Dados recentes dão sinais de que o pior pode ter ficado para trás e sugerem espaço para uma retomada da economia. O otimismo voltou a dar as caras nas empresas
Em meio ao turbilhão político que tomou de assalto o País nos últimos meses, o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto passou a resgatar com mais frequência a velha máxima de que a economia não é uma ciência exata. O argumento vinha servindo para explicar como os números dependem do comportamento humano, podem ser afetados por fatores imponderáveis, como o caos de Brasília, e estão sujeitos a divergências. Uma nova frente de dúvidas agora se encaixa na questão repetida por Delfim: a leitura sobre os dados mais recentes de atividade.
Índices divulgados nos últimos dias sugerem uma melhora. Em maio, a confiança da indústria avançou pelo terceiro mês seguido e alcançou o maior nível desde março de 2015, o índice que mede o otimismo do comércio cresceu 3,5 pontos e a confiança do consumidor registrou a maior alta (4,3 pontos) dos últimos dez meses. A questão central é saber se são suficientes para prenunciar o início de uma virada no quadro recessivo. Na dúvida – e na carência de boas notícias – alguns empresários pendem para a ponta otimista, o que pode contribuir para confirmar o fim da prostração.
Em parte o avanço das expectativas se deve a uma esperada renovação de ânimo com a troca de governo, após a aprovação do afastamento temporário da presidente Dilma Rousseff e o ingresso de Michel Temer. Mas há mais na leitura de empresários. “A economia não pode piorar mais que isso”, afirma Francisco Deusmar de Queirós, presidente da rede Pague Menos, recém-empossado no comando da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma).
A percepção é de que o pior da crise pode estar ficando para trás. “Essa mudança de equipe econômica dá um alento, acho que as pessoas podem antecipar suas decisões.”, afirma Deusmar. Na quarta-feira 1, o presidente Michel Temer oficializou o segundo grupo de nomes da economia de seu governo, ao dar posse a Paulo Caffarelli (Banco do Brasil), Pedro Parente (Petrobras), Gilberto Occhi (Caixa Econômica Federal), Maria Silva Bastos Marques (BNDES) e Enersto Lozardos (Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas).
O time se completa com a indicação de Paulo Rabello de Castro, para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em comum, os nomes carregam uma visão pró-mercado e devem liderar reformas profundas em cada uma das instituições. Nos últimos dois anos, os brasileiros se acostumaram a ver um quadro sombrio nas divulgações dos principais indicadores. Após a reeleição da presidente Dilma Rousseff, a freada se transformou em recessão, o PIB recuou 3,8% em 2015 e tudo indicava que cairia até mais neste ano.
Isso explica porque o mercado encontrou motivos para saudar uma contração de 0,3% no primeiro trimestre, divulgada na quarta-feira 1. A expectativa era um recuo de 0,8%. “O resultado reforça nossa percepção de que na passagem do ano e – especialmente no segundo trimestre – a economia se estabilizou”, afirma Octavio de Barros, economista-chefe do Bradesco. Barros está no grupo dos economistas que acreditam numa retomada mais próxima, a ser iniciada ainda neste ano, acelerando-se em 2017.
O banco revisou de –3,5% para –3% a previsão do PIB de 2016, após o resultado do primeiro trimestre, e projeta um crescimento de 1,5% no próximo ano. Empresários da indústria, do comércio e dos serviços têm reportado continuamente uma melhora das condições de seu negócio.” Trata-se de uma visão compartilhada até para os setores mais afetados pela recessão, como o automotivo. Para Antônio Megale, presidente da Anfavea, associação que reúne as montadoras de veículos, as vendas já bateram no fundo de poço e devem começar a se recuperar em breve.
A falta de confiança vinha se configurando como o principal vilão da economia nos últimos meses e se agravou com a paralisia do governo Dilma diante do processo de impeachment. Sem esperança, empresários suspenderam investimentos e consumidores postergaram compras. “Até recentemente vinha sendo um redutor de crescimento”, afirma Aloisio Campelo, responsável pelos índices de confiança da FGV/IBRE. Para Campelo, as melhoras nos indicadores ainda não sugerem uma retomada, mas podem acabar se tornando uma “profecia autorrealizável” se avançarem mais rápido que a economia.
“Os índices devem subir com a ideia de que os números mais negativos ficaram para trás, mas tendem a ficar mais voláteis pela turbulência política.” A lua-de-mel esperada com a troca de governo foi ofuscada pelo início conturbado da gestão Temer. Com a demissão de Fabiano Silveira, ministro da Transparência flagrado em gravação polêmica sobre a operação Lava Jato, na segunda-feira 30, o governo acumulou duas baixas na equipe, além de ter recuado em medidas anunciadas.
