Via, Americanas e varejo de moda mostram crescimento com a volta do consumidor
Por Adriana Mattos
O que o mercado esperava acabou se confirmando. Todo o varejo sentiu a puxada de freio que a operação on-line vem enfrentando nos últimos meses, como mostram os relatórios de resultados das varejistas de bens duráveis publicados na semana passada. Mas aquilo que acabou surpreendendo, e não estava nas projeções, pode ajudar a dar algum vigor ao ano, daqui para frente. As lojas físicas estão retomando o fôlego, no movimento mais consistente desde que a pandemia perdeu força, e com impacto positivo nas projeções do segundo semestre.
Ao se considerar os números do segundo trimestre, as vendas transacionadas pelas plataformas do Mercado Livre, Americanas, Magazine Luiza e Via avançaram 5,9%, para R$ 45,45 bilhões, sendo que as lojas físicas cresceram 14,4%, para R$ 12,84 bilhões – puxadas, especialmente, pelo desempenho de Lojas Americanas e Via (Casas Bahia e Ponto Frio). Já o Magalu se saiu melhor no on-line do que nas lojas. Redes de moda também mostraram aceleração maior no ponto físico.
Ao se desconsiderar o Mercado Livre desses números, já que a empresa não tem pontos físicos, o on-line recuou 2,2%, enquanto as lojas subiram 14,4%.
Numa análise do primeiro semestre, o digital acelerou 5,8% (sem Mercado Livre), mas as lojas avançam menos, 3,6%, porque a recuperação do canal físico ganhou ritmo nos últimos dois ou três meses, concentrada no segundo trimestre. Ainda está, portanto, em fase de retomada, a depender dos números do terceiro trimestre para se confirmar. “O Brasil ainda é muito físico. O consumidor gosta da loja e o futuro será híbrido [físico e on-line] A loja física ganhou prioridade porque temos mais ‘assets’ nela, como o crediário, que é uma experiência forte na loja e nesse cenário econômico, cabe no bolso”, disse, na sexta-feira, Roberto Fulcherberguer, CEO da Via.
Há naturalmente, o efeito de base de comparação favorável de 2021, já que as lojas ainda sentiam a crise no ano passado, e o digital estava aquecido, mas executivos são unânimes em afirmar que a questão não se resume apenas a aspectos da base anual, mas de normalização de desempenho. E reforçam que não se trata de uma disputa de canais. Com operações de lojas e on-line mais integradas desde a pandemia (da compra no digital e retirada em loja à negociação com vendedores da loja por WhatsApp) hoje um canal “puxa” o outro, de maneira a se buscar equilíbrio entre vendas e margens.
E as lojas físicas têm margens brutas maiores que o digital, o que também pode ser positivo para os números do segundo semestre. “[Essa volta das lojas] reflete dois fatores, a retomada na venda no físico de produtos discricionários e a estratégia de maior racionalidade do on-line pelas grandes plataformas neste ano”, disse Alberto Serrentino, sócio e fundador da consultoria Varese Retail.
“Houve mudança nas políticas das empresas, com redução de parcelamentos sem juros, limitação do frete grátis e repasse de aumentos nos custos aos preços no digital”. Além disso, os lojistas de “marketplace” também sentiram reajustes nos seus contratos com as plataformas (como taxas de comissão) desde o fim de 2021, e têm repassado isso aos compradores.
O cliente, ao perceber esse movimento, volta a buscar ofertas no ponto físico, onde há possibilidade de negociar preços e condições. Em junho, o fluxo de clientes cresceu 16% em loja de rua e 21% em shoppings sobre 2021, segundo dados da empresa de venture capital HiPartners Capital & Work, em parceria com a Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC).
Os números de shoppings e de varejistas de moda também mostram aceleração do canal físico. O faturamento das lojas de rua no país cresceu 28% de janeiro a junho, segundo a HiPartners. Nos shoppings, onde vestuário e calçados são os principais segmentos, o avanço na venda alcançou 40%. Em igual período, no canal digital, a empresa de pesquisas Neotrust relatou alta de 4,3% na venda.
Estudiosos dizem, porém, que, além dos desempenhos das lojas e do on-line terem que ser analisados de forma unificada, a volta do cliente acontece num cenário de maior cobrança por um nível de serviço melhor. “É certo que os consumidores estão voltando às lojas, mas a expectativa de interação é completamente diferente. Os varejistas têm que atender as expectativas de agilidade na compra virtual e de experiência sem atritos no físico”, dizem Francisco Alvarez e Marcos Luppe, professores do Centro de Estudos e Pesquisas do Varejo/USP (ver abaixo).
Especialistas ainda destacam outro ponto: embora a loja dê sinais de maior fortalecimento, o tamanho do “marketplace” continua a impressionar e liderar estratégias para ganho de mercado. Mercado Livre, Americanas, Magalu e Via venderam quase R$ 87 bilhões de janeiro a junho, de itens de lojistas parceiros e das redes – é quatro vezes a venda de suas lojas.
Dados das varejistas de capital aberto mostram que no segundo trimestre o setor de moda teve o crescimento mais acelerado, acima de eletrônicos e de alimentos. E na maioria dos negócios a estratégia foi defender a rentabilidade e proteger o caixa, pelo receio de que incertezas ainda afetem a confiança do consumidor. O impacto mais negativo veio das despesas financeiras, por conta da escalada da taxa Selic.
Mercado Livre teve o melhor desempenho no canal on-line de abril a junho, seguido da Americanas. Via foi mais fraca no on-line e melhor nas vendas em lojas abertas há mais de um ano (“mesmas lojas”) – o oposto do Magalu. Americanas voltou a queimar caixa, mas Magalu e Via, nessa ordem, geraram caixa operacional.
“A rentabilidade foi um destaque positivo, pois as três empresas [Americanas, Via e Magalu] apresentaram margens Ebitda [de lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação] mais saudáveis e melhores. Apesar disso, margens melhores não foram suficientes para compensar o aumento das despesas financeiras. Consequentemente, as linhas de resultado [lucro/prejuízo] ficaram sob pressão”, disseram os analistas Victor Saragiotto e Pedro Pinto, do Credit Suisse.
A expectativa de todos os principais analistas dos grandes bancos é que o desempenho operacional pare de se deteriorar, com base de comparação mais fáceis a partir de agosto. Além disso, apesar do cenário macroeconômico ainda não parecer ideal, dizem eles, o Banco Central indicou um possível fim do ciclo de aperto – o que também é positivo para varejistas de moda e alimentos.
No vestuário, a receita das empresas abertas cresceram de 20% a 40% no segundo trimestre, com estabilidade ou ganho nas margens de lucro. C&A e Renner repassaram custos, trabalhando com “preços cheios” nas coleções de inverno. Porém, acabaram também sentindo o efeito das despesas financeiras. “Este foi o primeiro trimestre com lojas abertas sem o impacto da pandemia”, disse Paulo Correa, presidente da C&A, a analistas na semana passada.
Fonte: Valor Econômico
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