Em um acordo de R$ 141,6 milhões, Peterson Cantu, fundador da Cantu, adquirida pela empresa em 2021, torna-se sócio e membro do board da Wine, que aposta no B2B e na tecnologia para cobrir todo o País
Por Moacir Drska
Fundada em 2008 como um e-commerce e um clube de assinatura de vinhos, a Wine encorpou pouco a pouco seu modelo. Um dos principais movimentos veio em 2021, com a compra da Cantu, importadora com mais de 15 mil clientes B2B, entre bares, restaurantes, hotéis, supermercados e afins.
A aquisição de R$ 180 milhões está agora no centro de mais um anúncio importante da empresa. A Wine acaba de divulgar que o valor remanescente de R$ 141,6 milhões que pagaria a Peterson Cantu, fundador da Cantu, até 2024, será revertido na emissão de novas ações ordinárias da companhia.
Peterson terá uma fatia não revelada na Wine, que tem como controladores a Península, de Abilio Diniz, e a eB Capital, com 40,96% cada. O empresário também irá integrar o board da Wine que, por sua vez, ganha mais fôlego – financeiro e estratégico – para consolidar um novo rótulo em sua operação.
“Nossa ambição é replicar no mundo do vinho o que a Ambev cumpriu no mercado de cervejas”, diz Marcelo D’Arienzo, CEO da Wine, em entrevista exclusiva ao NeoFeed. “E fortalecer a estrutura de capital e nossa expertise, com o Peterson próximo da operação, é um primeiro passo nessa direção.”
No caminho para cumprir o plano de ser a “Ambev do mundo dos vinhos”, a aquisição da Cantu e a bagagem de 30 anos de Peterson nesse mercado são vistas como essenciais pela Wine para fortalecer sua presença nos canais offline e estabelecer uma distribuição nacional do produto.
“Para nós, a hiper disponibilidade do vinho é essencial e os canais exclusivamente digitais não são capazes de atender toda a demanda”, explica D’Arienzo. “Hoje, de 80% a 85% das compras do produto no País ainda acontecem no mundo físico.”
Essa visão está alinhada à estimativa de que o vinho ganhou 7 milhões de adeptos no Pais na pandemia. E busca outras referências no modelo da Ambev que, por sua vez, tem feito o caminho inverso, ao incorporar uma pegada ominichannel e digital com plataformas como Bees e Zé Delivery.
“Estamos olhando para capacidade logística, eficiência, venda na rota e construção de marca nos canais B2B”, diz o executivo, citando algumas dessas inspirações. “Ao mesmo tempo, com a Cantu, estamos investindo no DNA que temos de tecnologia e dados para ajudar esses clientes a venderem mais.”
Segundo D’Arienzo, diversas iniciativas serão testadas em todas essas frentes, a maioria delas, a partir do segundo semestre. Há, no entanto, um projeto-piloto que começa a ser rodado neste mês, em parceria com o Outback, envolvendo todas as unidades da rede de restaurantes.
“Começa com a entrada na carta de vinhos deles”, diz. “Mas vamos testar diferentes hipóteses para entender como incentivar nosso assinante a ir ao Outback e comprar nossos rótulos. No futuro, isso também irá evolver capacidade logística.”
De fato, entre outros planos no B2B, a ideia é ampliar a disponibilidade e a capilaridade ao utilizar os canais da rede abastecida pela Cantu como pontos avançados de estoque. Essa mesma tese foi uma das motivações da Wine para investir em lojas físicas próprias.
Essa rede tem 17 unidades, sendo que oito delas foram abertas em 2021. Nesse ano, a empresa decidiu pisar no freio no primeiro semestre, diante da instabilidade da economia, e inaugurou apenas uma loja em Natal (RN), em maio.
“Já entendemos que os impactos são marginais e vamos retomar a expansão no segundo semestre”, conta. A próxima abertura será em Ribeirão Preto (SP) e o plano é fechar 2022 com cerca de novas 10 novas unidades. No radar estão 40 cidades, entre elas, Belém (PA).
