De câmeras a ferramentas, empresas que alugam produtos veem número de clientes dobrar por causa da crise
A crise econômica está levando um número cada vez maior de pessoas a alugar objetos e utensílios que, em condições normais, costumam ser comprados. São itens como ferramentas, vestidos de luxo e até mesmo contêineres para guardar equipamentos usados em obras em residências. Quem vai viajar, pode alugar a máquina fotográfica e escolher uma mala sob medida, usando nas férias o dinheiro que gastaria para comprar uma nova. Ao mesmo tempo, quem tem esses itens e os usa pouco, pode conseguir uma renda extra disponibilizando-os nos sites e aplicativos voltados à locação.
A startup Alooga, por exemplo, que registrou um crescimento de 90% no número de usuários no último trimestre, mantém uma plataforma on-line para as pessoas oferecerem esse tipo de utensílio para quem quer alugar.
— Notamos um crescimento muito grande tanto na procura quanto na oferta de locação. A crise é boa para o nosso negócio — disse José Luiz Datena Júnior, sócio-diretor da Alooga, fundada há um ano.
Na plataforma on-line, que pode ser acessada por meio de aplicativo ou site, o internauta encontra os mais variados itens. As campeãs de locação, segundo conta Datena Júnior, são filmadoras convencionais e câmaras GoPro:
— Uma câmera deste tipo custa em torno de R$ 1 mil, e a locação é entre R$ 50 e R$ 60 por dia. É vantagem para os dois lados.
Inovação para manter nível de vida
O cinegrafista Anderson Tacob descobriu na internet essas possibilidades e passou a usar câmeras e itens para fotografia e filmagem, como lentes e cartões de memória, alugados. E diz que a relação custo benefício é “ótima”:
— Na crise, o melhor é economizar. E, para ganhar um dinheiro extra, também coloco meus equipamentos para alugar e complemento minha renda, já fiz até R$ 600 em um mês.
A forma de “consumir” arrendando em vez de ir às compras enquadra-se no conceito da chamada economia colaborativa. Na prática, quer dizer que o consumidor passa a ter acesso a bens e serviços sem que haja necessariamente a aquisição dos mesmos. Além de alugar, emprestar, trocar e compartilhar são outras formas desse novo conceito de consumo, que ganha força na era digital.
Pesquisa da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ), com 130 executivos, revela que 81% dos entrevistados acreditam que a economia colaborativa pode ajudar no resgate da economia brasileira e no combate ao desemprego neste momento de crise. Quando se trata da criação de novos serviços de compartilhamento, 82% dos executivos veem como positivo este modelo de negócios; 15% acreditam ser importante, mas afirmam faltar regulamentação. Para 64% dos representantes das organizações, o poder público deveria facilitar a criação de empresas de economia compartilhada reduzindo a burocracia.
Já na percepção de 45% dos entrevistados, o maior ganho ao adotar a economia colaborativa é o envolvimento social e a inovação. Cerca de 42% citam a qualidade de vida e sustentabilidade como principais benefícios.
Graciana Méndez, analista de consumo da consultoria inglesa Mintel, cita que o aluguel é uma das formas encontradas pelo consumidor para manter o nível de vida em momentos de crise econômica.
— Esses novos esquemas como troca, compartilhamento e aluguel estão permitindo aos consumidores um acesso a produtos e serviços que ficariam fora do seu orçamento — analisa Graciana, completando: — É interessante também pensar como essa nova classe média que cresceu muito na última década e ganhou novos hábitos de consumo pode se interessar por modelos alternativos como uma maneira de continuar curtindo esses novos prazeres que descobriu nesses últimos anos.
Outra plataforma que está surfando nessa onda de economia colaborativa é a Alugaai. Focada na locação de ferramentas e itens para construção civil, a empresa foi fundada, há um ano, por Pedro Machado e Tatiane Braz na pequena cidade de Dois Vizinhos, no interior do Paraná, e já tem dimensão nacional.
O produto mais alugado por eles são os contêineres usados para armazenar as ferramentas em obras.
— Há quatro meses o locador tinha quatro contêineres. A demanda cresceu tanto nos últimos meses que ele decidiu investir e hoje tem 80 contêineres anunciados e em locação — conta Machado.
Em segundo lugar nas locações, aparecem as betoneiras de pequeno porte (equipamento usado para misturar concreto). Nos últimos quatro meses, Machado viu o número de clientes dobrar e atingir 2.000. A ideia de fazer um site focado em equipamentos de construção veio de uma rusga conjugal. Recém-casados, a mulher de Machado queria pendurar os quadros na casa nova e exigia uma furadeira.
— Compramos a furadeira e usamos apenas neste dia. Eu não tirava isso da cabeça. Até que pensei em alugar. E esse foi o produto que deu origem ao site — lembra o empreendedor.
Questão de custo, espaço e estilo
E não para por aí. A Rent a Bag, de aluguel de bagagem, é outro exemplo de empresa de locação que se expande com a crise. Com aluguel de malas a partir de R$ 115 por dez dias, Cristiano Coppio, presidente da empresa, diz que, no ano passado, foram locadas 160 malas e, para este ano a previsão, é que esse número chegue a 2.000. Para atrair os clientes, eles oferecem itens de marcas conhecidas pela qualidade e que costumam ter altos preços.
A blogueira Cynthia Sordi contratou o serviço do Rent a Bag, só neste ano, três vezes. As viagens são justamente para alimentar seu blog de turismo. Perguntada sobre se com tantos passeios não é mais vantagem comprar a própria mala, ela afirma que não:
— Primeiro porque moro num apartamento de 60 metros quadrados e não tenho espaço para guardar uma mala. E segundo porque, para comprar uma mala boa, é preciso investir muito e prefiro guardar para gastar na viagem.
Existe também plataformas on-line para aluguel de vestidos de luxo, caso da Dress4You. Inspirada no sucesso americano Rent the Runway, a fundadora do site brasileiro Ana Paula Casseb explica que a ideia é oferecer a um bom preço as peças que as mulheres desejam. A empresa começou suas atividades em 2014, fazendo 30 locações mensais. Hoje, são 150 modelos alugados ao mês, em média.
— Com certeza a crise nos ajuda. O preço do aluguel varia de R$ 290 a R$ 1.500. Mas o preço médio dos vestidos que alugo é de R$ 8 mil — afirma Ana Paula, acrescentando que é uma “boa oportunidade para quem não quer repetir o look num evento importante”.
Uma das clientes mais assíduas da Dress4You é a empresária Carol Maia, que, só no último, ano alugou 15 modelos para vários tipos de eventos.
— Nem somando o valor de todas essas locações alcanço recurso para comprar um vestido — contabiliza.