23/10/2014 às 05h00
Por Sergio Lamucci | De Washington
Os Estados Unidos voltaram a se tornar uma das locomotivas da economia global. Com a perspectiva de crescer a uma taxa anualizada na casa de 3% por vários trimestres, o país contribui mais para uma expansão mais forte do mundo, num cenário em que há estagnação na zona do euro e a China dá sinais desaceleração, ainda que continue a avançar a um ritmo expressivo. A recente falta de dinamismo do resto do mundo, por sua vez, não deve causar grandes estragos nos EUA, uma economia em que as exportações pesam pouco, o consumo mostra força e o investimento está em recuperação. Seria necessário um tombo muito forte da atividade global para machucar de verdade a economia americana.
O economista-chefe global da consultoria IHS Global Insight, Nariman Behravesh, diz que o crescimento mundial está se tornando mais “EUAcêntrico”. Para ele, a economia americana vai se acelerar nos próximos dois anos mesmo que a atividade siga fraca em vários outros países importantes. Behravesh destaca especialmente as boas perspectivas para o consumo, que equivale a quase 70% do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA.
Para justificar esse otimismo, Behravesh lembra que a economia americana tem gerado um bom número de empregos, a situação financeira das famílias está melhor e os preços da gasolina e dos alimentos estão em queda. Depois de o PIB crescer a uma taxa anualizada de 4,6% no segundo trimestre, a IHS estima que a expansão no terceiro ficou em 3,3%, um bom número para uma economia madura como a americana.
O economista aponta um motivo importante pelo qual a retomada dos EUA ajuda a economia global. Segundo Behravesh, os benefícios do crescimento dos EUA são mais disseminados do que os da China, porque as importações americanas são mais diversificadas, impactando um grupo maior de países, tanto desenvolvidos como emergentes. O boom registrado na China há alguns anos favoreceu especialmente exportadores de commodities, dado o apetite do país asiático por produtos básicos.
Os analistas em geral ressaltam a baixa vulnerabilidade dos EUA ao crescimento mais fraco do resto do mundo. “Entre as principais economias do mundo, os EUA têm a menor exposição à demanda externa”, resume Behravesh. O ponto é que as exportações americanas equivalem a menos de 13% do PIB, como lembra em relatório o economista Paul Mortimer-Lee, do BNP Paribas. É um número bastante inferior aos 46,4% do PIB observado na zona do euro e mesmo aos 15,9% do PIB do Japão.
O economista-chefe global do Wells Fargo, Jay Bryson, também vê solidez na expansão econômica dos EUA. Para ele, a retomada tem se tornado “crescentemente autossustentável”. Embora os EUA não estejam isolados do resto do mundo, a economia do país é relativamente fechada, diz ele. “A demanda doméstica final de países estrangeiros responde por cerca de 8% do valor adicionado nos EUA”, afirma Bryson. Nesse quadro, é preciso que haja uma piora muito significativa na atividade econômica externa para causar um dano grave aos EUA.
Mortimer-Lee nota que a economia americana mostra um comportamento bem diverso do da zona do euro, por exemplo. Enquanto o PIB da eurolândia se manteve basicamente estável nos últimos anos, os EUA têm gerado mais de 200 mil empregos por mês. “As exportações para a Europa equivalem a cerca de 2% do PIB americano. Mesmo se elas caíssem 5%, o que seria bem mais do que consideramos no pior cenário possível, isso tiraria apenas 0,1% do crescimento dos EUA”, escreve ele.
Os EUA exportam ainda menos para a China, o equivalente a apenas 1% do PIB. Mortimer-Lee diz que as exportações americanas para o país asiático, que cresciam a 30% ao ano em 2010, ficaram quase paradas em 2013, sem que isso implicasse numa grande desaceleração dos EUA.
Para Bryson, teria que haver uma forte queda no ritmo de crescimento chinês para os EUA serem duramente atingidos. Não é o cenário principal da maior parte dos analistas. O Fundo Monetário Internacional (FMI), por exemplo, estima que a China vai crescer 7,4% neste ano e 7,1% no ano que vem, abaixo dos 7,7% do ano passado, mas numa desaceleração suave. Para os EUA, o FMI projeta expansão de 2,2% em 2014 e 3,1% em 2015.
O economista do Wells Fargo também lembra que os EUA se beneficiam dos preços mais baixos do petróleo, já que eles se traduzem imediatamente numa gasolina mais barata. Isso aumenta a renda disponível dos americanos, que podem consumir outros bens. As preocupações recentes dos mercados com os rumos da economia global também contribuíram para a redução das taxas de longo prazo nos EUA, o que pode ajudar a estimular a atividade. A turbulência financeira, por ora, não parece grande o suficiente para abalar a confiança de consumidores e empresas. Com isso, o cenário para os EUA segue positivo.
Valor Econômico – SP