Alteração no regime de ICMS deve elevar preço dos vinhos em até 50% no Rio
A partir do mês que vem, bebida entra na lista de produtos em substituição tributária no estado
POR GLAUCE CAVALCANTI
19/10/2014 6:00 / ATUALIZADO 19/10/2014 16:06
Loja de vinhos, no Rio: para Secretaria de Fazenda estadual, mudança na forma de recolher ICMS reduz sonegação, aumenta a arrecadação e não afeta preços
Foto: Fabio Rossi
Loja de vinhos, no Rio: para Secretaria de Fazenda estadual, mudança na forma de recolher ICMS reduz sonegação, aumenta a arrecadação e não afeta preços – Fabio Rossi
RIO – Harmonizar vinhos com contabilidade. É o desafio nada aveludado à frente do comércio fluminense neste fim de ano. Os empresários do setor temem alta de até 50% nos preços às vésperas dos preparativos para Natal e réveillon. É que, a partir do mês que vem, a bebida entra na lista de produtos em substituição tributária no Estado do Rio. Mas a Secretaria estadual de Fazenda afirma que o novo regime de cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) não impacta o preço do vinho, pois apenas antecipa o recolhimento.
Este regime prevê que o pagamento do ICMS seja feito por apenas um elo da cadeia a fábrica ou o importador/distribuidor no lugar da cobrança a cada etapa percorrida pelo produto entre a indústria e o consumidor. Pela substituição tributária, o contribuinte responsável pelo recolhimento paga o tributo por toda a cadeia. Depois, repassa o valor ao preço do artigo que vende ao atacado, que, por consequência, chega mais caro ao varejo.
Para calcular o valor do ICMS devido pela cadeia como um todo é preciso fazer uma estimativa de preço final do produto. Para fazer isso, a Secretaria de Fazenda do Estado do Rio usará uma Margem de Valor Agregado (MVA), definida com base em pesquisas da Fipe, em São Paulo. Essa margem é de 72,25% sobre o preço de fábrica para os vinhos nacionais e de 62,26% para os importados que entram no país pelo Rio. Caso o produto chegue ao Brasil por outro estado, o percentual sobe a 92,96%. Todos esses valores devem ser publicados esta semana.
Para um vinho produzido numa vinícola gaúcha que saia da fábrica ao custo de R$ 100, por exemplo, o percentual aplicado será de 72,25%. Na prática, isso significa que o cálculo do ICMS será feito sobre um valor de referência de R$ 172,25, o que não necessariamente coincide, segundo empresários, com o preço do produto ao consumidor. Apesar da mudança na etapa em que a tributação ocorre, a alíquota de ICMS para o vinho permanece em 26%.
PEQUENAS EMPRESAS SÃO MAIS AFETADAS
A cobrança antecipada está avinagrando a relação entre os empresários e a Receita fluminense. O Fisco estadual afirma que a mudança de regime não pode impactar os preços, pois apenas desloca o momento de recolhimento do ICMS. Para quem comercializa vinhos, contudo, arcar com o custo da antecipação do tributo implicará em alta de preço.
A substituição tributária é uma forma mais simples e eficiente de se fiscalizar a cobrança de ICMS. Ajuda a reduzir a sonegação e a elevar a arrecadação. E não deve acarretar aumento de preços, a menos que o empresário não recolhesse o imposto anteriormente argumenta George Santoro, subsecretário estadual de Receita.
O valor da MVA, continua ele, foi revisto a pedido de entidades de Rio Grande do Sul e São Paulo:
A margem para cálculo do preço final seria de 104%. Mas fizemos a alteração para a taxa mais recente, que é menor.
À frente da Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), José Augusto Rodrigues da Silva defende a substituição tributária. Ele argumenta que o regime ajuda a garantir a competitividade do setor, deixando as empresas que disputam um lugar à mesa e na adega do consumidor em pé de igualdade.
É uma questão de transparência fiscal e concorrência leal. O regime não deveria elevar o preço, pois apenas concentra o tributo que toda a cadeia já pagaria comenta Silva.
A polêmica reside neste ponto: recolher de uma só vez e antes da venda, dizem empresários.
O problema não está em pagar o imposto, mas na forma como se calcula. Vendendo ou não, vai incidir sobre o valor previamente definido. Vira um problema de fluxo de caixa explica Cheryl Berno, gerente jurídica tributária e fiscal da Firjan.
