Uma comunidade com 100 mil habitantes, dos quais 31% são jovens, renda média de chefe de família de três salários mínimos e 8 mil estabelecimentos comerciais atraiu a atenção de Neil Bluhm, um dos maiores investidores imobiliários dos Estados Unidos.
A Lamb Partners, gestora de investimentos da família Bluhm, e a Exxpon, a sua sócia no Brasil, devem ter a documentação pronta até o final do ano para começar a erguer um shopping center no coração de Paraisópolis, a segunda maior favela de São Paulo.
O grupo deve investir perto de R$ 40 milhões para construir, em 18 meses, um empreendimento capaz de abrigar um misto de lojas, restaurantes, empresas de serviços, escolas de inglês, clínicas médicas e espaço cultural para atender o público da comunidade.
O centro comercial, que fica na Rua Manuel Antonio Pinto, esquina com a Rua Ernest Renan, está em gestação há cerca de três anos. E foi planejado para ter uma área construída de aproximadamente 11 mil metros quadrados.
Estudos indicam, de acordo com os investidores, que uma parte dos moradores tem poder aquisitivo de classe média – 90% deles possuem telefone celular – e ainda há grande demanda por lojas.
Cerca de 70% dos moradores compra, produtos básicos fora da comunidade. No caso de roupas, esse percentual chega a 80%. “Existe grande oportunidade para um comércio mais formalizado na região”, afirma Celso F. Pinto Jr., um dos três sócios da Exxpon.
Na visão de Rudá Ricci, sociólogo e cientista político, que costuma acompanhar movimentos econômicos e sociais em favelas de todo o país, diz que um investimento deste porte, atualmente, embute uma dose de risco. Segundo ele, a política do governo Temer está na direção de cortes de gastos, incluindo os sociais.
“O que impressiona é que muitas comunidades, hoje, são como cidades, onde os moradores possuem comportamentos típicos e usam produtos específicos. Há um estilo próprio no uso de roupas, por exemplo.”
Ricci relata que tem visitado casas de moradores em favelas de todo o país. Por fora, estão inacabadas, mas, por dentro, são verdadeiros ‘brincos’.
“São residências típicas de classe média, com piso de cerâmica, televisão com tela gigantesca e equipamentos eletrônicos de última geração.”
Evidentemente que a crise abateu as comunidades. Mas, nos últimos anos, de acordo com ele, houve uma mudança estrutural importante de comportamento de perspectiva de vida dentro das comunidades.
“Se esses investidores fizerem pesquisas sempre nesses locais, escutarem os moradores e entenderem a necessidade deles, com certeza esse projeto tem tudo para replicar com sucesso em outras comunidades do país”, diz Ricci.
Celso Pinto, da Exxpo, diz que é exatamente essa a ideia. “Queremos levar a experiência de Paraisópolis para regiões semelhantes. Não queremos ir para o mercado de shopping centers tradicional, que tem enfrentando grandes problemas com a crise”, afirma.
A Exxpon e o sócio americano querem que o shopping, que pode ter nome definido em concurso, tenha um misto de comerciantes e de público do bairro e de fora. As lojas poderão ter de 20 metros quadrados a 2 mil metros quadrados – neste caso, para abrigar um supermercado.
“Se o dono de um mercado do bairro comprovar que tem condições de trabalhar com produtos de boa qualidade e dar bom atendimento para os moradores, ele poderá estar no centro comercial”, afirma Celso Pinto.
Há mais de dez mercadinhos em Paraisópolis. Os maiores são a rede Nova Central, com quatro unidades, Cavalcante, Mercado do Louro e o Mercado RKL. No setor de vestuário, uma das mais conhecidas é a Mira Modas, especializada em roupas femininas e masculinas.
Quando a Lamb Partners decidiu correr atrás de terrenos para investir em Paraisópolis, a economia ia muito bem. Apesar da crise, o grupo de investidores não desistiu do projeto, pois observa a comunidade e o Brasil como oportunidade de negócio.
