“De um bom namoro, sai um bom casamento. Da boa conversa, sai um bom negócio”. Essas frases estão entre as tantas máximas de Samuel Klein (1923-2014), o imigrante polonês que fundou um império no Brasil, as Casas Bahia. E poderiam se aplicar ao momento vivido pela Via Varejo, gigante criada a partir da fusão entre a rede e o Grupo Pão de Açúcar (GPA). Concretizado em 2009, o acordo foi costurado por Michael Klein, primogênito do empresário. Algum tempo depois, o clã deixou o dia a dia da companhia, apesar de manter assentos no Conselho de Administração e uma fatia minoritária, mas ainda relevante na operação. O casamento deu sinais de que estava próximo do fim em novembro de 2016, quando o GPA decidiu vender a sua participação e priorizar a atuação no varejo alimentar. Passados dois anos e meio, nenhum interessado se mostrou disposto a fechar a compra. Uma conversa já em andamento pode encerrar, no entanto, essa longa espera. E surge como um ótimo negócio para as duas partes. A opção na mesa? A volta da família Klein ao comando. da operação.
As especulações sobre um possível retorno dos Klein ao controle da operação já circulam no mercado há cerca de dois anos. Mas só deixaram o plano dos rumores há pouco mais de uma semana, quando o grupo CB, holding da família, divulgou nota informando que Michael Klein está em processo de contratação dos serviços de assessoria financeira da XP para avaliar a aquisição, em resposta a uma reportagem publicada pelo jornal Valor Econômico. Procurado pela DINHEIRO, o empresário afirmou por meio de sua assessoria que não faria comentários adicionais. A Via Varejo, por sua vez, confirmou, em comunicado, que foi notificada a respeito do interesse. Com uma participação de 25,24% na varejista, a família não estaria sozinha nessa proposta. O objetivo, com apoio da XP, seria atrair outros grupos para compor uma oferta pela fatia de 36,27% detida pelo GPA na Via Varejo, cujo valor de mercado atual oscilou, nas últimas semanas, entre R$ 5,2 bilhões e R$ 6,1 bilhões.
VELHOS CONHECIDOS Uma proposta encabeçada por Michael Klein é considerada a solução mais adequada para o impasse da Via Varejo, dada a dificuldade em atrair outros interessados no ativo. “Uma aquisição desse porte só poderia ser feita por uma grande companhia, provavelmente global”, diz Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores. “E não há ninguém com esse apetite, especialmente com a crise e a falta de sinais positivos na economia.” O fato de o novo capítulo ser liderado por ator cujo sobrenome é velho conhecido da casa é mais um aspecto importante. “É a alternativa mais inteligente. Os Klein, na verdade, nunca deixaram o negócio”, observa Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo. “Eles seguem como acionistas relevantes, sempre estiveram no Conselho e estão a par das estratégias.”
Sob a ótica da família, há outros componentes que concorrem para o acordo. O principal deles é o preço de um ativo há tanto tempo no balcão. Sem a necessidade de desembolsar uma grande quantia, o clã preservaria o seu patrimônio e, ao mesmo tempo, teria a chance de fazer esse bolo crescer. “Michael Klein não está vendo o negócio como um retorno. Ele entende que é uma pechincha por uma boa oportunidade”, diz uma fonte do mercado, ressaltando o foco do empresário nos outros negócios do grupo CB, que atua nos segmentos imobiliário, de aviação executiva e de concessionárias. “É pouco provável que ele esteja no dia a dia. Quem deve ganhar mais presença é o Roberto Fulcherberguer”, afirma, em uma referência ao executivo que, ao lado de Michael, representa os Klein no Conselho da varejista. “Eles já estão abordando executivos conhecidos. O plano é montar um ‘dream team’ do varejo para tocar a operação”, completa outra fonte ouvida pela DINHEIRO.
Essa estratégia também poderia ser vista como uma forma de contornar a maior dúvida sobre um eventual retorno da família: teriam os Klein condições de consolidar a necessária transição da companhia para uma operação multicanal? Desde o segundo semestre de 2016, quando iniciou a integração de suas operações físicas e on-line, num movimento visto como tardio pelo mercado, a Via Varejo segue esse percurso. A estratégia ganhou maior fôlego em 2018. Os resultados colhidos, porém, são considerados insatisfatórios, especialmente quando comparados ao Magazine Luiza, a menina dos olhos do setor no mercado de capitais. No ano passado, por exemplo, a empresa apurou um prejuízo de R$ 267 milhões, contra um lucro líquido de R$ 195 milhões, um ano antes. “Eles estão fazendo a coisa certa, mas na velocidade errada”, afirma Valter Pieracciani, sócio-fundador da consultoria Pieracciani.
Para os analistas, com um “novo” controlador, a empresa teria, enfim, um horizonte de maior previsibilidade, distante das incertezas que prejudicaram essa transformação. “Nenhuma empresa consegue ter agressividade e foco com uma indefinição societária tão longa”, diz Alberto Serrentino, sócio da consultoria Varese Retail. Eduardo Terra acrescenta que a conclusão da integração tecnológica, prevista para meados deste ano, só reforçaria esse contexto positivo. “A Via Varejo tem ótimos ativos, alguns inclusive, que o próprio Magazine Luiza não tem”, diz o analista, citando a capilaridade das mais de mil lojas das bandeiras Casas Bahia e Ponto Frio, a estrutura logística com 26 centros de distribuição e a experiência da companhia em serviços de crédito. “Sob esse novo cenário, a empresa tem tudo para brigar em pé de igualdade e recuperar seu valor.”
Fonte: IstoÉ Dinheiro