Montar um plano de transformação do Carrefour no mundo é uma necessidade, não uma escolha, diz a francesa Marie Cheval, de 43 anos, contratada há cinco meses como diretora executiva para áreas de serviços, clientes e transformação digital do grupo de varejo francês. “A questão para mim não é se é preciso fazer ou não [um plano de transformação], mas como fazer”, afirma.
Numa das áreas mais estratégicas, a digital, há atrasos em certas iniciativas em comparação com concorrentes. No Brasil, a empresa iniciou discretamente, há poucos dias, a venda de alimentos pelo site – um projeto piloto começou no fim do ano passado, mas restrito a 200 bairros da capital paulista.
Chamada no mercado de a “dama do digital” do Carrefour, Marie é um dos braços-direitos do novo CEO mundial, Alexandre Bompard, que há um mês lançou um plano de profunda reformulação, o “Carrefour 2022“. A intenção é investir € 2,8 bilhões em cinco anos na área digital no mundo, seis vezes a soma atual – dentro de um orçamento anual de € 2 bilhões a partir de 2018. O grupo precisa mudar sua estrutura e o braço virtual tem que estar no centro disso. “Precisamos ter novas formas de acesso ao cliente e desenvolver e integrar tecnologias para isso […]. A companhia foi organizada pensando em projetos e formatos globais e completos, mas o digital muda tudo muito rapidamente”, disse a executiva, que esteve a semana passada no Brasil.
A reformulação global passa também por medidas de redução de custos, fechamento de lojas e ações mais agressivas em preço, especialmente na França, onde o Carrefour perde mercado. Outras atitudes envolvem desde a valorização maior de itens regionais até a busca de acordos com outros grupos para ganhar competitividade rapidamente, como os fechados com a chinesa Tencent e com a francesa Fnac Darty.
Em janeiro, uma fatia minoritária do Carrefour foi vendida à Tencent, uma das principais empresas de inovação ao varejo na China, e haverá troca de iniciativas em tecnologia. A Tencent é dona do WeChat, o Whatsapp do mercado chinês. “Percebemos que não vamos vencer essa batalha sozinhos, por isso estamos trabalhando em outros acordos. Pode ser em data [big data], logística, marketing, estamos abertos.” A companhia não quis detalhar as negociações.
No caso da Fnac, a parceria fechada em dezembro prevê a compra conjunta de produtos eletrônicos. Questionada sobre a possibilidade de replicar o acordo no Brasil, Marie diz que não há “projeto dedicado nesse sentido”, mas a empresa “está aberta”.
A executiva entende que um dos caminhos dessa reformulação passa pelo uso mais estratégico das lojas como ferramenta para o site. “Temos que criar facilidades em torno das lojas, porque sem elas você não será nunca um ‘expert’ em comércio eletrônico”. O grupo tem 12 mil pontos de venda no mundo – 634 no Brasil – e sites em 30 países. As vendas atingiram € 88 bilhões em 2017, alta de 2,7%.
De certa forma, é um recado a Amazon e Alibaba, que têm acelerado acordos e aquisições de lojas físicas pensando na necessidade de ter pontos para oferecer um serviço integrado ao consumidor.
A compra no site e retirada do produto na loja, pelo cliente, é um exemplo dessa integração de canais, talvez o mais visível. No Brasil, um teste do serviço foi feito com eletrônicos na “Black Friday” em novembro, em 39 hipermercados. Essa opção de entrega deve começar a ser adotada de forma definitiva nas lojas neste ano – são 145 hipermercados no país. “São Paulo será a primeira praça”, diz Paula Cardoso, CEO do Carrefour soluções financeiras e, desde dezembro, diretora executiva de clientes, serviços e transformação digital.
A forma como Paula deverá coordenar essa área faz parte do movimento de mudanças grupo. A executiva está subordinada ao CEO no país, Noël Prioux, mas terá relação muito próxima com Marie. O objetivo é tornar a estrutura de tomada de decisões menos lenta, algo que, há tempos, é alvo de crítica de analistas estrangeiros.
Além disso, ao definir Paula como a chefe da área digital, o departamento não fica mais abaixo da operação de varejo do Carrefour Brasil, liderada pelo espanhol José Luis Gutierrez. É o que os grandes grupos já têm feito por aqui, como Via Varejo e Magazine Luiza.
No Brasil, o Carrefour tem um histórico com altos e baixos na área digital. Parou de vender on-line em 2012 (enquanto reestruturava seu modelo de lojas físicas) e voltou quatro anos depois, com a oferta de eletrônicos em seu site. Em outubro, iniciou a venda de alimentos pelo aplicativo “Meu Carrefour” em 200 bairros de São Paulo, e começou neste mês a venda de alimentos e bebidas pelo site.
O Valor apurou que, de outubro a dezembro, primeiros três meses de operação do aplicativo, as vendas on-line (de eletrônicos e alimentos) representaram cerca de 5% do total faturado no varejo (excluindo o braço de atacarejo do grupo, o Atacadão). Em 2017, essas vendas representaram pouco mais de 3,5%. No ano passado, o Carrefour Brasil cresceu 7,2%, para R$ 49,6 bilhões em receita.
Segundo dados do balanço da companhia, a área de “tecnologia da informação (TI) e outros” recebeu até setembro pouco menos de R$ 160 milhões em investimentos, um recuo de 13% sobre 2016. O valor representa 12% dos investimentos do grupo no país, enquanto no rival Pão de Açúcar, essa fatia é de 20%, apurou o Valor. Gastos na operação digital envolvem outros departamentos, além de TI.
“Temos tratado neste momento se poderíamos ou não elevar os valores, mas mesmo se não aumentarmos, podemos gastar melhor o que já existe”, afirma Paula.
A companhia tem trabalhado com dados dos usuários de seu cartão de crédito para segmentar perfis de compra e definir promoções no aplicativo, com cerca de 5,8 milhões de consumidores cadastrados.
Perguntada sobre como avalia projetos de outros varejistas, como a recém-lançada loja sem caixa “Amazon Go“, Marie diz que a aplicação isolada de muitas iniciativas “em uma ou outra loja” é algo que não passa pela cabeça do grupo. “Para o Carrefour não interessa testar e mostrar um tipo de ação para fazer os jornalistas irem até lá tirar fotos. O que queremos é estender ações que fazem sentido, como permitir que as pessoas paguem com o nosso aplicativo em cada loja, na França ou no Brasil. É investir no que pode ser replicado.”
Ao comentar as razões pelas quais o grupo demorou em priorizar o digital e atrasos em relação a rivais, Marie se limita a dizer que “a visão de uma estratégia ‘omnichannel’ não era vista como prioritária”, reforçando que não estava na empresa nos últimos anos. “Agora queremos recuperar isso.”
Fonte: Supermercado Moderno