Após ter seu fim decretado no início dos anos 2000 por especialistas e varejistas estrangeiras – algumas delas deslumbradas com o avanço da internet -, a loja física não só sobreviveu (o segmento on-line representa menos de 10% do varejo brasileiro) como está ganhando força ao incorporar tecnologias e comodidades que os consumidores se acostumaram a ter no ambiente digital.
A parte mais visível dessa mudança concentra-se em um fase crucial das compras: a fila do caixa. Ou melhor dizendo, nas ações para evitar que elas se formem. Reconhecimento facial, “QR codes”, equipamentos de autoatendimento e a integração com o que é vendido no mundo digital (conceito batizado de omnichannel) são algumas das ferramentas que têm sido incorporadas com mais velocidade nos últimos três anos para agilizar os pagamentos e estimular as vendas.
“O consumidor está mais conectado, tem mais informações e é menos fiel porque tem facilidades em qualquer lugar. Então é importante que a loja tenha diferentes opções para diferentes perfis e situações”, diz Laurence Gomes, diretor financeiro e de relações com investidores da Renner.
Atualmente, a rede trabalha com dois conceitos de pagamentos móveis (um com o atendente da loja finalizando o processo e o outro com o consumidor usando o aplicativo e seu cartão Renner) e com totens de autoatendimento instalados perto dos caixas. Os equipamentos estão disponíveis em oito lojas. A opção, diz Gomes, faz mais sentido em unidades com maior fluxo de consumidores.
O pagamento móvel, usando cartão Renner, pode ser feito em 30 lojas – o objetivo é chegar a todas as unidades da rede em 2020. A venda com apoio do atendente só não está disponível nas lojas de Santa Catarina, Minas Gerais e Ceará, por questões regulatórias. Em dezembro, a companhia tinha 368 lojas da marca. A Renner também trabalha no desenvolvimento de uma conta digital. Segundo Gomes, as iniciativas não são vistas como forma de reduzir custos, mas melhorar o atendimento.
Na Pernambucanas, a abordagem é parecida. De acordo com Sérgio Boriello, presidente da companhia, a meta é que as novas formas de atendimento elevem o nível de satisfação dos clientes dos atuais 72 para 75, nível considerado como “excelência” na medição feita com o Net Promoter Score, ou NPS – metodologia criada pela consultoria Bain no começo da década passada e que se tornou a referência na avaliação do cliente sobre as marcas.
Na rede, todas as 380 lojas adotaram o reconhecimento facial em operações como compra de celulares e concessão de empréstimos pessoais. As lojas também trabalham com o formato de sacolas de desconto – uma versão própria do caixa no celular, ou “mobile checkout”. Nele, o consumidor usa seu próprio celular para ler as peças de roupa que quer comprar. Quanto mais itens escolher, maior o desconto, por isso o nome sacola de descontos. O sistema gera um código de barras para ser apresentado no caixa, onde o atendente confere e finaliza a compra.
Boriello diz que cinco lojas estão testando uma evolução do modelo usando “QR code”, um tipo de código de barras. Na avaliação do executivo, um desafio nessa nova etapa é como incluir a venda de outros serviços, como seguros, em uma compra. Hoje, esse tipo de oferta é feita pelo atendente no balcão ao fim da compra. Com a possibilidade de o consumidor completar todo o processo sem interagir com ninguém, a rede pode perder uma importante fonte de receita. A questão a se resolver é como oferecer outros produtos antes de o consumidor finalizar sua compra e de o QR ser gerado, afirma Boriello. A meta é que até o meio do ano as tecnologias em implantação estejam presentes em todas as lojas da rede.
Denis Piovezan, vice-presidente da Linx Pay Hub, braço de pagamentos da empresa de software Linx, diz que a estimativa de consultorias é que de 15% a 20% dos pagamentos no mercado brasileiro sejam feitos com “QR Code” até 2022. A Linx oferece aos varejistas um código que reúne diferentes serviços de pagamento em um só. Assim, ao invés de ter várias placas em cima do caixa – Mercado Pago, Rappi etc. – o lojista tem apenas um “QR Code”. Os pagamentos são depositados em uma conta digital única da Linx. São três mil lojas usando o sistema atualmente.
