A marca de cerveja é a mais valiosa do País pelo quinto ano consecutivo. Para se manter na ponta, ela decidiu rejeitar o senso comum, mudar de postura e se posicionar como um agente de mudanças na sociedade brasileira
Por trás do sucesso da marca, que atingiu um valor de US$ 8,146 bilhões no ano passado, há mais do que a simples capacidade de observar o comportamento dos cidadãos. “Nosso posicionamento é o reflexo de um conjunto de valores definidos pela empresa”, diz Albuquerque. E esses valores, afirma a executiva, não espelham, apenas, padrões de comportamento ou aquilo que a sociedade pensa. O que a Skol quer é propor o debate, influenciar o futuro e moldar o comportamento do consumidor. Não basta saber quem é o brasileiro. É preciso definir quem ele será e para onde ele vai. “É uma responsabilidade muito grande”, afirma a diretora.
É por isso que, há cerca de três anos, a Ambev, dona da Skol, decidiu ir contra o senso comum no mercado cervejeiro. A lógica publicitária no setor, que vigora até hoje, por sinal, era a de associar o consumo da bebida a um estilo de vida exclusivamente masculino. Na verdade, é possível dizer, sem grande margem de erro, que a publicidade relacionada à cerveja era (e ainda é em alguns casos) extremamente machista. “A mulher só aparecia servindo ao homem”, diz Albuquerque.
O enredo das propagandas, em quase todas as marcas, nunca mudava: um bar, uma praia, uma garrafa suada e garotas seminuas. O argumento de quem defende esse tipo de abordagem é puramente empírico: é disso que as pessoas gostam. De fato, o Brasil é um país machista, o que é comprovado por diversos números. As mulheres ganham, em média, 30% a menos do que os homens, segundo dados do IBGE. Apesar de terem um nível de escolaridade superior ao dos homens, elas ocupam apenas 3% dos cargos de CEO entre as 265 maiores empresas de capital aberto no País.
Essa é a realidade, nua e crua. Mas é isso que a sociedade brasileira almeja? “Não”, diz, categoricamente, a diretora da marca Skol. “A mulher está buscando seu espaço e elas são, assim como os homens, consumidoras de cerveja. Portanto, nosso público-alvo.” A Skol não usa mais mulheres em posição serviçal em sua publicidade. A temática das propagandas passou a ser relacionada com a juventude e a diversidade. “Redondo é sair do seu quadrado”, atesta o slogan da cerveja.
Em vez de explorar o erotismo barato, a marca convida o consumidor a não ter medo do diferente, a celebrar o novo, o inusitado, e a ser feliz, do seu jeito. Ela também busca se associar a eventos culturais, como shows de música, e, mais recentemente, lançou uma campanha focada no público da terceira idade. “Cabeça jovem combina com qualquer corpo, mesmo que ela esteja cheia de cabelos brancos”, diz a peça publicitária. A nova abordagem é corajosa. Afinal, trata-se, também, de um posicionamento político, ainda que apartidário.
Com o País altamente polarizado, o risco é alto e, como era de se esperar, apareceram alguns percalços no caminho. Uma campanha da cervejaria no carnaval pedia aos consumidores para “deixarem o não em casa”. A frase não pegou bem entre as mulheres, que a entenderam como um convite ao assédio. Prontamente, o anúncio foi retirado. Esse diálogo, diz a diretora, é natural e erros fazem parte do processo de construção da confiança. “Hoje, as marcas precisam se posicionar”, afirma Albuquerque. “Ainda mais com as redes sociais.”
Mesmo com as dificuldades, ao que parece, a estratégia está funcionando muito bem. A Skol vale quase o dobro da segunda colocada no ranking, a marca Bradesco, que cresceu 131%, subiu quatro degraus e atingiu um valor de US$ 4,438 bilhões (veja quadro “As 60 mais valiosas”). O novo posicionamento da Skol atinge um ponto nevrálgico da sociedade brasileira. A crise econômica dos últimos anos, aliada aos escândalos de corrupção, afetou a autoestima do cidadão.
O País do futuro está mais pessimista e o brasileiro, envergonhado com a situação da nação. É o que mostra o estudo Sonho Brasileiro, realizado pela Kantar Vermeer. A decepção com os aspectos políticos e econômicos tem gerado uma percepção de maior desonestidade e de falta de franqueza. Quando questionados sobre qual seria a característica mais marcante do Brasil, se o País fosse uma pessoa, 63% dos 500 entrevistados das classes A, B e C no País cravaram: desonesto.