Além da logística, alguns números alimentam o apetite da Wine para expandir essa rede. Esses indicadores estão conectados ao Clube Wine, pilar que complementa a plataforma e que é a principal porta de entrada e de recorrência para o ecossistema da empresa.
Em média, um assinante que visita as lojas gasta entre 30% e 45% a mais que outros membros do clube. Ao mesmo tempo, a taxa de conversão de novos assinantes entre os frequentadores é de 14%.
“Essa conversão geralmente envolve a escolha por planos mais caros”, observa D’Arienzo. Hoje, a Wine tem opções de planos anuais na faixa de R$ 69,93 a R$ 250,83. “Ao mesmo tempo, os assinantes que compram nas lojas físicas têm a nossa menor taxa de churn.”
No primeiro trimestre de 2022, a Wine reportou um churn de 2,9%, contra 3%, um ano antes. O Clube Wine fechou o período com 307 mil assinantes. Hoje, essa base está em 336 mil usuários.
Entre janeiro e março, a receita líquida foi de R$ 136 milhões, alta de 40,4% na comparação anual. O Clube Wine representou 43,8% desse montante, seguido pela unidade offline, com uma fatia de 36,2% – a Cantu adicionou R$ 31,5 milhões ao resultado total, e pelo e-commerce (vendas avulsas), com 20%.
Concorrência
Sócio da consultoria Varese Retail, Alberto Serrentino destaca o pioneirismo da Wine, ao criar o modelo de clube de assinatura no setor, e ressalta a plataforma multicanal construída pela companhia. Mas faz ressalvas quanto à inspiração na Ambev.
“Está tudo bem ter essa referência, mas não acho que eles estejam seguindo a trajetória de se tornar a ‘Ambev dos vinhos’”, afirma. “Porque isso significaria uma agressividade, inclusive via aquisições, muito maior do que a Wine mostrou até agora.”
Ele também cita movimentos recentes da concorrência no mercado. O principal deles, a criação da Víssimo Group, que une o e-commerce Evino à operação da importadora, distribuidora e varejista Grand Cru, com um faturamento anual estimado em R$ 700 milhões.
“São portfólio complementares, a Grand Cru, mais premium, e a Evino, mais democrática. E não dá para ignorar a Adega, que ainda é muito ancorada no GPA, mas que tem muito potencial”, diz. “O fato é que vai ser uma briga boa, especialmente com o amadurecimento do consumidor e do mercado local.”
A Wine está em vantagem nessa disputa. No primeiro trimestre, a empresa ficou no topo do ranking de importação de vinhos no País, com uma participação de 12,03%, segundo a Ideal Consulting. O Víssimo Group alcançou uma fatia de 6,17% no período.
O Brasil não é, no entanto, o único front para a Wine. Depois de estrear no exterior em novembro de 2021, com uma versão do Clube Wine no México, a empresa acumula 3 mil assinantes e projeta fechar 2022 com 10 mil usuários no país.
“O plano inicial é entender o consumidor mexicano e, em 2023, acelerar a operação”, afirma D’Arienzo. Caso consiga se provar no México, um possível próximo passo, a partir de 2024, será a Colômbia. “Também estamos olhando o mercado asiático.”
Enquanto avalia essas possibilidades, a Wine tem caixa para tocar as estratégias em curso. “Mas não descartamos uma capitalização”, afirma. Retomar o projeto do IPO que foi suspenso no fim de 2020 não é, obviamente, uma opção no curto prazo.
“Me perguntam se me frustrei de não ter feito o IPO. Seria bom ter R$ 500 milhões em caixa”, diz. “Mas fico imaginando como seria reverter a queda de valor que as empresas estão tendo nesse momento. Hoje, nós temos recursos, uma estratégia clara e estamos tranquilos.”
Fonte: Neofeed