Ainda há muito trabalho a ser feito, mas empresa começa a se reinventar
Quem pensa que o Dia Brasil está acabado pode ter uma surpresa. A empresa ainda não gera resultados — outubro teria sido o primeiro mês com vendas positivas — porém, desde janeiro, a atual diretoria vem varrendo do mapa as pegadas da antiga gestão.
NOVAS LOJAS
O Dia Brasil inaugurou duas unidades em bairros paulistas de alto poder aquisitivo. Elas ganharam um visual caprichado e apontam o novo caminho da rede.
Roteiro das mudanças
01. troca na alta direção
02. posse da nova diretoria
03. demissão do comercial
04. foco nos fornecedores
05. ajuste do mix
06. alteração de preço
07. peso das promoções
08. fechamento de lojas
09. reforma de todas as lojas
10. foco em perecíveis
11. novos equipamentos
12. foco em marcas próprias
13. saída da Bahia
14. expansão
Quem é quem na retomada
Marin Dokozic
CEO DO BRASIL DESDE JANEIRO
De nacionalidade croata, já foi presidente do Lidl na Alemanha, Croácia e Portugal. Foi um dos responsáveis pelo sucesso desse hard discount na Europa
Helder Miguens
DIRETOR DE OPERAÇÃO
Nasceu em Portugal e somou 15 anos de Lidl, com experiência em logística e operação
Renato Giarola
CCO COMERCIAL
Trabalhou 11 anos na casa, saiu, tornou-se executivo do GPA por quatro anos e voltou ao Dia em janeiro. É tido como um dos poucos brasileiros que conhecem o modelo discount na prática, tem bom trânsito entre os fornecedores e sempre articulou práticas modernas de negociação, como o JBP.
Em meio à crise econômica, os ex-executivos da rede Dia trocaram os pés pelas mãos e quase destruíram a marca na Espanha e em outros países. No Brasil aconteceu de tudo: apertaram em demasia os fornecedores, principalmente por abatimentos, o que levou ao desaparecimento de marcas nas prateleiras e a uma ruptura entre 25% e 30%. A ex-diretoria local abandonou também a manutenção das lojas, pesou a mão com os franqueados e ainda se meteu numa trapalhada contábil com graves consequências. Essa é a visão resumida de fontes, ouvidas por SA Varejo, entre ex-funcionários, consultores, franqueados, executivos da indústria e supermercadistas.
A direção da empresa na Espanha enviou um executivo financeiro para o Brasil no fim de 2018, que pediu uma auditoria forense e confirmou as manobras contábeis. Toda a diretoria e boa parte da equipe comercial foram afastadas. “Desde então, a nova liderança tem se esforçado para construir um novo Dia”, afirmou um consultor. Ele observa que a rede mexeu no sortimento, na precificação e nos tabloides. Fechou unidades, está reformando todas as outras, e teve duas inaugurações em bairros de classe média alta de São Paulo: uma de 800 m2 e outra de 500 m2, ambas “chiques”. Também fechou um dos CDs de São Paulo, que tinha sobra de espaço e custo de aluguel, e tem disparado promoções para resgatar antigos clientes e conquistar novos.
Uma das fontes ouvidas por SA Varejo assegura que 100% dos fornecedores tradicionais já voltaram à mesa de negociação. “Há muita coisa a ser feita, mas existe uma boa chance de o Dia se reinventar,” diz.
A rede no Brasil não concedeu entrevista, mas enviou um comunicado à SA Varejo: “2019 foi um ano extremamente desafiador, mas, desde que assumiu o controle acionário, o fundo LetterOne contratou líderes experientes em varejo e iniciou uma transformação interna profunda. O plano de negócio tem como eixos novo posicionamento comercial, reestruturação logística e operacional, simplificação de processos e renovação da cultura da empresa.” Agora é a concorrência esperar para ver.
NADA A VER COM O ANTIGO DIA
Localizada no bairro de Moema, em São Paulo, uma das novas lojas ganhou layout moderno, equipamentos importados, iluminação de qualidade, perecíveis com apresentação convidativa, hortifrútis na entrada e seções estratégicas para o consumo do dia a dia, como a padaria.