Entre as características menos associadas ao Brasil estavam franco, assertivo, cuidadoso e sábio. “É um aspecto importante, que mostra como o brasileiro sentiu a crise”, afirma Eduardo Tomiya, CEO da Kantar Vermeer na América Latina. Não por acaso, 22% dos entrevistados colocam o Canadá como o lugar ideal para se morar. Nessa lista, o Brasil aparece apenas em quarto lugar, atrás, ainda, do Japão e dos Estados Unidos. Na primeira edição da pesquisa, em 2014, o Brasil era o lugar ideal para 29% das pessoas, figurando na primeira posição.
A título de comparação, entre os chineses, 42% preferem morar no próprio país. Nos Estados Unidos, o porcentual é de 50%. Agora, como em qualquer crise, nem tudo é má notícia. O brasileiro ainda sonha com o futuro e com a melhoria na qualidade de vida. Mas sonho está um pouco diferente (veja a tabela “Aspirações do País do Futuro”). A casa própria não é mais prioridade, como era há três anos para 59% dos pesquisados.
A segurança financeira, hoje, é a principal preocupação (52%), seguida da boa vida para a família (51%), da casa própria, agora na terceira posição (48%), e de ser saudável (47%). “Isso indica uma mudança de valores na sociedade, com a questão da família ganhando importância”, diz Tomiya. As marcas que conseguiram capturar essa transformação foram as que se deram melhor no ano passado. Em especial, as que conseguiram construir uma relação de confiança com os consumidores.
O BRASIL QUE CONFIA É essa relação que explica, segundo Tomiya, o bom desempenho do setor financeiro no ranking. Bradesco, Itaú e BTG Pactual, por exemplo, estão entre as que mais cresceram no ano passado. Em parte, a desvalorização do dólar frente ao real teve um grande papel no valor das marcas. Mas, principalmente, foi a expectativa de retomada da economia que deu aos bancos uma posição de destaque. “As pessoas estão voltando a consumir”, diz Tomiya.
Ao se posicionarem como um facilitador entre o planejamento e a conquista do objetivo, as instituições financeiras ganham a confiança do cidadão. O caso do BTG Pactual é emblemático. O banco superou o baque da prisão temporária do controlador André Esteves pela Lava Jato, em novembro de 2015, e conseguiu se posicionar como uma alternativa segura para os investidores graças a uma campanha educativa sobre como tirar proveito do mercado financeiro.
Para isso, a empresa lançou um banco totalmente online, que facilita o processo de investimento. De 2016 a 2017, a marca se valorizou 106%, chegando a US$ 248 milhões. Essa mesma lógica da confiança pode ser aplicada ao varejo, outro setor que teve um comportamento notável no ranking. Líder do varejo de moda brasileiro, a Renner foi a marca que mais cresceu em valor no ano passado: 168%, para US$ 684 milhões. A capacidade de entregar o que promete é apontada por José Galló, presidente da companhia, como o grande diferencial.
“O consumidor sabe o que vai encontrar nas nossas lojas e é bem tratado”, diz ele. Em um setor constantemente afetado por escândalos de trabalho escravo, que mancharam a reputação de marcas como Zara e Restoque, a Renner investiu em um programa de melhorias contínuas dos fornecedores. A empresa fez do chamado fast fashion, modelo de negócios que preconiza a renovação constante das coleções, não apenas fast, ou rápido, mas também um meio para alcançar uma maior qualidade dos produtos. “Ser rápido significa ser mais assertivo e desperdiçar menos”, diz Galló.
Para isso, a equipe de criação da Renner se preocupa não apenas com as últimas tendências de cores e cortes das roupas, mas também com o uso de novos materiais, em parceria com os fornecedores. “Isso é ser sustentável”, afirma. Um outro aspecto é o atendimento. Na Raia Drogasil, é isso que vem garantindo o crescimento. Suas duas marcas, Raia e Drogasil, também estão entre as que mais cresceram no ano passado, 125% e 122%, respectivamente. “A pessoas vão à farmácia em busca de beleza e saúde”, afirma Marcilio Pousada, presidente da Raia Drogasil.
Mais do que um vendedor, o farmacêutico é um agente de saúde, geralmente com curso superior e altamente qualificado. Para manter o nível alto de atendimento, a empresa realiza 15 treinamentos com cada funcionário, a cada dois anos. “Há 40 anos que todos os nossos gerentes de loja são formados dentro da empresa”, afirma Pousada. O sucesso da rede de farmácias também tem relação com a preocupação dos brasileiros com a saúde.
Para Tomiya, da Kantar Vermeer, isso fica ainda mais claro quando se analisa a força de marcas como Dorflex, analgésico e relaxante muscular da farmacêutica Sanofi, que está entre as 20 mais fortes (veja o ranking aqui). “Muitos fabricantes de medicamentos estão fazendo incursões no mercado de bens de consumo”, diz Tomiya. Agora, se ganhar a confiança do consumidor foi a estratégia adotada por boa parte das marcas mais valiosas do País, para uma empresa em particular, a Kroton, o pulo do gato foi fazer o mesmo caminho, só que no sentido inverso.
