Lugar para trocar mercadorias. Esse é o significado de maembipe, utilizado pelos índios tupinambás para designar a atual Ilhabela (SP), local neutro escolhido para negociação entre diferentes tribos antes da colonização portuguesa. Hoje, a palavra poderia ser aplicada aos shopping centers, espaços onde consumidores trocam dinheiro por produtos e serviços. Mas apesar do termo em inglês designar esses centros de compra, no Brasil a influência cultural indígena resiste – e se faz presente em muitos dos nome escolhidos para batizar esses empreendimentos.
Itaquera, Tatuapé, Carioca, Tamboré, Jequitibá, Manaíra, Jaracati… Por trás dessas palavras, há séculos de história e significados pouco explorados.
Estima-se que, quando os portugueses chegaram ao Brasil, em 1500, cerca de dez milhões de indígenas habitavam o território. As milhares de etnias falavam cerca de 1,3 mil idiomas diferentes, dos quais apenas 180 sobrevivem até hoje. O número de brasileiros que se consideram indígenas minguou para 817 mil, segundo o censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geograria e Estatística (IBGE). Parte disso se deve ao processo de aculturação e dominação portuguesa. Mas não é só isso.
A integração com os indígenas foi essencial para a colonização. Idioma dos tupinambás, o tupi era a língua predominante em boa parte da costa atlântica. Minoria no território, a partir do século 16 os portugueses aprenderam essa língua, que se generalizou e passou a ser falada por quase toda a população. “A partir do contato do português com o tupi, formaram-se as línguas gerais amazônica e paulista”, explica Eduardo de Almeida Navarro, professor do departamento de letras clássicas e vernáculas da Universidade de São Paulo (USP) e autor o livro “Método Moderno do Tupi Antigo”.
A língua geral amazônica, conhecida como nhegatu, é fruto das missões dos jesuítas no norte do País com o objetivo de catequizar os índios. Ainda hoje, o nhegatu é falado na região do Rio Negro. Já a língua geral paulista foi difundida pelos bandeirantes – filhos de portugueses e indígenas que desbravaram o Brasil a partir de São Paulo em busca de riquezas. O resultado é a forte influência tupi na toponímia brasileira, parte da linguística responsável pelo estudo do nome de lugares. Os bandeirantes batizaram locais onde sequer havia a presença de tupinambás, como Goiás (lugar de gente igual) e Paraná (de onde se avista o mar), além de difundir o uso de termos corriqueiros, como “caçula” ou “arapuca”. Isso também justifica o nome de bairros (Anhangabaú, Ibirapuera, M’Boi Mirim) e cidades (Carapicuíba, Araraquara, Indaiatuba) paulistas.
“O português só vai se impor como língua nacional no século 19. Na Amazônia, por exemplo, o idioma só se propagou com o ciclo da borracha, no início do século 20”, explica Navarro. Usado por africanos vindos de diferentes tribos, levas de imigrantes europeus rumo ao Sul e Sudeste do País e migrantes nordestinos para o interior da Amazônia, o português enfim se consolidou como idioma nacional, mas não apaga as marcas do que já foi a língua mais falada pelos brasileiros.
A revista Shopping Centers fez uma seleção de empreendimentos com nomes de origem indígena e explica o significado deles. Veja a seguir:
Catuaí Shopping – Londrina e Maringá (PR)
Em tupi, a palavra catuaí significa ótimo ou muito bom, e dá nome a um grão de café típico da região norte do Paraná. A cultura do café foi importantíssima para o desenvolvimento local, atraiu colonizadores e investidores, e foi ao redor dos cafezais que se construíram os primeiros comércios. Desde então, Londrina e Maringá fazem parte da rota do café e o grão se tornou símbolo da região. Por isso, essa marca foi devidamente escolhida para batizar shopping centers nas duas cidades. Inaugurado em 1990, o Catuaí Shopping Londrina tem 299 lojas e um público médio mensal de um milhão de pessoas por mês. Já a unidade de Maringá foi aberta em 2010 e tem 189 estabelecimentos. O grão de nome indígena está na logomarca dos empreendimentos e alguns restaurantes do Catuaí participam de um festival gastronômico cujo ingrediente central é o café.
Buriti Shopping – Aparecida de Goiânia (GO)
Nativo do Centro-Oeste brasileiro, durante muitos anos o buriti foi o principal meio de sustento de povos indígenas em algumas regiões. Conhecida entre os índios como a árvore da vida, a sobrevivência das tribos dependia da palmeira da qual aproveitavam tudo: fruto, polpa, folhas, talos, tronco etc. Em tupi, a palavra buriti quer dizer aquele que contém água. Isso porque a árvore é a grande anunciadora de oásis no cerrado. Sua presença indica áreas mais úmidas ou inundadas, já que é encontrada em baixas altitudes, como margens de rios, córregos, lagos, lagoas e margeando nascentes.
