As novas tecnologias de pagamento e de identificação de produtos, que substituem o atendimento humano em caixas, prometem redesenhar o varejo alimentar. A corrida começou pelo mercado de conveniência e promete se alastrar para lojas de vizinhança e supermercados tradicionais.
Em parceria com o Carrefour, a startup Zaitt, do Espírito Santo, lançou sua primeira unidade em São Paulo em março. Com serviço 24 horas, a loja não tem funcionários no atendimento ao público. Tudo é feito pelo cliente com a ajuda de um aplicativo e câmeras para reconhecimento facial.
A Lojas Americanas, que controla a B2W, inaugurou no Rio de Janeiro, em fase de testes, a loja de conveniência autônoma Ame Go, onde o pagamento é feito pelo aplicativo do grupo, o Ame. Sensores instalados nas gôndolas registram a retirada ou a devolução dos produtos.
O mercado de conveniência é dominado pelos postos de gasolina, com mais de 8 mil lojas no país que faturaram R$ 7,5 bilhões em 2018, segundo a Associação Nacional das Distribuidoras de Combustível (Plural).
Rodrigo Miranda, sócio-fundador da Zaitt, disse que a aposta em tecnologia vem para reduzir o tempo de compra e dar segurança ao cliente. Só quem é cadastrado no aplicativo da empresa pode entrar e sair das lojas. Para abrir a porta de entrada, é preciso escanear um QR code ou passar por reconhecimento facial. No interior da loja tudo é acompanhado por câmeras e é possível escolher entre dois formatos de compra.
No primeiro, por meio da tecnologia Scan&Go, o cliente escaneia com o seu celular os códigos existentes nas gôndolas e os produtos são incluídos no carrinho virtual. Ao fim da visita, o valor é debitado automaticamente no cartão de crédito cadastrado no aplicativo.
A segunda opção dispensa o uso do celular e basta recolher os produtos e seguir para a saída. Em um hall, entre as duas portas de acesso, as compras são identificadas automaticamente graças à tecnologia de identificação por radiofrequência (RFID, na sigla em inglês). O cliente confirma a sua identidade e a lista de compras em uma tela, e o valor é debitado. Então a porta da rua se abre. “Tudo pode acontecer em menos de um minuto. Não encarar filas é o principal atrativo para o consumidor. Além, é claro, da segurança”, disse Miranda. A empresa tem 17,5 mil clientes inscritos no aplicativo.
Até o fim de 2019 a meta da Zaitt é chegar a 20 unidades só em São Paulo, com foco na zona oeste, a partir do Itaim Bibi. Para tal, conta com um grupo de investidores mantidos em sigilo. O modelo de franquia não está nos planos. Até agora, diz Miranda, o negócio exigiu dos sócios investimento de US$ 1 milhão, incluídos gastos com a primeira loja, em Vitória.
Criada por quatro engenheiros recém-formados, a Zaitt surgiu em 2016 como um delivery de bebidas e logo abriu uma loja física com venda de salgadinhos e chocolates, que evoluiu para as unidades autônomas. O serviço de entregas, embora tenha perdido o protagonismo da operação, não foi abandonado. Sob o nome de Shipp, transformou-se em um “delivery de tudo”, usando geolocalização para ofertar produtos de 1.751 lojas de terceiros ao consumidor final, valendo-se para isso de 13 mil entregadores cadastrados. A receita vem pela cobrança de comissão de 27% sobre o valor das vendas.
Para fornecimento e logística de abastecimento, a Zaitt fechou parceria comercial com o Carrefour. Segundo a CEO da unidade Carrefour eBusiness, Paula Cardoso, a participação no negócio é encarada como um laboratório, em linha com a estratégia global de estreitar relações com startups que tragam competências para acelerar a transformação digital do grupo. “Estamos aprendendo sobre o modelo de jornada das lojas autônomas, o que pode ser interessante para o crescimento do Carrefour”, afirma. Ela acrescenta que está nos planos acompanhar a expansão da Zaitt, cujas lojas não são encaradas como concorrência ao formato Express do Carrefour. “A Zaitt é menor e tem outra proposta de valor, com uma profundidade de sortimento absolutamente diferente. Funciona mais como um complemento à nossa rede”, conclui.
Em vez de se associar a iniciativas independentes, a B2W prepara sua própria rede de lojas autônomas, que devem se juntar à rede de conveniência da Americanas. O protótipo com a bandeira Ame Go, aberto somente a funcionários na sede da B2W, no Rio, usa inteligência artificial, com o aprendizado de máquinas e visão computacional. Mais próximo do que faz a AmazonGo, aberta em 2018 em Seatle (EUA), as geladeiras e prateleiras da Ame Go são integradas a sensores que detectam a presença dos produtos, facilitando estoque e reposição. Além disso, câmeras tridimensionais monitoram os movimentos dos clientes, mapeando seus hábitos de consumo. O pagamento se dá por meio do aplicativo Ame, já funcional para os serviços de e-commerce do grupo. O Valor apurou que a companhia procura locais para novas lojas no Rio e em São Paulo.
Eduardo Serpa, gerente de conveniência da Plural avalia que as iniciativas dos grupos de varejo, novos e tradicionais, representam concorrência apenas parcial às lojas em postos de gasolina. “São momentos de compra diferentes, mas é inegável que os mercados se tocam”, diz. A tendência, afirma Serpa, é que a competição se intensifique porque as grandes redes, já presentes no chamado mercado de vizinhança, miram a conveniência enquanto as lojas de postos buscam metragens cada vez maiores e acumulam funções de comércio local, como padarias. “Os dois movimentos vão acabar se cruzando e todo mundo vai tentar diminuir o atrito com o consumidor, valorizando seu tempo.”
As redes ligadas a grandes cadeias de postos (BR Mania, Select e am/pm) ainda estudam a introdução do pagamento por aplicativo, mas não têm no horizonte acabar com o atendimento físico, indispensável para o controle legal da venda de tabaco e bebidas alcoólicas. “A autonomia total pode ser inovadora, mas apresenta esse limitador grave para nós”, explica.
Fonte: Valor Econômico