Defendida pelo varejo e dentro do pacote de reformas anunciadas pelo governo Temer no final do ano passado, a redução do prazo de repasse dos cartões aos lojistas vem gerando polêmica entre especialistas. Enquanto alguns dizem que ela ajudaria na geração de caixa das varejistas, outros sinalizam para um aumento de custos e uma concentração maior no setor financeiro.
Atualmente, os recursos das vendas dos cartões de crédito são repassados aos comerciantes em média em 30 dias (prazo similar ao que os consumidores têm para pagar as administradoras). A intenção da mudança é diminuir gradualmente esse tempo, podendo chegar a dois dias – como já ocorre em países como os Estados Unidos.
“Quando o lojista fala em receber em dois dias, ele tem que lembrar que o consumidor paga em um prazo muito maior. Para que o comerciante receba em um tempo mais curto, de duas uma: ou a instituição financeira vai precisar se financiar para poder antecipar esse dinheiro, e aí as credenciadoras e os bancos menores não conseguirão ficar no mercado, ou a conta será jogada para os consumidores”, diz o diretor da consultoria Microanalysis, Cleveland Prates.
De acordo com ele, a tendência, caso a mudança seja implementada pelo Banco Central, é que apenas os grandes bancos fiquem no mercado, gerando uma maior concentração no setor, e que mesmo assim essas instituições compensem o aumento de custo em outras taxas. “Muito provavelmente os bancos compensariam em outras tarifas e em outras relações que eles têm com os comerciantes e usuários de cartões”, diz.
O sócio-diretor da consultoria Enéas Pestana & Associados, Enéas Pestana, também mostra receio a respeito da modificação. “Existe hoje mecanismos amplos de antecipação de recebíveis, e cabe ao varejista tomar a decisão se quer antecipar, quanto quer antecipar, e negociar a taxa com a instituição. Na medida em que isso se tornar automático, a grande questão será a qual custo? Porque se o banco vai receber em 30 dias do consumidor e vai pagar para a varejista em dois, alguém vai bancar esse custo”, afirma o executivo, que por três anos foi CEO do Grupo Pão de Açúcar (GPA).
Assim como Prates, ele também acredita que esse custo a mais que os bancos teriam poderia gerar um aumento em outras tarifas e nas taxas de juros.
Do outro lado
O economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fabio Bentes, admite que a mudança poderia gerar um aumento de outras tarifas, mas aponta que ela não acarretaria em um “encarecimento do crédito”. Em relação aos benefícios para o varejo, ele afirma que a mudança diminuiria a necessidade dos lojistas de tomar empréstimos – já que reforçaria o caixa das empresas -, além de facilitar o planejamento e administração do fluxo de caixa. “No momento de crise, em que as companhias não têm capital de giro disponível, é ainda mais importante essa mudança.”
O presidente da Sociedade Brasileiro do Varejo e Consumo (SBVC), Eduardo Terra, exemplifica de forma clara como a redução contribuiria para o setor: “Imagina que um varejista compra um produto de um fornecedor, e que ele fica 30 dias parado em estoque. Depois da venda, o lojista tem que esperar mais 30 dias para receber da administradora [de cartões], mas já teve que pagar para o fornecedor. Nesse tempo entre a data que ele pagou para o fornecedor e a que ele recebeu de fato ele teve que se financiar. Trazendo o prazo de recebimento para baixo aliviaria muito o caixa das empresas do varejo e diminuiria a necessidade delas de tomar empréstimos”, diz.
O consultor independente e membro do conselho administrativo do Lopes Supermercados e da Bombril, Sandro Benelli, acrescenta que um ponto que acentua ainda mais a necessidade de diminuir o prazo de repasse dos cartões para os lojistas é o fato de que com a recessão muitas empresas do ramo não estão conseguindo pegar capital no mercado, apesar de necessitarem. “Esse dinheiro a mais que viria com a modificação seria a única fonte de caixa disponível para elas atualmente”, explica.
Pestana, da Enéas Pestana & Associados, afirma que para uma varejista que está em uma situação difícil a mudança de fato seria positiva. “Hoje em dia tem muitos lojistas que não conseguem antecipar o recebível. Porque como isso depende de linha de crédito, se a varejista já consumiu sua linha ela terá dificuldade. Para essa empresa a mudança seria positiva. Por outro lado, para a varejista que não está nessa situação, e que pode optar pela melhor negociação, a medida não traria ganho algum, com risco de impor um custo adicional, via tarifa, que seja inclusive maior.”
Menor concorrência
A despeito de considerar a redução do prazo de extrema importância no momento atual, Terra, da SBVC, sinaliza para um dos principais aspectos críticos da mudança: a maior concentração que causaria. “A medida beneficia o varejo no curto prazo, nesse momento de crise, mas realmente ela pode acabar diminuindo a quantidade de novos entrantes no mercado de cartões”, afirma. Segundo ele, isso seria negativo porque uma maior concorrência acaba gerando redução de custos.
O tema, que ganhou os holofotes em dezembro do ano passado, ainda deve gerar discussões intensas e, na visão dos especialistas, uma decisão definitiva pode demorar. “A minha impressão, olhando o perfil do presidente e de outros atores que estão lá [no Banco Central], é que o assunto será discutido de forma mais aprofundada a partir de agora e que nenhuma decisão será tomada de forma precipitada”, afirma Prates.
O presidente da SBVC compartilha de opinião similar: “Estamos em fase de discussão, então é difícil dizer se será ou não implementado. São dois setores muito fortes, e cada um está defendendo seus interesses.”
Fonte: Varejista