A mais nova frente de desgaste foi aberta com a aprovação do reajuste de servidores federais na Câmara dos Deputados, na madrugada de quinta-feira 2, uma pauta-bomba que pode elevar em pelo menos R$ 50 bilhões os gastos públicos nos próximos anos, no momento em que o governo precisa cortar despesas. “Isso pacifica a ação do governo com esses servidores por dois, três ou quatro anos”, justificou Temer em entrevista ao SBT. “É um aumento discreto que quase não cobre a inflação. É útil para o governo, é útil para os servidores.”
O presidente vem centrando esforços na sustentação de uma base política sólida no Congresso, para permitir a aprovação de medidas impopulares que devem ser enviadas ao Legislativo em breve, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita os gastos do governo pela inflação passada, além da reforma da Previdência. Na quarta-feira 1, o Executivo conseguiu passar na Câmara uma das partes do ajuste, a Desvinculação de Receitas da União (DRU), por 334 votos a 90. Enquanto sinaliza a adoção de uma idade mínima para a aposentadoria, em busca de frear o crescimento das despesas com a Previdência, Temer já admite uma possível elevação de impostos, “se for necessário”. Uma volta da CPMF poderia ser adotada temporariamente.
SINAIS POSITIVOS Se, na política, o fator Lava Jato e a própria duração do governo Temer são dúvidas, na economia alguns ajustes já começam a surtir efeitos positivos. Um dos mais notáveis, por ora, é a reação das exportações, como reflexo do câmbio mais favorável para competir fora do País. As exportações foram uma das pontas positivas no PIB do primeiro trimestre, com um avanço de 6,5%, e vêm contribuindo para elevar a confiança da indústria e reverter o marasmo nas fábricas. Em abril, a produção industrial teve a segunda alta consecutiva, de 0,1%, superando as expectativas de mercado.
Segundo Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o nível mais favorável dos estoques aponta para um desempenho melhor adiante. “Há um novo horizonte, um processo de estabilização do ritmo de queda, um estágio anterior à recuperação”, afirma Cagnin. Como exemplo do impulso externo, a Renault anunciou na semana passada a contratação de 550 funcionários, mesmo com uma queda de 26% no mercado de automóveis no Brasil.
A balança comercial alcançou em maio o maior superávit (R$ 6,43 bilhões) para o mês da série histórica, iniciada em 1989. Para além do recuo das importações, de 30% no acumulado do ano, há agora avanço no volume vendido ao exterior (15% no ano). Para a fabricante de autopeças Bosch, o crescimento de 22% nas exportações neste ano contribui para uma leitura mais positiva de cenário. “Há uma melhora no ânimo, ainda que a previsão seja de tempos difíceis pela frente”, afirma Besaliel Botelho, presidente da multinacional alemã.
A expectativa é que as receitas, em reais, na América Latina, onde o Brasil representa 80%, cresçam 10%, ante avanço de 6,6% em 2015. Uma melhora mais expressiva só deve chegar em 2017, segundo Botelho. O setor, que já vinha sofrendo com a concorrência de chineses, foi um dos mais afetados pela desaceleração recente da economia e opera hoje com quase metade da capacidade ociosa. “Estávamos adotando uma política econômica que nos levaria cada vez mais para o fundo do buraco”, afirma Botelho.
A empresa espera colher os frutos dos ajustes feitos para aumentar a produtividade. “Quem fez a lição de casa vai poder se beneficiar do cenário mais positivo que vem por aí.” Essa é a esperança do banco alemão Commerzbank. Oito anos após ter desfeito a parceria com o Unibanco, ele anunciou na quinta-feira 2 que vai voltar a operar no Brasil, desta vez de maneira independente. Segundo maior banco privado da Alemanha e focado em operações de atacado e financiamento e comércio exterior, o Commerzbank está otimista com o aumento da corrente de comércio brasileira.
“Há muito espaço para exportar e importar mais”, afirma Harald Lipkau, que será o CEO da operação brasileira. O banco alemão já contratou 50 pessoas e fará um investimento inicial de 70 milhões de euros (cerca de R$ 280 milhões). A melhora do otimismo não vem só de fora. O presidente da fabricante de alumínio Novelis, Tadeu Nardocci, “vê pequenos sinais de um momento mais favorável no País”, com base na melhora da confiança e nos sinais de demanda. “Em maio, nossos clientes já começaram a demandar mais material”, afirma Nardocci.