Segundo pesquisas de varejistas, novos sistemas reduzem o tempo gasto nas lojas em 30%, em média. Para Boriello, a maior barreira para adoção das novas tecnologias é apresentar os novos conceitos aos consumidores. “Na China [principal referência para o varejo em termos de tecnologias de pagamentos] a adoção vai rápido porque você tem quase uma imposição no uso. No Brasil, você tem competição e precisa enfrentar o desafio de fazer as pessoas se adaptarem. E são vários ‘brasis’”, afirma.
Em um ambiente com novas demandas dos consumidores, não operar de forma eficiente em cada momento, pode, no entanto, significar ver clientes saindo da loja insatisfeitos. “O nível de exigência subiu, a concorrência hoje é global. Muitas varejistas competem com redes que, no passado, nem eram rivais. Nesse cenário, o varejo precisou repensar sua relação com o consumidor, e parte desse processo foi retirar atritos na hora da compra”, diz Eduardo Yamashita, diretor operacional da consultoria GS&MD. “A loja entrou nessa discussão como ferramenta para avançar na digitalização do varejo”.
Fabrício Guerra, vice-presidente do Magazine Luiza, ressalta que o a loja ficou mais complexa, o que tem exigido investimentos nos bastidores. “Há anos tornamos toda a parte administrativa da empresa [tecnologia, gestão de pessoas, contabilidade] mais robusto, para que não existam ruídos”, diz.
Na rede, o uso de loja e site de forma mais integrada, com efeito no atendimento e nível de serviço, ganhou força após a entrada de Frederico Trajano na presidência, em 2015. Um das ações tomadas desde então foi transformar os vendedores em caixas. Como nas lojas da Apple, que estabeleceu o modelo, os profissionais podem fechar as compras em qualquer lugar da loja, sem que o cliente tenha de ir ao caixa. Desde 2017, 100% das lojas Magalu têm pagamento móvel. “Antes disso, a conclusão da compra levava 42 minutos. Hoje, ocorre em quatro minutos”, compara Garcia. A emissão de cartões de crédito da rede, que demorava 25 minutos, hoje leva cinco minutos.
“O Magazine sempre operou site e loja de forma integrada porque, no passado, não separamos os negócios. Isso facilita esse processo de digitalização das lojas”, afirma Guerra. Um dos próximos passos da empresa é usar a loja como ponto de retirada de produtos vendidos no “marketplace” (operação de venda de itens de outros lojistas no site da rede). Desde o segundo semestre de 2018 isso vem ocorrendo com produtos vendidos pela Netshoes, que foi adquirida pelo Magazine Luiza em meados do ano passado. O plano é expandir o modelo para mais lojistas ao longo de 2020.
No Grupo Pão de Açúcar, um dos focos centrais está na ampliação do autoatendimento (“self checkout”). O sistema, que começou a ser usado nos EUA há duas décadas, tem ganhado espaço no Brasil devido à queda nos custos de implantação.
De acordo com Jorge Faiçal, diretor da área digital do Grupo Pão de Açúcar, uma máquina de autoatendimento custa hoje cerca de 40% menos que dois anos atrás. O investimento se paga em um ano com a redução dos custos com atendentes nos caixas. “O custo era um impeditivo há dois anos, mas vem caindo e vai cair ainda mais com o aumento do uso”, diz o executivo.
Segundo o Valor apurou, um equipamento nacional de autoatendimento custa entre R$ 25 mil e R$ 30 mil. Em comparação, a estrutura de um caixa comum de supermercado sai por até R$ 1,2 mil.
Sob o projeto de autoatendimento iniciado há quatro meses, o GPA chegou a uma conta de referência de que a cada seis “self-checkouts” é necessário um funcionário, chamado de “fiscal”, para ajudar os consumidores e evitar roubos. Em momentos de pico mais uma ou duas pessoas são destacadas para o atendimento. “Ainda é preciso ajudar os clientes em tarefas como pesar alguns tipos de alimento, por exemplo”, diz Faiçal.
