Com uma dívida de R$ 1,1 bilhão, a varejista Lojas Leader decidiu entrar com pedido de recuperação judicial na Vara Empresarial do Tribunal do Rio de Janeiro. A expectativa, até o fechamento desta edição, era que o pedido fosse protocolado até a madrugada de hoje. O processo ocorre na sequência da saída da companhia do sócio Fábio Carvalho, atual dono da Editora Abril.
Carvalho concluiu na sexta-feira a venda de 100% das ações da cadeia carioca por um valor simbólico de R$ 1 mil para o CEO da rede André Peixoto, que passa a ser o dono da Leader. “Acredito no futuro da companhia. Vamos readequar a dívida e retomar a geração de caixa”, disse Peixoto, em entrevista ao Valor, sem revelar detalhes do plano que será apresentado à Justiça. Funcionários e credores já foram informados sobre o pedido.
A empresa teve o pedido de recuperação extrajudicial homologado pela Justiça em junho de 2018. Segundo a companhia, neste momento optou-se pela recuperação judicial porque o plano extrajudicial não conseguiu retomar o crescimento da rede, apesar de ter mostrado alguns resultados.
Nos últimos meses, aumentou a pressão da indústria têxtil e de calçados, que estaria reduzindo linhas de fornecimento à rede, dizem fontes. Isso teria pesado na decisão de entrar com o pedido no Tribunal. As companhias passaram a negociar para receber à vista da varejista, mas com a baixa geração de caixa, os problemas de pagamento cresceram. Houve pedidos de falência da rede na Justiça desde o fim de 2019.
O plano extrajudicial abrangia a minoria dos fornecedores, cerca de 30%, com dívidas da ordem de R$ 250 milhões. Segundo Peixoto, o objetivo agora é preservar a relação com os fornecedores. O varejo de massa está crescendo, disse ele, citando empresas como Renner, C&A, Havan e Riachuelo. “Mas com a pressão financeira estamos perdendo o passo”, afirmou.
Da dívida total de R$ 1,1 bilhão, bancos, fornecedores e o Fisco (federal, estadual e municipal) tem, cada um, cerca de um terço.
Peixoto disse que reduziu despesas e melhorou as margens nos últimos anos, mas as vendas não reagiram como previsto. “A crise econômica não acabou e o Rio de Janeiro piorou”. Cerca de 70% da receita da empresa vem do Estado fluminense. A Leader tem operação em mais outros oito estados. Números do IBGE mostram que a receita nominal do varejo no Rio subiu 4,3% em 2019, e no país, 5%.
O executivo ocupa cargo de CEO da empresa desde meados de 2016, quando foi chamado por Carvalho, que na época era o sócio controlador. Desde 2017, as medidas implementadas incluíram redução da base de lojas de 165 para 95, corte de 500 funcionários e mudança de sede para um prédio com custos fixos mais baixos no centro do Rio.
Segundo ele, as despesas caíram 50% em relação a 2015 (considerando o resultado ajustado com o fechamento de lojas) e a margem operacional deixou de recuar, beneficiada pelas despesas menores.
Nesse processo, diz Peixoto, a empresa, que tinha um caixa negativo em R$ 300 milhões antes do acordo extrajudicial, passou a ter caixa positivo em R$ 80 milhões no fim de 2018.
No ano seguinte, a Leader começou a sentir o impacto do aumento dos custos com fornecedores, que cresceram de 25% a 30% nos últimos três anos. Isso afeta preço e rentabilidade. A margem operacional que foi de 49% em 2018 voltou a cair para 44% no ano passado. E a geração de caixa caiu para R$ 40 milhões.
No início de 2019, em entrevista ao Valor, Peixoto dizia que tinha “virado” a companhia ao ter gerado caixa em 2018, e afirmava que novos produtos elevariam as vendas da rede. “Talvez um dia eu tenha felicidade de olhar o resultado, hoje tenho zero preocupação com isso”, disse, na época.
Na avaliação do consultor Marcos Gouvêa de Souza, diretor-geral da GS&MD Gouvêa de Souza, “a empresa passou a ter uma escala menor para negociação, tendo que tratar de condições com fornecedores num cenário em que a indústria já estava muito afetada pela recessão”, disse. “E isso tudo tendo que ter certas competências para tomar medidas acertadas para sair desse cenário. É uma conjunção de fatores ruins.”
Peixoto teve o primeiro cargo no varejo em 2007, quando tornou-se gerente de uma área na BR Malls e ficou lá por quatro anos (antes disso, foi coordenador de operações no Ibmec). No fim de 2011, quando Carvalho já estava no conselho de administração da rede Casa& Video, Peixoto passou a trabalhar na varejista de eletrônicos como diretor operacional.
O executivo ficou na empresa até 2015, quando saiu para se tornar sócio na Legion Holdings, braço de investimentos de Carvalho, que comprou a Leader em 2016. A varejista era controlada então pelo BTG Pactual, que a vendeu pelo valor simbólico de R$ 1. Com a operação, o BTG ficou livre da dívida de R$ 900 milhões da rede, que foi transferida à Legion.
No mesmo ano, em 2016, Peixoto foi indicado para o cargo de CEO da Leader – a rede já era controlada por Carvalho na época.
Desde aquela época, diz Peixoto, havia perspectiva de que fosse iniciada a recuperação judicial da empresa. Mas antes de optar por esse caminho, houve intenção de reposicionar a marca, com mudanças em preços e alterações de mix das lojas. Com as dificuldades de arcar com pagamentos, a Leader enfrentava problemas, como falta de produtos nas lojas.
Na sexta-feira, Fábio Carvalho assinou a venda da Leader para Peixoto, após ter deixado a sociedade na Casa&Vídeo. Ele vendeu cerca de 20% da varejista de eletrônicos para a gestora Polo Capital, em acordo fechado no fim de 2019. De acordo com uma segunda fonte a par do assunto, a saída da Leader e da Casa&Vídeo tem como objetivo levar Carvalho a se concentrar especificamente na Editora Abril.
Fonte: Valor Econômico