BAHIA, A REDE PODE VOLTAR
Muita gente acredita que as unidades da Bahia foram fechadas porque o consumidor baiano já não respondia ao formato. “Muito pelo contrário”, garante um ex-funcionário. O problema é que o sócio na Bahia vendia como se fosse atacado, e isso não funcionava bem; tinha complexidades fiscais, financeiras e de fluxo de mercadoria”, explica. A nova direção cancelou a parceria. “Duvido que a Bahia tenha sido abandonada. A operação deve voltar assim que a empresa se recuperar, pois fez sucesso entre os consumidores. Que o digam os varejistas regionais, sempre acossados pela marca,” argumenta.
ATACAREJO MITO DA CONCORRÊNCIA
“O mercado quer acreditar que o desafio do Dia é o atacarejo, mas isso é ingênuo”, diz um consultor. Segundo ele, embora as lojas da rede tenham tamanho 10 vezes menor do que as lojas de cash & carry (em média 500 m2 contra 5000 m2), seu sortimento corresponde apenas à metade do mix do atacarejo – em média 3500 itens contra 7000 itens. “O Dia tem uma desvantagem pequena em número de categorias e uma vantagem grande em custo operacional, além de proximidade do consumidor,” sustenta.
POUCAS MARCAS VANTAGEM
A proposta do Dia é basicamente oferecer a marca líder, a marca intermediária e a marca própria. A expectativa de um consultor é que essa estratégia se normalize assim que o realinhamento comercial for finalizado. “Com uma ruptura de 25% a 30%, como ocorria, não existe estratégia que se sustente”, diz. “Mas a ruptura já diminuiu visivelmente e é provável que logo chegue ao patamar do mercado, entre 7% e 8%”, aposta. Outro consultor afirmou que trabalhar com poucas marcas é uma das fortalezas do modelo: facilita negociações e operação, além de reduzir custos e ampliar ganhos.
PREÇOS MAIS ALTOS
Para recuperar margem, a nova diretoria estabeleceu um preço cerca de 3% superior ao do atacarejo. ”O consumidor acessa a comodidade de comprar numa loja perto de casa, e isso justifica a diferença de preço,” acredita o diretor de uma indústria.
CUSTO BAIXO DESAFIO MAIOR
Lojas novas com fachadas e layouts modernos, equipamentos importados, iluminação digna de um supermercado e perecíveis frescos e gelados no mix, eis a aposta da nova direção que pode sair cara. Alguns consultores, entretanto, acreditam no sucesso da estratégia. “A atual liderança no Brasil tem um histórico de alavancar as vendas e manter os custos nos níveis mais baixos possíveis”, declara uma das fontes. “Tem tudo para dar certo.”
MARCA PRÓPRIA: MUDANÇAS À VISTA
Muitos varejistas e executivos da indústria contestam que a recuperação do Dia passe pela marca própria. Segundo eles, o brasileiro quer adquirir marcas que associa à ascensão social. “Aqui marca própria não pega”, diz um varejista gaúcho. Para ele, a concorrência do Dia sempre foi insignificante na sua cidade justamente por isso. “Bobagem”, provoca um consultor. “Depende do público que a loja atende e de estratégia. Para o Dia, a marca própria continua uma vantagem competitiva,” declara. O consultor diz que a rede trouxe um especialista para analisar o cenário e implantar mudanças. O Brasil oferece desafios, mas a marca própria do Dia responde por cerca de 30% de suas vendas. “Em seus melhores momentos, o Dia incomodou (e muito) a maioria dos concorrentes”, reitera.
PERECÍVEIS E LOJAS DE ‘LUXO’
Para se adequar melhor ao mercado, o Dia também está inaugurando lojas com perfil um pouco diferente. Continuam ancoradas em preço e sortimento básico, mas contam agora com área de perecíveis, com padaria e açougue de autosserviço – o ponto fraco do atacarejo. Duas foram inauguradas com FLV na entrada da área de vendas. “Não há como ter sucesso com lojas de proximidade sem produtos frescos”, argumenta um especialista em gerenciamento por categorias. Mas ele reconhece que se trata de uma operação delicada, custosa, capaz de decepcionar o cliente e de fazer o Dia derrapar.