Atualmente, o GPA tem 180 máquinas instaladas em 23 lojas do Pão de Açúcar e do Extra. Segundo o executivo, cerca de 20% da receita das unidades tem vindo desses equipamentos.
Cerca de 20 lojas têm à sua escolha um pacote de seis tecnologias que podem ser combinadas para aumentar receita, reduzir custos e melhorar a vida do cliente, afirma Faiçal. “A fila é uma das três principais reclamações dos clientes”, diz o executivo. Além do “self-checkout”, o “scan and go” está em uso em cerca de cinco lojas. O “prescan” (que ocorre na fila, quando um atendente gera um “QR code” para um cliente que pode ser lido no caixa), está sendo testado em duas lojas. O teste de conceito de um totem no celular, que permite comprar um café pelo celular e recebê-lo na mesa da lanchonete da loja, ocorre em duas lojas. Faiçal diz acreditar em um modelo híbrido de tecnologias, em que o consumidor pode escolher o método que mais lhe convém.
Raquel Diorio Thomé, diretora de vendas da fabricante NCR, diz que experiências feitas no país no passado tiveram resistência de sindicatos, que protestavam contra a possibilidade de perda de postos de trabalho com o autoatendimento. “Os mais idosos resistem ao uso, mas as novas gerações não querem saber de ficar em fila. O varejo tem que estar preparado para atender aos diferentes públicos”, diz.
O McDonald’s Brasil começou a instalar totens nas lojas em 2017, como parte de um projeto de renovação batizado de “Restaurante do Futuro”, diz João Branco, diretor de marketing da empresa. Os equipamentos são os preferidos por 30% das pessoas na hora de fazer o pedido.
A rede, que inaugurou sua milésima loja em outubro, tem 350 delas operando com totens. É pouco mais de um terço dos restaurantes, em dois anos e meio de implantação do projeto. A previsão é que até o fim de 2020 todas as unidades próprias (que representam 60% do total de pontos) estejam sob o novo formato. Isso significa instalar a máquina em quase 250 pontos em um ano. Os franqueados têm prazo até 2025. A rede não coloca nenhum atendente para ajudar os consumidores. Quem tiver alguma dificuldade pode ir diretamente ao caixa tradicional.
Na concorrente Burger King, há totens em 150 lojas de um total de aproximadamente 800 pontos. “O plano é ter totens na metade das lojas ao fim de 2020”, diz Ariel Grunkraut, diretor de vendas e marketing da companhia no país. “Os equipamentos não cabem em todos os pontos, porque é preciso ter um volume que os justifiquem, mas é possível instala-los em 70% a 80% da base.”
Atualmente, está em curso um projeto piloto em três lojas com totens instalados no balcão – opção utilizada em pontos menores. “Com os equipamentos, eu remanejo funcionários do atendimento para a cozinha, por exemplo”, afirma Grunkaut.
Esses equipamentos respondem, hoje, por 15% das transações. Segundo a companhia, os pagamentos com o aplicativo da rede cresceram, em número de transações, dez vezes em relação a um ano atrás. “É uma forma de o cliente fazer o pedido e, se preferir, retira-lo na loja de forma mais rápida. E ainda obtemos informações sobre perfil de compra do cliente nesse processo”, diz o executivo.
Grunkaut comenta que há vários projetos em teste nos EUA, sede da rede. Em um deles, a placa do carro do consumidor é usada para fazer o pedido pelo “drive thru”. Quando o carro entra, um sensor identifica a placa e o atendente vê o histórico de compra relativo àquele carro. Mas nem todas as tecnologias podem ser adotadas em todos os mercados. “No Brasil, as lojas respondem por 80% dos pedidos, enquanto nos Estados Unidos 70% do consumo ocorre no ‘drive thru’. Não são mercados com iniciativas diretamente replicáveis”, diz Grunkaut
Fonte: Valor Econômico