A expectativa dele é de um crescimento de até 3% este ano, ante estabilidade no ano passado. Além de uma melhora cíclica, em que a recuperação se dá porque não há mais espaço para reduzir compras e adiar gastos, uma janela de oportunidade surge no cenário interno com o arrefecimento da inflação. A pressão menor dos reajustes de preços diminui o efeito corrosivo na renda disponível das famílias e permite uma redução das taxas de juros. Alguns bancos trabalham com a perspectiva de início do ciclo de baixa na Selic a partir de agosto.
Nas previsões da BNP Paris Asset Management, a taxa básica poderia chegar a 9,75% no final do ano que vem com a nova rodada de redução. “Se o governo fizer a parte dele, pode ser até num patamar menor”, afirma o economista da gestora, Eduardo Yuki. Atualmente, a Selic está em 14,25% ao ano. Para qualquer empresário, queda de juros é um fator essencial de estímulo, alivia o custo de financiamentos, abre espaço para investimentos e devolve a atratividade do negócio em comparação com as aplicações em renda fixa.
“Acredito muito que a nova equipe econômica vai ter inteligência suficiente para reduzir o juro no primeiro momento e sinalizar que vai continuar baixando”, afirma Deusmar, da Pague Menos. Segundo ele, uma queda substancial na taxa poderia até antecipar os planos de abertura de capital da companhia, hoje previstos para 2018. A perspectiva de uma redução dos juros adiante já se reflete em maior interesse na procura por imóveis, segundo o presidente da construtora MRV, Eduardo Fischer. A percepção tem como base o acompanhamento diário nos estandes de vendas e nas visitas ao site da companhia.
“As pessoas já têm uma ideia se vão ter empregos no futuro ou não”, diz Fischer. “E atendemos um público que necessita desse tipo de investimento.” De olho na retomada adiante, a empresa vem aproveitando a baixa dos preços para reforçar o estoque de terrenos. No primeiro trimestre, investiu R$ 3,8 bilhões em novas áreas, cerca de 50% a mais do que no mesmo período de 2015. Do lado do consumo, ainda pesará uma esperada continuação de piora no mercado de trabalho e a redução da renda. O desemprego deve chegar a próximo de 14% e a renda ainda deve fechar em queda neste ano.
A presidente da Magazine Luiza, Luiza Trajano, cita a piora do emprego, da renda e do crédito como os vilões do varejo nos últimos meses. As vendas acumulam uma retração de 7% até março. Luiza, porém, corrobora a visão de maior otimismo. “Parece que agora a economia está encontrando uma luz no fim do túnel”, afirmou. A queda no faturamento vem agravando o nível de endividamento, comprimindo margens e sufocando as empresas. Para Carlos Pedroso, economista do banco de Tokyo, devido ao nível de depressão atingido, a evolução pode ser mais rápida na subida.
“Depois de dois anos de recessão e margens sendo comprimidas, qualquer melhora é uma oportunidade”, afirma Pedroso. O cenário adverso pode reservar outras surpresas na medida em que a confiança avança. A rede de varejo Óticas Carol acredita que a confiança na boa reputação da nova equipe econômica sustente uma demanda maior por franquias, como alternativa à desocupação. “Há um aumento recorde no número de desempregados, que podem sacar o FGTS e decidir empreender graças a esse clima mais estável que vivemos atualmente”, afirma Ronaldo da Silva Pereira Júnior, presidente do grupo.
Entre as variáveis positivas e os riscos adiante, há um consenso entre economistas de que o ritmo de recuperação e o potencial de crescimento dependem da capacidade do governo de avançar com o ajuste fiscal e a aprovação de reformas no Congresso. O endividamento do governo é hoje a maior fonte de incerteza das economias, com projeções de que a relação dívida/PIB possa ultrapassar 90% caso nada seja feito. Nessas condições, economistas calculam que o PIB potencial, o quanto o País pode crescer sem distorções, tenha caído para próximo de 1% atualmente.
“Na parte da inflação, o pior já passou, o saldo externo deve ficar próximo de zero, agora o que falta é a resolução do problema fiscal”, afirma André Muller, da AZQuest. “Isso permitiria uma queda maior dos juros e uma alta sustentada dos indicadores.” Falta combinar com o Congresso, formado por grupo de parlamentares com as mais diversas ideologias e pautas. Isso está sendo feito. O importante, agora, é que as condições para a retomada do otimismo começam a virar realidade.