Para Cheryl, a grande dificuldade está em cobrir esse custo da antecipação do tributo. Algumas empresas, continua ela, precisarão recorrer ao mercado financeiro para se capitalizar, além de repassar custos ao consumidor. No caso das pequenas, o quadro seria mais preocupante, diz:
O momento também é muito ruim para fazer a mudança de regime. O varejo está fazendo estoque para o Natal e, de imediato, já terá que antecipar o imposto que incide sobre seus estoques.
Os estoques também serão tributados antecipadamente a partir do dia 1º de novembro. O valor devido poderá ser parcelado em até 12 vezes. Mas é outro fator que preocupa o varejo. Com o freio no consumo e a alta do dólar, as vendas de vinhos esfriaram este ano. De janeiro a agosto, a comercialização da bebida produzida pela indústria nacional encolheu 6%, na comparação com igual período de 2013, diz Darci Dani, do conselho deliberativo do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin).
Diante deste cenário, os empresários se esforçam para impulsionar as vendas até o fim deste mês. Rodrigo Santos, sommelier e gerente do Salitre, estima que a substituição tributária resulte em alta de 30% a 50% no preço. O restaurante carioca fará vendas especiais para ampliar vendas antes de novembro:
Não temos muito espaço para mexer na margem para incluir o custo do ICMS antecipado. Ainda não decidimos como será a compra de vinhos para o Natal. Avaliamos montar o estoque antes do fim do mês, para parcelar o valor da tributação.
A Ary Delicatessen, com lojas em Araras e Itaipava, na Região Serrana, já alertou a clientela quanto a um aumento de 30% no preço das bebidas a partir de novembro. O negócio integra o grupo mais afetado pela mudança no regime de tributação: o dos usuários do Simples Nacional.
Pelo Simples, pagamos um pacote tributário de 3,95% de ICMS. Com a substituição, passaremos para a alíquota de 26%, que é cobrada em separado. Trata-se de bitributação reclama Fabio Ventura, sócio da delicatessen.
SUPERMERCADOS PREVEEM PREÇOS MAIS ALTOS
Ele explica que, para absorver o impacto contábil, seria preciso elevar preços em 50%. Os valores, porém, ficariam fora do praticado pelo mercado e o negócio arriscaria perder vendas.
Dani, do Ibravin, acredita que a mudança de regime não afeta os preços. Mas reconhece que o capital de giro vira um problema:
Se o varejo pratica preços equivalentes ao apurado na pesquisa de referência, não haverá mudança. Mas a margem do varejista é um problema, pois terá que agregar mais um custo já pago. Para os pequenos é pior. A Receita do Paraná já reduziu o MVA para empresas usuárias do Simples.
Napoleão Veloso, presidente do Sindicato do Comércio de Gêneros Alimentícios do Rio de Janeiro, prevê vinhos de 15% a 20% mais caros no Rio:
Poderá ser preciso reduzir o estoque ou comprometer o capital do negócio. Aumenta o risco.
A Associação de Supermercados do Estado do Rio de Janeiro também prevê alta nos gastos de quem pretende ter vinho à mesa, embora sem precisar de quanto será o ajuste.
Clayton Henriques, coordenador de franquias da Grand Cru, afirma que a importadora está fechando o catálogo de fim de ano sem alteração no preços dos produtos. E aposta em alta de vendas justamente por não reajustar os vinhos:
A experiência nos mostra que, fazendo ajustes financeiros e contábeis para equilibrar o resultado e manter o preço, elevamos vendas em 8% a 10%.
Já Menandro Rodrigues, gerente comercial da importadora WineBrands no Rio, espera incremento de cerca de 20% nos preços. Ele explica que haverá uma diferença de 51% entre o lucro real e o presumido, que será repassada ao preço final.
Não é a primeira vez que questões com o Fisco causam confusão no setor de vinhos. Quatro anos atrás, a Receita determinou o uso de um selo de controle fiscal em todos os vinhos comercializados no país. A demanda partiu de produtores nacionais, explica o Ibravin, com o objetivo de inibir a entrada da bebida de forma ilegal no Brasil. A Associação Brasileira de Exportadores e Importadores de Alimentos e Bebidas (Abba), porém, conseguiu liminar na Justiça, em outubro de 2011, derrubando a exigência do selo por importadores ligados à entidade. Alegou que o selo onerava a importação e colocava em risco a qualidade do produto vindo do exterior. Hoje, o selo é usado por vinhos nacionais e apenas parte dos importados.
O Globo Online – RJ