Os hábitos de consumo estão mudando. Foi-se o tempo em que as marcas podiam contar com uma grande massa de consumidores com comportamentos homogêneos, uma classe média que usualmente comprava produtos famosos de maior apelo em grandes redes de supermercados. Definitivamente, fazer marketing era mais fácil: despejava-se um caminhão de dinheiro em propaganda e garantia-se a distribuição nas grandes redes. Hoje essa fórmula já não é mais sinônimo de sucesso.
Está em curso um claro movimento de migração para os dois extremos do espectro de valor. De um lado, consumidores que buscam value for money e, no outro extremo, os que priorizam qualidade e diferenciação. Com isso, marcas sem clara diferenciação, que se posicionam no centro desse espectro de valor, saem perdendo — ainda que possuam apelo.
Em um relatório recente, a consultoria PWC identifica dois novos grupos de consumidores que emergem nesse cenário: os sobrevivencionistas (survivalists, no original em inglês) e os selecionistas.
Os sobrevivencionistas estão cortando custos e buscando valor em cadeias de varejo especializadas. Isso explica o crescimento de redes como Aldi, Lidl e TJ Maxx no exterior e dos atacarejos por aqui. Os selecionistas, por sua vez, se permitem “selecionar” produtos que percebem como de melhor qualidade.
O mercado de cervejas é outro bom exemplo desse movimento. Grandes players de amplo apelo como a Ambev estão sofrendo pressão tanto daqueles que hoje optam por marcas mais baratas, quanto dos que têm migrado para cervejas consideradas especiais ou artesanais. Assim, perde market share e vê suas receitas diminuírem em quase 10% em 2016. Em contrapartida, o mercado de cervejas artesanais cresce de 30% a 40% por ano no Brasil, segundo algumas estimativas.
Outro exemplo atinge as grandes redes do varejo de alimentos. Os consumidores que buscam mais valor impulsionam o crescimento dos atacarejos, que em 2016 cresceram 14%, apesar da crise. Enquanto isso, elas encaram uma magra previsão de crescimento de apenas 1,4% em 2017, segundo a sua associação, a Abras.
Esse é um movimento global. Nos Estados Unidos, os supermercados têm perdido market share com seus clientes mais sensíveis a preço migrando para os warehouse clubs, como Costco e Sam’s Club, e dollar stores, como a Dollar General; já seus clientes que buscam conveniência migram para lojas do ramo e e-commerces como Amazon Fresh e Fresh Direct.
Assim, enquanto marcas associadas ao mainstream, mas sem uma proposta de valor clara, perdem mercado, outras, de nicho e com promessas claras e autênticas, ganham força. Para manter a competitividade, grandes empresas de bens de consumo têm adotado uma estratégia clara de aquisição de marcas menores com rápido crescimento. Aqui no Brasil, a marca de sucos Do Bem tem uma proposição clara de bom humor com saúde. Chamou a atenção e foi comprada pela Ambev. Lá fora, no Reino Unido, a Innocent, sósia original da Do Bem, com posicionamento muito parecido, foi abocanhada pela gigante Coca-Cola. Vários outros exemplos reforçam essa tendência: a Body Shop comprada pela L’Oréal e recentemente pela Natura; os sorvetes Ben&Jerry’s comprados pela Unilever; e a cerveja Colorado, também adquirida pela Ambev.
Será que as grandes empresas de bens de consumo têm dificuldade de criar marcas autênticas, com clara proposição de valor? Ao que parece, somente isso explica o fato de terem de comprar marcas menores antes que cresçam e se tornem ameaças maiores.
Fonte: Meio e Mensagem