-Durante a marcha das mulheres em 20 de janeiro em Nova Iorque, quem passou pela calçada na avenida Broadway, a uma quadra do Central Park, espichou o olho, virou a cabeça para ler e até parou atraído pelas palavras de ordem exibidas na vitrine em frente aos manequins vestidos com roupas de ginástica da Lululemon.
Cartazes com slogans escritos à mão, no mesmo estilo dos que desfilaram com milhares de manifestantes na marcha, mostraram a adesão da Lululemon à causa dos direitos femininos e de imigrantes e com críticas ácidas ao presidente Donald Trump. O que suscita uma questão: o engajamento mostrado pela Lululemon, líder em seu segmento nos EUA, funciona para qualquer marca e daria certo no Brasil?
“A Lululemon é a marca que melhor cria conexão emocional com o cliente, além disso trabalha muito bem a comunidade do entorno. Os gerentes têm autonomia para trabalhar a loja na região onde está”, pondera José Roberto Resende, empresário, expert em estratégias no varejo e vice-presidente da CDL-POA. “O que no Brasil não se faz, os gerentes não têm muita autonomia e não são treinados para isso”, lamenta Resende, que foi um dos guias da comitiva gaúcha que visitou lojas em Nova Iorque em meados de janeiro, para captar experiências no ponto de venda.
Confira alguns exemplos de engajamento:
No negócio, a marca trabalha com ações ligadas a bem-estar, expõe fotos de clientes que praticam ioga – as lojas promovem sessões da modalidade em espaços abertos – e tem embaixadores que elegem causas sociais e têm apoio da empresa, não financeiro, mas pelo engajamento. O vice-presidente da CDL-POA observa ainda que a Lululemon já atua com público mais descolado e urbano, que tem opinião e com peso forte de mulheres. “Que são mais engajadas. Portanto, as marcas líderes se posicionam pelo seu público”, resume Resende.
Nos Estados Unidos, é cada vez mais corriqueiro ver ícones do varejo e serviços conectarem seus valores a temas sociais e políticos, terreno mais espinhoso. A rede de moda jovem Urban Outfitters, por exemplo, fez campanha anti-Trump. Já a inglesa H&M (Hennes et Mauritz) acabou sendo torpedeada por blogueiros em campanha recente que usava uma criança negra com um slogan citando macaco. A H&M retirou a campanha do ar na internet e pediu desculpas.
Marcas e seus donos
No Brasil, um exemplo recente é o do dono da Havan, que anunciou esta semana que instalará lojas e pequenas usinas hidrelétrica no Rio Grande do Sul com aporte de quase R$ 2 bilhões, Luciano Hang. O empresário promoveu, em 25 de janeiro, uma sessão de explosão de fogos de artifício em Brusque (SC), sede da rede. A razão? “Às 13h em ponto, vou soltar 13 minutos de fogos em comemoração à decisão unânime do TRF-4 condenando um dos maiores mentirosos da nossa história”, disse Hang, em vídeo postado em seu perfil no Facebook um dia antes, referindo-se ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O vídeo soma mais de 1,6 milhão de visualizações e quase 30 mil compartilhamentos. Outro detalhe: a sessão de 13 minutos foi transmitida ao vivo e tem até agora que 1 milhão de visualizações. Hang garante que não é candidato em eleições.
Com o anúncio de que vai instalar filiais em solo gaúcho ainda este ano – depois de, segundo ele, tentar por quase 20 anos, o empresário postou na rede social da Havan uma imagem com a estátua da Liberdade (que costuma ser colocada em frente aos estabelecimentos) e a do Laçador, ícone da cultura regional rio-grandense.
Resende analisa a conduta de Hang e de outros empresários. O dono das Lojas Riachuelo, Flavio Rocha – este sim já cotado para ser candidato a presidente, mas que recuou -, e detecta uma retomada desse tipo de engajamento. A fundadora do Magazine Luiza, Luiza Trajano, protagonizou uma adesão ao governo da então presidente Dilma Rousseff, quase assumiu como ministra da micro e pequena empresa, mas recuou no auge da campanha do impeachment.
“Empresários haviam se afastado de se posicionar politicamente, mas agora eles descobriram que, se não ocuparem o espaço, alguém vai ocupar. O isolamento acabou gerando ausência de líder”, constata o dirigente de varejo.
Mas nem todos vestem as camisetas de um lado só. No Rio Grande do Sul, há exemplos clássicos de marcas que patrocinam os times do Grêmio e Inter ao mesmo tempo para não comprarem briga com metade dos gaúchos. “É aquela história: pode angariar muitos seguidores, mas perder muitos clientes”, justifica Resende.
Reserva fez do limão uma limonada
Fabiano Zortéa, consultor do Sebrae-RS que coordenou o grupo de empresários de lojas e serviços que foi a Nova Iorque, reforça que a regra básica é a marca já ter uma comunicação muito clara com seu público. “Funciona muito bem aqui (Brasil) e lá (Estados Unidos). A diferença é que os varejistas norte-americanos sabem muito bem contar as histórias das marcas para ter engajamento. O varejo brasileiro precisa avançar nisto”, diferencia Zortéa. “Abordagens com temas político-culturais funcionam bem independentemente do lugar”, defende.
Outro exemplo brasileiro citado pelo consultor é o da Reserva, do segmento de vestuário jovem. “A marca sabe bem o que quer vender e a mensagem que quer passar”, atenta Zortéa. O posicionamento é tão bem resolvido que a grife transformou “limão em limonada” ao aproveitar um episódio que seria mais um entre tantos casos de violência e insegurança em uma grande cidade. O consultor recorda o que os donos fizeram após uma das lojas nos Jardins, um dos bairros de classe alta de São Paulo, ser arrombada em dezembro de 2012.
“A marca pegou as cenas das câmeras que filmaram a ação dos assaltante dentro da loja e fez uma campanha”, pontua o especialista. “Eles lançaram um vídeo no YouTube com as imagens dos caras arrebentando a vitrine, derrubando manequins e levando as roupas para fora onde abarrotaram o carro da fuga, mescladas a anúncios de peças, e avisaram no teaser final do vídeo de 1min15seg: ‘E corra porque tem gente fazendo loucuras pela Reserva’. Claro que viralizou!”, conclui o consultor.
> Assista ao vídeo da Reserva com a campanha criada após o assalto:
Causa virou tendência
Resende aponta como uma tendência crescente a adesão a causas, das mais variadas. “O supermercados Whole Foods, com foco em alimentos orgânicos, é a vida saudável. O gigante Walmart que tinha como slogan o menor preço, ou seja, o custo, agora prega pagar bem seus funcionários e valorizar as equipes. É uma mudança radical”, destaca Resende. Durante a NRF 2018, maior feira de varejo do mundo, em Nova Iorque, o CEO da rede, Doug McMillon chegou a fazer um apelo para que outros varejistas remunerassem bem seus empregados.
Mesmo no caso da Urban Outfitters, Zortéa explica que é claro o conhecimento e a relação estabelecidos com seu público, formado por jovens e com cabeça mais aberta e que não foi o que elegeu Trump. “A diferença lá (EUA) é que as redes estão bem na frente da gente na hora de contar a história da marca, o que deixa mais clara a mensagem, que aqui pode ficar mais confusa se o cliente não tiver entendido o propósito da ação”, adverte o consultor do Sebrae-RS.