“É verdade que alguns potenciais clientes vão ofertar menos pela área locada do que há três anos. Mas vemos o mercado brasileiro num período de longo prazo. Para um investimento deste porte, pensamos em dez anos, 20 anos. Em dois ou três anos esta crise estará resolvida”, afirma Celso Pinto.
Para Nelson Barrizzelli, consultor de varejo, esse é um nicho de mercado a ser explorado. “Independemente de onde vem o dinheiro, os moradores de comunidades consomem tudo o que ganham. Agora, eles querem produtos de qualidade e prazo para pagar. Quem captou muito bem a psicologia desse pessoal foi a Casas Bahia”, diz ele.
O SHOPPING
O modelo do empreendimento será diferente do de um shopping center convencional. Tanto que o grupo prefere se referir a um centro comercial e cultural, em vez de shopping center.
O projeto imobiliário prevê a construção de dois prédios de quatro andares, um ao lado do outro, com um vão livre entre eles, e outro edifício atrás de oito andares.
Os vãos deverão ser usados para praças e eventos culturais, como apresentações de ballet e orquestra de música de Paraisópolis.
Os investidores estão há cerca de três anos em contato com representantes da comunidade para discutir detalhes do empreendimento. Celso Pinto diz que os comerciantes entendem que o centro comercial pode atrair clientes até para as outras lojas da comunidade.
“Esse empreendimento deve consolidar o momento que Paraisópolis vive, com a chegada provável de grandes redes. Vamos ter a possibilidade de atrair também o público de fora”, afrma Gilson Rodrigues, presidente da União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis (UMCP).
A Casas Bahia, que possui uma loja no bairro desde 2008, recebe clientes de fora de Paraisópolis. “Aqui o cliente terá a possibilidade de adquirir outros produtos. Queremos que a pessoa venha e siga um roteiro, assim como faz quando vai para a Vila Madalena.”
As operadoras Claro e TIM e a rede Magazine Luiza, segundo Rodrigues, já manifestaram interesse em ir para a comunidade. “Queremos ter uma agência do Banco Itaú também por aqui”, diz ele.
O esforço para estimular o consumo e promover o empreendedorismo no bairro não vem de longe. A UMCP criou em setembro do ano passado, em parceria com a Mais fácil Administradora de Cartões de Crédito, um cartão de crédito próprio do local.
Cerca de 3 mil cartões Nova Paraisópolis já foram emitidos até agora, podendo chegar a 10 mil unidades até o final do ano, de acordo com Rodrigues.
Diferentemente de um cartão de crédito convencional, o cartão não considera questões econômicas e, sim, sociais na hora de liberar o uso. Quem possui o cartão pode ter desconto de até 50% em casa de shows, 25% em óticas, 15% na compra de cosméticos e 5% em mercados.
“Com o cartão, a ideia é que o morador gaste aqui e, quanto mais ele gasta na comunidade, mais emprego é criado na região”, diz ele. Cerca de 21% da população que trabalha em Paraisópolis, de acordo com Rodrigues, trabalha na própria comunidade.
Existe também um projeto para a criação de uma moeda local – Nova Paraisópolis. O dinheiro local, que teria paridade com o real, tem o objetivo de fazer com que os moradores gastem no bairrro.
Se considerar o tamanho das comunidades no país, o grupo de investidores tem muito chão para crescer por aqui.
Em 2015, os mais de 12 milhões de moradores de comunidades no Brasil movimentaram perto de R$ 75 bilhões, 4 em cada dez residentes possuíam smartphones e 92% deles tinham perfil no Facebook, de acordo com o Instituto Data Favela.
A vontade de empreender também é grande nas comunidades. De acordo com o instituto, 42% dos moradores tinham intenção de ter o próprio negócio no ano passado.
“Mesmo com a crise, as favelas continuam com grande potencial. O empreendedorismo só cresce dentro das comunidades, uma vez que, se o morador perde o emprego, ele não tem saída, a não ser montar o próprio negocio”, diz Renato Meirelles, sócio do recém-criado Instituto Locomotiva de pesquisas. “E mesmo quando trabalha fora, ele também quer ter algum negócio para complementar a renda.”