O sistema de “cashback”, que devolve ao consumidor um percentual sobre o valor da compra, avançou rapidamente no varejo nos últimos meses e as redes têm adotando maior racionalidade na definição dessa estratégia.
As companhias estão atentas ao risco de que o modelo afete a rentabilidade, ao não gerar o volume de venda previsto, e leve a uma maior “queima” de recursos em caixa. Como pano de fundo, há um ambiente de competição mais acirrada no comércio eletrônico, num cenário de economia estagnada, que já tem comprimido as margens das empresas.
“O cashback é o novo frete grátis. No passado, o mercado abriu as portas da entrega gratuita para atrair clientes, e viu que ficou caro demais. Aí a festa acabou e as empresas se reorganizaram”, diz Roberto Wajnsztok, ex-diretor do Walmart.com e fundador da Origin5 Consultoria. “O que se vê com o cashback hoje é o mesmo que se viu com o frete grátis lá atrás. Já estamos passando por uma maior racionalidade, com as redes calibrando melhor os descontos.”
Pelo sistema de cashback, a cada compra, um percentual do valor do produto volta para uma conta digital do cliente. Atualmente, esse percentual varia de 1% a 50% do valor da transação, segundo critérios definidos por empresas como Americanas.com (da B2W), Ponto Frio (da Via Varejo), Mercado Livre e Magazine Luiza.
Na prática, o formato não é novo. Por meio de sites e aplicativos de parceiros (como Picpay e Méliuz), desde 2011 as varejistas concedem descontos na forma de recursos creditados numa conta virtual. A intenção é ampliar tráfego, a recorrência na compra e o valor final gasto. Em relação ao passado, a diferença agora está em duas questões centrais.
As redes estão administrando diretamente os descontos, sem precisar de aplicativos como intermediários. E o cashback passou a ficar integrado à uma carteira virtual do próprio varejista, já conectado a promoções e ofertas da loja. Com os programas ganhando força, por meio de ações de marketing mais intensas, a moeda pode ganhar liquidez no curto prazo.
“Nós calculamos que a cada R$ 1 liberado em cashback são gerados R$ 2,50 em novas compras, com aumento do tráfego desse cliente [que acumula o cashback] em sete vezes”, diz Fabio Abrate, diretor de relações com investidores da B2W, dona da Americanas.com e Submarino, uma das mais atuantes no uso da ferramenta. “Está claro para nós que ele tem um efeito cascata positivo, e os percentuais de cashback [de 5% a 50%] mostram que não padronizamos as taxas, e que há uma evolução da ferramenta.”
Em outubro, a B2W estendeu as suas ações com cashbacks para os pontos físicos da Lojas Americanas, controladora da empresa com 1,5 mil unidades no país. Passou a ser possível pagar compras na rede física usando cashbacks da conta digital. A transação ocorre por meio de um código de imagem (QR Code) gerado, que pode ser lido pelo aplicativo no celular.
Pouco antes disso, na segunda metade do ano passado, a conta digital da B2W, onde está o cashback do cliente, foi integrada a seu “marketplace” (área de lojistas que vendem pelos sites da companhia). E esses terceiros passaram a liberar ofertas de cashback extras ao consumidor.
Desde março, também dá para transferir o dinheiro do cashback da conta digital da B2W para uma conta bancária do cliente.
Três meses após esse anúncio, em junho, o Mercado Livre, concorrente da B2W no marketplace, fechou um acordo com o Itaú para lançar um cartão de crédito internacional com cashback de até 10% das compras feitas em quaisquer lojas físicas e sites.
Há sinais de que a política de concessão do cashback já tem sido definida segundo critérios mais rígidos das empresas.
Neste cartão recém-lançado pelo Mercado Livre e Itaú, o cashback de 10% só é válido em compras acima de R$ 100 e há limite de R$ 50 por transação. E, inicialmente, o cartão só será oferecido a clientes pré-aprovados do Mercado Livre.
“É preciso determinar regras utilizando informações de perfis de clientes que usam nossos serviços [a empresa tem produtos financeiros e de crédito], cruzando todos os dados que temos. Para ser um cashback útil. Isso ajuda a tornar o sistema rentável”, diz Daniel Stephens, responsável pela área de produtos do Mercado Livre.
