A cidade uruguaia de Rivera faz parte da história do futebol brasileiro. No início de 2011, milhares de torcedores cruzaram a fronteira com o município gaúcho de Santana do Livramento para assistir ao primeiro clássico Grêmio e Internacional, conhecido como Grenal, realizado fora do Brasil (vitória gremista por 2 a 1). A partir deste mês de maio, Rivera passa a ser o destino de outra invasão nacional – agora nos negócios. A rede varejista Renner inaugura uma loja na cidade, no shopping Melancia, a primeira fora da Grande Montevidéu.
Desde o fim de 2017, a companhia comandada por José Galló, que faturou R$ 6,6 bilhões no ano passado, deu início à sua expansão internacional com a abertura de três unidades no Uruguai. “Até o fim de maio serão mais duas novas lojas. O resultado está 50% acima do nosso plano inicial de negócios”, afirma Galló. “Em razão de todos os ajustes necessários para uma operação fora do Brasil, ainda estamos em fase de avaliação para chegar a uma conclusão.”
A Renner tem sido cuidadosa em falar do seu passo internacional. Galló quer ter a certeza de que o negócio é operacionalmente viável e lucrativo antes de anunciar outra expansão. “Estamos num período de modelagem do negócio. Não temos outro país em vista no momento”, diz ele. Por isso, o Uruguai foi estrategicamente escolhido. De um lado, a distribuição de classes sociais do país é muito semelhante à brasileira. Do outro, Montevidéu tem um tamanho similar a Porto Alegre, onde está instalada a sede da rede varejista. Isso garante uma proximidade do escritório central e do centro de distribuição, o que facilita o acompanhamento dos executivos e reduz a necessidade de investimentos.
A Renner aportou R$ 20 milhões para cruzar a fronteira. Basicamente, foram feitos ajustes nos sistemas de tecnologia. Mais de 140 processos da operação precisaram ser modificados, para se adequar à legislação, ao câmbio, aos impostos e às demais obrigações aduaneiras de importação e de exportação. “Esse é um excelente teste cultural para a Renner atuar fora do País, porque o Uruguai é geograficamente perto”, diz Alberto Serrentino, fundador da consultoria paulista Varese Retail. “Eles não estariam dobrando a aposta se não estivesse dando resultado. É um aprendizado internacional que, ao se mostrar lucrativo e sustentável, pode ser expandido para outros mercados.”
Ao mesmo tempo em que trabalha com uma nova língua, a Renner gastou muita energia para simplificar os seus processos internos e ganhar competitividade e agilidade. Em 2013, havia mais de quatro mil relatórios armazenados nos computadores da empresa para serem preenchidos. Porém, quase não eram utilizados. Uma consultoria analisou o que era relevante e reduziu para 220 diferentes formulários em todo o grupo. Para ganhar eficiência nas lojas, as etiquetas de segurança de plástico, que precisavam ser removidas pelos balconistas, foram substituídas por selos costurados nas roupas, com um circuito que é queimado e inutilizado. Essa decisão fez com que o tempo de espera na fila dos caixas caísse em 40%. Outro ponto que aumentou a produtividade foi a centralização das atividades administrativas, como pedido de materiais diversos e solicitação de serviços de manutenção.
Anteriormente, cada gerente de loja tinha a obrigação de cuidar da sua operação. Com a padronização do processo e a concentração em um centro na matriz da Renner, os gerentes deixaram de gastar até 30% de seu tempo com esses trabalhos burocráticos. “Eles ficavam menos tempo dedicados às lojas”, diz Galló. “Agora, fazem o que tem de fazer, que é estar perto do cliente e cuidar de toda a operação para a venda.” Cerca de 30 processos, que eram feitos nas lojas, foram concentrados. Atualmente, são realizadas 50 mil solicitações de serviço por mês para a central, com um cumprimento de 98% dentro do prazo solicitado, de acordo com dados da empresa.
O trabalho que a Renner tem realizado internamente está se refletindo nos números da companhia. No ano passado, ela foi a varejista de moda com o maior crescimento da receita em comparação ao ano anterior (confira quadro abaixo). O bom resultado não é recente, tanto que os investidores têm colhido frutos na bolsa de valores. Desde 2014, quando teve início a recessão da economia brasileira, a ação da Renner acumula 226% de valorização ante 66% do Ibovespa. “A Renner, tanto em comparação com o setor como com a bolsa, vem subindo de forma muito consistente nos últimos anos. Mesmo na crise, sofreu menos”, afirma Roberto Indech, analista-chefe da Rico Investimentos. “A gestão Galló é reconhecida pela qualidade operacional, logística e de resultados.”
Para manter esse desempenho, a Renner projeta um investimento de R$ 620 milhões neste ano na abertura de 70 lojas (30 Renner, 15 Camicado e 25 Youcom). É o mesmo número alcançado no ano passado. O plano de Galló é ter um total de 875 lojas em 2021, sendo 450 da Renner. Atualmente, existem 512 de todas as bandeiras. “Vimos a crise como uma oportunidade”, afirma o CEO. Tanto no Brasil, como para dar o primeiro passo no exterior.
Fonte: IstoÉ Dinheiro