Além da exuberância da palmeira, o nome foi escolhido para batizar o shopping de Aparecida de Goiânia (GO) após uma pesquisa sobre seu significado e também por ser típica da região, o que proporciona identificação com o público goiano. O Buriti Shopping foi inaugurado em 1996 e hoje é o segundo maior do Estado, recebendo um público mensal de 70 pessoas por dia, que circulam por mais de 200 lojas. Atualmente, a marca nomeia empreendimentos em Guaratinguetá e Mogi Guaçu (SP), já em funcionamento, além de centros de compras em implementação em Rio Verde (GO) e Ribeirão Preto (SP).
Araguaia Shopping – Goiânia
Um dos principais rios brasileiros, o Araguaia nasce na Serra do Caiapó e seu nome significa rio das araras vermelhas no idioma tupi. Símbolo da região Centro-Oeste, é um dos principais pontos turísticos do Estado de Goiás. Em seu leito, formam-se bancos de areia e ilhas fluviais, como a do Bananal. Por isso, em 2011 a BRMalls escolheu esse nome para o primeiro shopping do Brasil integrado a um terminal rodoviário interestadual. O empreendimento localizado em Goiânia tem 140 lojas e recebe 1,2 milhão de pessoas por mês – muitos deles turistas que estão de passagem pelo local.
Shopping Ibirapuera – São Paulo
Árvore podre, cepo ou aquilo que foi árvore. Esse é o significado de ybyrá-puera, palavra em tupi que nomeia o parque mais famoso de São Paulo – inaugurado em 1954 em uma área alagadiça onde séculos atrás existia uma aldeia. Mas o sentido do termo não foi o que determinou sua escolha para o empreendimento de mesmo nome. Inaugurado em 1976, o Shopping Ibirapuera faz menção à avenida onde está localizado. Cerca de 80 mil pessoas circulam por seus corredores, onde ficam mais de 400 lojas. Curiosamente, o centro de compras fica em um bairro paulistano que, como muitos outros, também tem nome indígena. Moema seria o veneno utilizado por índios em suas flechas, mas o sentido da palavra foi modificado no poema “Caramuru”, de Santa Rita Durão, onde ganharia o significado de doçura.
Manauara Shopping – Manaus
Diversos povos indígenas habitavam entre os rios Negro e Solimões até o século 16, quando os colonizadores portugueses aportaram no Amazonas e criaram o Forte de São José da Barra, com o objetivo de explorar a região. Muitos combates foram travados, mas ainda assim um século depois havia ao menos dez mil índios da tribo manaós, de origem aruaque, que significa mãe dos deuses. Em 1833, esse é o nome escolhido para dar nome à vila de São José do Rio Negro e, apesar de os nascidos em Manaus poderem ser chamados de manauenses, boa parte prefere a variação indígena, que é manauara.
O gentílico foi escolhido para dar nome ao shopping inaugurado em 2009 pela Sonae Sierra Brasil, que pesquisou algo que estivesse diretamente relacionado à identidade da cidade. Além do nome, o Manauara Shopping também preza por uma arquitetura que valoriza a cultura e as belezas naturais da região. Isso está presente nas cores, programação visual, luminárias de palha, chão com mosaicos de pinturas rupestres e nos pisos com nomes de árvores locais, como castanheira, tucumã, açaí e buriti.
Cariri Garden Shopping – Juazeiro do Norte (CE)
Em todo sertão nordestino, diversos povos indígenas falavam idiomas semelhantes, pertencentes à família de línguas cariri – nome também utilizado por algumas etnias para se autodenominar. Por conta da forte presença desses índios, a região ficou conhecida como Cariri. No Sul do Ceará, mais de 60 municípios compõem esse território, que também abrange áreas de Pernambuco, Paraíba e Piauí.
Conhecida como Região Metropolitana do Cariri, a área tem mais de 450 mil habitantes. Crato, Barbalha e Juazeiro do Norte são as principais cidades, sendo essa última um importante destino do turismo religioso brasileiro, onde fiéis reverenciam o mítico Padre Cícero. Em 1997, empreendedores locais inauguraram nesse município o Cariri Garden Shopping, primeiro do interior cearense e que homenageia a região onde está instalado. Atualmente o centro comercial é administrado pela incorporadora Tenco.