“Não existe isso de cashback de 80% para o cliente, isso não para de pé. E as empresas já entenderam também que não podem entrar nisso só porque é moda e depois não conseguir mais ‘bancar’ o programa”, afirma Ana Szazs, diretora comercial da Ebit-Nielsen.
Na busca de um modelo sustentável, ao criar sistemas próprios de cashback, as redes reduzem a dependência de aplicativos com foco nesses programas, que cobram taxas por cada transação. Ao retirar o intermediário, a transação fica mais rentável para o varejo, dizem as lojas. Os aplicativos negam que haja encarecimento, porque argumentam que geram volume.
Outro aspecto também discutido no setor é a forma para contabilizar os cashbacks pagos.
Para as varejistas, isso entra como custo para ativação de cliente. “É despesa de vendas ou de marketing, não se trata de investimento, e para a conta fechar tem que ser compensado pelo maior volume de venda” diz André Amaral, diretor da Méliuz, site que reúne lojas que oferecem cashbacks, com 7 milhões de usuários.
Para exemplificar, considere a venda de 1 milhão de televisores ao ano (média de uma grande varejista), a R$ 1,5 mil por TV, e um cashback de 10%. A venda total somará R$ 1,5 bilhão e, ao se retirar custos (50% da venda, em média), o lucro bruto é de R$ 750 milhões. O cashback de 10% é descontado desses R$ 750 milhões. Portanto, o lucro cairia para R$ 675 milhões. Para compensar essa queda, seria preciso vender 1,12 milhão de TVs, ou seja, 120 mil aparelhos a mais.
Nessa conta, há também um aspecto relacionado ao cálculo do capital de giro líquido das redes. Na maioria das operações com o cashback, a compra é feita por cartão de crédito. Logo, aumenta a linha do balanço do saldo de contas a receber, o que é positivo. Mas também cresce o saldo a pagar ao cliente, por causa do cashback.
Pelas regras de pagamento, as empresas têm até 30 dias para depositar o desconto na conta virtual do consumidor – normalmente, isso só ocorre na última semana, para adiar a saída de caixa. Ou seja, o dinheiro da venda do produto entra parcelado na conta da loja (se não for adiantado pelas operações de antecipação de recebíveis) e a saída do cashback ocorre em até um mês. A conta fecha se o valor da venda cresce.
O Valor apurou que o Mercado Livre estuda parcerias com varejistas para liberar o uso de cashbacks de suas contas para compras em quaisquer lojas físicas ou sites. “É algo a se considerar, que pode ser estudado”, afirma Stephens.
A B2W também estuda parcerias nessa linha, para abrir mais o uso ao comércio em geral, diz fonte. Perguntada a respeito, a B2W não detalha informações do projeto, mas afirma que a questão deve ser analisada. “Nessa situação, vão caber outras condições a serem discutidas com os parceiros. Ainda não há decisão”, diz Abrate.
O assunto merece análise porque, nesse caso, as redes estarão liberando recursos que podem ser gastos em outras varejistas, e eventualmente, até num concorrente.
Para Szazs, da Ebit-Nielsen, há uma demanda maior do cliente hoje pela liberdade no uso do dinheiro. “Ou isso ocorre ou caímos num sistema muito parecido com o de pontos acumulados, que já não é visto mais como um grande diferencial hoje.”
Segundo ela, o crescimento do programa neste momento reflete o amadurecimento do comércio eletrônico no país – hoje, o consumidor tem maior conhecimento sobre como funcionam as bonificações – e também é consequência do cenário de maior competição, que leva as redes a buscar novos formatos de descontos e promoções.
Dona da Casas Bahia e Ponto Frio, a Via Varejo lançou semanas atrás o seu banco digital, o banQi, integrado a uma conta on-line, em que será possível acumular cashbacks. As iniciativas da empresa hoje estão centradas nas ofertas em aplicativos de parceiros. “O cashback é um instrumento para atrair usuários e, a longo prazo, retê-los. Isso pode funcionar, especialmente, numa fase inicial do negócio, pois ele chama muito a atenção de potenciais clientes”, diz Felipe Negrão, diretor do banQi.
“Nós estamos estudando os melhores modelos para o consumidor. Formatos que, além de devolver parte do valor gasto, também possibilitem retornos maiores em novas compras. O nosso cashback deve ir além das mecânicas tradicionais do sistema bancário e privilegiar parcerias com o varejo.”
Fonte: Valor Econômico