COMERCIAL O RECOMEÇO
Uma das áreas que mais teriam causado danos ao Dia seria a comercial. Tanto que o novo diretor teria cortado cerca de 80% da equipe. “Eles cobravam tudo a toda hora: introdução de produtos, tabloide, sortimento”, informa um fornecedor. “Agora, a empresa volta a práticas originais, com negociação dura, mas de mão dupla, de interesses e metas compartilhadas”, certifica.
DÚVIDAS E ESPERANÇAS
A situação no Brasil é basicamente reflexo da situação do Dia internacional. Na Espanha pesa uma investigação sobre a falência da companhia. Há suspeitas de manipulação do mercado para despencar o valor das ações, o que teria favorecido o fundo LetterOne, hoje dono de 69% dos papéis. Há também investigação em torno das denúncias anônimas que iniciaram o procedimento criminal contra o empresário ligado ao fundo, Mikhail Fridman. Segundo o site La Información, a procuradoria anticorrupção da Espanha está pedindo ao Dia mais informações sobre os exercícios 2016 e 2017. E acionistas minoritários já alegaram que as demonstrações financeiras do exercício fiscal 2018 ocultam perda de 20% do valor contábil. O imbróglio, que afetou profundamente a operação, fez os resultados despencarem. Nos três primeiros trimestres deste ano o Dia internacional registrou queda nas vendas de 7,4%, com um resultado negativo de 504 milhões de euros. Mas a empresa, hoje sob a administração da L1 Retail, está confiante. Em novembro ampliou o capital em 605 milhões de euros, o que sinaliza apoio dos investidores. Para o atual CEO do grupo, Karl-Heinz Holland, “agora é hora de trabalho árduo e de conquista de um futuro bem-sucedido”.
PROMESSAS DO MAIOR ACIONISTA
Em entrevista ao jornal espanhol Cinco Dias, Mikhail Fridman, o empresário ligado ao fundo que comprou o Dia, revelou sua estratégia. Ele é dono do grupo X5 Retail, líder no varejo alimentar russo, com quase 16 mil lojas e faturamento de 21 milhões de euros por ano. Mais de 90% das lojas têm estratégia de proximidade, com foco em perecíveis frescos e conveniência, modelo bem próximo ao Dia. O grupo opera com várias bandeiras e tem investido pesado em novas tecnologias para atendimento ao consumidor, como personalização de cupons e ofertas. Já os lucros da empresa vêm sendo reinvestidos numa expansão agressiva – 2.000 novas lojas só neste ano. Segundo o jornal, Fridman pretende multiplicar as boas experiências da X5 na Espanha e também no Brasil, cujo mercado considera semelhante ao da Rússia.
OPERAÇÃO BRASIL: VENDE OU NÃO VENDE?
Alguns entrevistados acreditam que a bandeira está sendo recuperada para ser colocada à venda. Porém um analista do mercado não enxerga essa possibilidade. “Os investimentos serão usados para arrumar as operações na Argentina, Portugal e na própria Espanha, todas com problemas, mas o foco deverá ser o Brasil,” afirma. “O mercado é enorme, e a companhia enxerga potencial para mais 4000 lojas no País”, diz.
SIM ÀS FRANQUIAS
Embora tenha cancelado franquias deficitárias e com má administração, a rede preserva o modelo e não deve mudar essa iniciativa. Um ex-funcionário diz que a maioria dos franqueados é muito qualificada, inclusive com ex-executivos de grandes grupos do varejo. “Com a antiga liderança, o processo quase ruiu — alguns franqueados fizeram acusações graves —, mas a relação está se normalizando”, testemunha um franqueado.”Voltamos a frequentar o escritório, a debater sortimento e processos de logística. Temos importância para o negócio”, afirma. Para entrar no Dia, os empresários precisam comprovar boas condições financeiras, inclusive capacidade para sustentar o fluxo de caixa.
Fonte: SA Varejo