Dona da rede de faculdades Anhanguera, ela decidiu dar um voto de confiança aos seus alunos no momento da crise. Sem dinheiro, o governo cortou drasticamente o financiamento estudantil, que garantia boa parte das receitas. A empresa lançou o próprio financiamento. “Não ficamos rodeando o assunto. Nossos alunos tinham um problema, trabalhamos para resolvê-lo”, afirma Guilherme Franco, vice-presidente de marketing e vendas da Kroton.
“Sabíamos que o estudo criaria um círculo virtuoso, no qual o aluno conquistaria o emprego e teria condições de arcar com os custos do ensino.” Foi uma tacada certeira. A carteira da empresa já conta com R$ 400 milhões em recebíveis. Nos próximos três anos, a meta é chegar a R$ 1 bilhão. Enquanto isso, o valor da marca cresceu 138%, para US$ 333 milhões.
NOVOS ENTRANTES A pesquisa deste ano traz duas novidades. O ranking agora conta com 60 marcas, e não 50, como anteriormente. Uma mudança na metodologia também permitiu incluir marcas de companhias que não possuem capital aberto, como Ypê, Caixa, Globo, SBT, Ypióca, Tigre e Bauducco, entre outras. “A América Latina possui muitos casos de marcas fortes de empresas fechadas”, justifica Tomiya. Também é o caso da Suvinil, que, pela primeira vez, figura entre as mais valiosas.
Segundo Marcos Alleman, vice-presidente de tintas imobiliárias da Basf, dona da marca, a inovação e o respeito ao consumidor garantem o sucesso da marca. No caso das tintas, é preciso, ainda, agradar a dois tipos de cliente: o que compra a tinta e o pintor. “Se o profissional não gosta do produto, vai recomendar outro”, diz Alleman. A empresa mantém um banco de dados com mais de cinco mil prestadores de serviço cadastrados, justamente, para facilitar esse relacionamento.
Recentemente, ela também lançou um e-commerce. Pelo site, é possível escolher a cor e encomendar as latas. Quem também estreou na lista foi a Netshoes. Criada há 17 anos, a empresa inaugurou um segmento no País, o varejo online de roupas e artigos esportivos, transformando-se em uma referência. O desafio da empresa em relação à confiança foi ainda maior, por se tratar de um modelo de negócios novo. “Estamos construindo nossa marca desde o começo”, afirma Gabriela Platinetty, diretora de marketing da Netshoes. Assim como a Skol, a empresa se posiciona a favor de um estilo de vida, no seu caso ligado à saúde e bem estar.
Ao mesmo tempo, mantém uma operação afinada, para não dar chance de erros, que prejudicariam a construção da sua reputação, fundamental no comércio eletrônico. Para Platinetty, o segredo da construção de uma marca valiosa é justamente esse: defina os valores de sua empresa, posicione-se no mercado e na sociedade, tenha uma operação sem erros e transparente e, em 17 anos, terá uma marca tão valiosa quanto as 60 listadas no ranking da DINHEIRO. Siga o sonho dos consumidores e pronto. Não é simples?
Como é feito o ranking
Por Eduardo Tomiya
Esta 11ª edição do ranking As Marcas Mais Valiosas traz uma novidade. Além de empresas de capital aberto, passamos a avaliar também empresas de capital fechado, utilizando múltiplos de mercado de Valor do Negócio e Intangíveis em relação a Receita de Vendas ou EBITDA, (dependendo da disponibilidade de informações financeiras públicas, para valorar as empresas detentoras das marcas mais valiosas. Com este novo critério, o universo de marcas avaliadas neste ano foi de 320 para se chegar às 60 mais valiosas.
Avaliamos as marcas brasileiras mais valiosas considerando duas importantes dimensões: financeira e performance em imagem. Na dimensão financeira, consideramos o valor do negócio da empresa e o valor dos seus intangíveis, onde reside a marca. Em performance de imagem entende-se a influência da marca no processo de decisão dos consumidores e investidores. A fonte primária é o estudo BrandZ, pesquisa de mercado conduzida pela Kantar Millward Brown, que em 2017 englobou no Brasil 33 categorias, 500 marcas e 13.200 entrevistas. O valor é o resultado da multiplicação do valor dos intangíveis pela performance em imagem.
No ranking das Marcas Mais Fortes do Brasil classificamos as marcas com base no seu Brand Equity, ou seja, a força da marca na mente dos consumidores. São consideradas três dimensões: Performance de Imagem (contribuição da marca no processo de decisão dos consumidores), Power (qual a demanda atual da marca) e Premium (qual o prêmio de preço que a marca possui). Nesse ranking, entram marcas brasileiras e internacionais.
Fonte: Istoé Dinheiro