A demanda por cartões private label se expande para o varejo alimentar. Antes usado principalmente pelos setores de bens duráveis e vestuário, supermercados começam a apostar no plástico para driblar a maior restrição ao crédito e baixo consumo no País.
“Essa categoria de cartão tem benefícios muito parecidos com os dos grandes bancos; o que diferencia, de fato, é a proposta de valor que cada varejista coloca”, ressaltou ao DCI o diretor financeiro do atacarejo Assaí, José Marcelo Santos.
Ele reforça que, com uma situação financeira mais complicada nas famílias, o movimento de expansão nessa categoria vem também para atender um “público novo” que chegou às lojas, procurando produtos cada vez mais baratos.
“Hoje, o consumidor final representa 50% da nossa demanda. Há uma mudança de hábito, seja pelo modelo de negócio como também pela situação da economia” declara Santos.
Nesse sentido, enquanto as projeções do Produto Interno Bruto (PIB) para este ano caíram de 2,5% em maio para 1,76% neste mês, por exemplo, as concessões do sistema financeiro voltada para o pagamento à vista com cartão de crédito avançaram 18,5% de janeiro a abril ante igual período de 2017, de R$ 232,8 bilhões para R$ 264,1 bilhões. Já o parcelado avançou de R$ 9,8 bilhões para R$ 14,2 bilhões (+44,2%).
“A melhora na atividade econômica foi adiada e os bancos mais restritos aumentam pagamentos à vista, mas reforçam uma demanda por crédito reprimida”, diz o analista da Boanerges&Cia Vitor França.
A oportunidade de expandir os negócios traz, inclusive, novos setores varejistas na demanda pelo cartão de marca própria. De acordo com a CEO e fundadora da Trigg, Marcela Miranda, além dos usuais segmentos de eletrodomésticos, móveis, eletrônicos e até vestuários, os supermercados começam a tomar frente da procura pelo plástico.
“O principal fator para esse novo movimento é que além do aumento das vendas e da fidelização do cliente em tempos difíceis, a relação do consumidor com produtos alimentícios traz uma inadimplência bastante atrativa ao setor”, comenta.
Apesar da “limpa no portfolio” pelo qual as administradoras de private label passaram nos últimos anos pela alta drástica de calotes, os executivos entrevistados ponderam que as concessões agora têm sido feitas com maior cautela e, assim, trazido melhor qualidade à carteira.
“Mesmo com o cenário turbulento, entendemos que o varejo alimentar é o último setor que o consumidor deixará de pagar, principalmente por se tratarem de bens de primeira necessidade cuja necessidade é recorrente”, complementa o diretor financeiro da DMCard, Carlos Tamaki.
Ele pondera, porém, que “não significa que não haja inadimplência nenhuma”. “A taxa de desocupação está alta e persistente e isso, em algum momento, pode atingir o varejo alimentar. O que vale ressaltar é que, ainda assim, não será na mesma proporção de outros setores”, acrescenta.
De outro lado, lembra França, os juros cobrados nos cartões de marca própria também trazem a necessidade de cautela por parte do próprio consumidor.
“O private label costuma ter juros maiores do que os normais e anuidades um pouco mais caras”, analisa o especialista e reforça que é preciso “equilíbrio”.
“Tirando para o uso dos benefícios de desconto, o consumidor que usa o plástico para parcelar a compra de alimentos precisa se preocupar. Esses cartões foram feitos para gastos recorrentes e, se não houver cuidado, vira uma bola de neve”, comenta França.
Ofertas direcionadas
Do lado do varejo, a “flexibilização” das margens de lucro para uma oferta mais direcionada ao cliente e focada na fidelização também começa a ser vista.
Segundo Tamaki, sem os limites de uma grande instituição financeira, o private label ganha cada vez mais força tanto em no volume de vendas como na atração e novos clientes.
“Além disso, o varejo acaba seguindo a tendência dos grandes grupos, como Pão de Açúcar e Extra, que deixam de trabalhar apenas com as margens de lucro para trazer descontos promocionais e formas de fidelização”, complementa o diretor.
Para o analista da Boanerges, Vitor França, o grande desafio, porém, é equilibrar o resultado financeiro do negócio e o objetivo de alavancar as vendas.
“É preciso tomar cuidado na dose de descontos e na análise de crédito, porque não quanto mais limites de crédito em tempos ruins, maior é a colheita de inadimplência no curto e médio prazo. Mas, de qualquer forma, o varejo aprendeu bastante e o private label ganha potencial”, pontua o especialista.
Na prática
No ano passado, por exemplo, o Assaí começou a emitir seu cartão de marca própria – o “Passaí” –, apostando como proposta de valor a possibilidade de o cliente pagar pelo preço de atacado de uma única unidade.
“Atualmente, estamos em 400 mil cartões emitidos; a perspectiva é de que até o final de 2018, devemos chegar a mais de 600 mil emissões”, declarou Santos, diretor financeiro do atacarejo.
De acordo com o balanço do primeiro trimestre de 2018 do Grupo GPA – marca que controla as operações do Assaí –, após seis meses de lançamento, 200 mil cartões foram emitidos. O ritmo mensal atual gira em torno de 50 mil emissões.
Paralelamente, o lucro líquido do Assaí cresceu 51,6% nos primeiros três meses deste ano em relação ao mesmo período do ano anterior – chegando a R$ 115 milhões. Atualmente, o private label representa a 10% do total de vendas do atacarejo.
O Assaí não abriu números relacionados à inadimplência, mas disse – por meio de nota – que “é baixa e está dentro dos patamares esperados para uma operação que está no início.”
Outra rede que aderiu ao private label foi o supermercado Higa que, em três anos, mais do que dobrou a base de clientes cadastrados no cartão, de 5 mil em 2015 para 11 mil neste ano.
“O percentual de participação [do cartão] nas vendas totais está em torno de 16%. Com esse tipo de cartão, nossas vendas e taxas de fidelização aumentaram nos últimos três anos”, destaca o supervisor geral do negócio, Valdir Leiva, ressaltando que a base de clientes fidelizados tem incremento anual de 10%. Em relação aos calotes, o supervisor geral revela “algo em torno de 10%.”
A nível de comparação, segundo o Banco Central, a média total de inadimplência do sistema financeiro ficou em 6,1% em abril último. Os juros, por sua vez, ficaram em 73,7% ao ano.
Fonte: DCI