05/11/2014 às 05h00
Por Alda do Amaral Rocha | De São Paulo
Não se passou um trimestre desde que a gestão Abilio Diniz assumiu a administração da BRF, em abril do ano passado, sem que o mantra sobre a necessidade de internacionalizar a companhia fosse repetido. Mais de um ano e meio depois, porém, a empresa ainda não concretizou nenhuma grande aquisição no exterior, apesar de ter recursos em caixa. Pelo contrário, vendeu sua unidade de lácteos para a francesa Lactalis por R$ 1,8 bilhão, o que, aliás, significa mais dinheiro para gastar.
Mas a BRF, que apresentou resultados muito acima dos esperados no terceiro trimestre deste ano, movimenta-se para mudar esse cenário e mira dois alvos, segundo fontes do mercado. O primeiro deles, já conhecido, é a Americana, empresa de alimentos com sede no Kuwait. O segundo é a francesa Doux, que há menos de um ano saiu da recuperação judicial na França, e que hoje está nas mãos da D&P Participations (com 75% do capital) e do grupo saudita Almunajem (25%).
No fim do ano passado, o empresário Didier Calmels, dono da holding que controla a D&P, associou-se ao grupo saudita e apresentou um plano de continuidade para a Doux, aceito pelo Tribunal do Comércio de Quimper, onde corria o processo de recuperação da empresa de aves. Pelo plano, os dois grupos assumiram a dívida da Doux, que foi convertida em capital. O Almunajem subscreveu o aumento de capital em outubro, conforme a imprensa francesa.
O Almunajem atua na importação e na distribuição de alimentos e é um dos maiores clientes da Doux no Oriente Médio. O grupo saudita também é um importante parceiro da BRF na região. Segundo fontes familiarizadas com o tema, BRF e Almunajem já travaram recentemente conversações para uma possível associação envolvendo os negócios de distribuição no Oriente Médio.
Além disso, a avaliação é que Didier Calmels não deve permanecer muito tempo no capital da Doux. O empresário, que já teve sua própria equipe de Fórmula 1, especializou-se na recuperação de empresas falidas. Em vários casos, após reestruturá-las, as revendeu.
Quando entrou em crise financeira na França e pediu recuperação judicial em 2012, a Doux controlava também os ativos da Doux Frangosul no Brasil, mas teve que arrendá-los à JBS. O acordo com a gigante de carnes brasileira prevê arrendamento por dez anos com opção de compra. Assim, esses ativos não estão contemplados nas negociações entre a Doux da França e a BRF.
Na França, a Doux teve receita de 500 milhões em 2013, sendo 340 milhões na exportação. A companhia tem quatro unidades de produção no país europeu e cerca de 2 mil funcionários.
Procurada, a BRF disse que não comenta “especulações” de mercado. A reportagem enviou emails à assessoria da Doux na França, mas devido à diferença de fuso-horário a empresa não respondeu até o fechamento desta edição.
A decisão de negociar com a Doux não significa que a BRF tenha desistido da Americana, segundo fontes ouvidas pelo Valor. Quando questionados sobre as negociações com a empresa do Kuwait, executivos da BRF disseram, na semana passada, durante encontro com analistas para divulgar os resultados do terceiro trimestre, “não haver novidades”.
As negociações com a Americana envolvem também duas empresas de private equity, a KKR & Co. e CVC Capital Partners Ltd.. As três fizeram recentemente uma oferta conjunta pela totalidade da Americana, sendo que a BRF tem interesse na unidade de processamento de alimentos da companhia. Às firmas de private equity, interessam os negócios de restaurantes da Americana, que incluem unidades do KFC e da Pizza Hut no Oriente Médio e no norte da África.
Estima-se no mercado que todos os ativos da Americana valham de US$ 1,4 bilhão a US$ 1,6 bilhão. A indefinição sobre quanto caberia a cada uma das eventuais compradoras estaria imprimindo lentidão às conversas.
De acordo com fontes familiarizadas com o tema, a BRF tem planos ambiciosos caso consiga adquirir a Americana. A brasileira está prestes a inaugurar sua unidade de processados de carnes em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes. A ideia seria unir as duas operações e fazer um split-off desses negócios para abrir o capital na bolsa de Dubai, segundo essas fontes. Como se tratam de operações para atender consumidores de religião muçulmana, duas unidades da BRF no Brasil – que fazem o chamado abate halal, isto é, conforme os princípios do islã – também fariam parte dessa nova empresa com capital aberto em Dubai.
Embora tenha presença importante no mercado do Oriente Médio, especialmente com a marca Sadia, a BRF precisa ampliar sua estrutura de distribuição na região para escoar a produção de sua nova unidade de Abu Dhabi, por isso o interesse em ativos regionais, dizem essas fontes.
Um eventual novo investimento na região se inseriria no que Abilio Diniz chamou de “aquisições inteligentes” no encontro com analistas. Ou seja, negócios que de alguma forma se complementem. (Colaborou Fernando Lopes, de São Paulo)
Valor Econômico – SP