades o estabelecimento de regras (de segurança, licenças para operar, por exemplo) e regulação nesse novo mercado. “Estou fazendo meu trabalho como corporação, temos regras e as seguimos. Quero que as mesmas regras sejam válidas para todos. Não estou esperando os legisladores criarem essas regras para o Airbnb porque se eu esperar será muito, muito tempo. Faço o que eu tenho que fazer dentro das regras profissionais e éticas. A partir daí é trabalho dos políticos, dos governantes”, afirmou o CEO da Accor.
O mercado global de reservas de hotéis feitas pela internet cresceu 12% no ano passado para US$ 169 bilhões e devem atingir US$ 274 bilhões em 2018, de segundo dados da Euromonitor, publicados pela Bloomberg.
De acordo com o balanço da Accor, no primeiro semestre deste ano a companhia acumulou receita de US$ 3,272 bilhões. Por seus mais de 3,6 mil hotéis operados em 92 países, totalizando 470 mil quartos disponíveis, a multinacional registrou em 30 de junho deste ano um valor de mercado de US$ 10,349 bilhões.
Já o Airbnb, uma das novas “queridinhas” do Vale do Silício, ainda de capital fechado, tem um valor de mercado estimado em US$ 13 bilhões, conforme recente levantamento do jornal “The Wall Street Journal”, e oferece 800 mil opções de acomodação disponíveis em mais de cem países.
O plano digital da Accor envolve o estreitamento de parcerias com agências de turismo online (OTA na sigla em inglês), como Booking.com e Expedia.
Também está previsto um foco especial na construção de um aplicativo para telefone celular, que será usado para fazer reservas e pagamento das despesas em hotéis, além de funcionar como guia e ferramenta para planejar viagens. A Accor pretende manter acordos com Google e Microsoft para facilitar a busca por hotéis da rede na internet.
Os 225 milhões do projeto digital da multinacional serão aplicados entre 2014 e 2018, sendo que 55% desse montante virão diretamente do capital da empresa. Os outros 45% serão contabilizados como despesas operacionais. Dentro desse valor está incluso o investimento feito para comprar o aplicativo de planejamento francês Wipolo, que terá sua estrutura ampliada para dar conta dos novos objetivos da companhia.
“Queremos seguir o cliente desde sua decisão de viajar, durante sua estada, depois da sua viagem até a decisão da próxima”, afirmou Vivek Badrinath, braço-direito de Bizan no projeto digital da Accor.
Sobre o Brasil, onde a Accor opera cerca de 200 hotéis das marcas Ibis, Ibis Styles e Ibis Budget, Sofitel, Pullman, Grand Mercure, Mercure, MGallery e Adagio, o CEO da empresa disse que o foco no momento é consolidar as recentes aquisições feitas no país.
Valor Econômico – SP