Por Marcia de Chiara | Quem passou nas últimas semanas pela avenida Paulista, um dos endereços comerciais mais cobiçados do País, deve ter notado a presença de uma nova varejista no local. Ao lado do icônico prédio da Fiesp, num espaço de 1.800 metros quadrados, a perfumaria Soneda, criada em 2018 na cidade de Franco da Rocha (SP), abriu as portas de sua primeira loja conceito, com 18 mil produtos de 300 marcas diferentes, distribuídos em três pavimentos.
“Chegar à (avenida) Paulista era um sonho”, conta Minoru Kamachi, CEO da empresa. Aos 54 anos de idade, desde que começou a atuar no varejo, aos 25, diz que sempre quis ter uma loja na avenida. “Foi uma busca incansável”, lembra. Minoru é o filho caçula do fundador da perfumaria, o imigrante japonês Mareki Kamachi, morto no ano passado, aos 92 anos.
A freada no comércio presencial provocada pela pandemia e o aumento de imóveis desocupados na região ajudaram Kamachi a realizar o sonho. Mas, antes de chegar à Paulista, ele inaugurou, em junho de 2021, uma loja na rua Augusta, que lembra o cubo de vidro da Apple, em Nova York (EUA).
O objetivo, ao fincar sua bandeira na região, é consolidar a marca junto ao público de maior renda e iniciar uma nova etapa. Isto é, espalhar pequenas lojas, com cerca de 200 a 300 metros quadrados, pela cidade. “Queremos ser o Pão de Açúcar Minuto, a loja de vizinhança da beleza”, afirma o CEO.
Hoje, a varejista tem 40 lojas físicas, sendo mais da metade na cidade de São Paulo, um e-commerce, faturamento anual superior a R$ 300 milhões e mais de 800 funcionários diretos. De acordo com dados da consultoria Nielsen, a rede detém 30% do mercado de perfumarias auditadas no Estado de São Paulo e 11% no País. E o plano é avançar.
Neste ano, vai inaugurar entre seis e sete lojas. Os investimentos somam R$ 25 milhões, dos quais mais de R$ 10 milhões aplicados na loja conceito da Avenida Paulista. Daqui para frente, a varejista pretende abrir entre seis e sete lojas por ano em cidades do interior, situadas num raio de 100 quilômetros da capital e com mais de 100 mil habitantes.
O pai de Minoru Kamachi, fundador da rede, chegou ao Brasil ainda criança, em 1934, e seguiu com os pais para o interior de São Paulo. Foi agricultor na região de Lins (SP) até 1972. Depois, saiu da lavoura e tentou a vida no comércio, inicialmente, com uma loja de roupas infantis, também no interior, em Piracicaba (SP).
Em 1992, migrou para o varejo da beleza. Kamachi era uma das cerca de 40 famílias, muitas de origem japonesa, que faziam parte da rede de perfumaria Sumirê. “Somos uma dissidência da Sumirê”, afirma Minoru.
Num modelo de associativismo, a Sumirê reúne várias perfumarias independentes sob a mesma bandeira. Cada loja ou grupo de lojas tem um dono e trabalha do seu jeito. Nem as compras são conjuntas.
Durante 26 anos, cada membro da família Kamachi administrou suas lojas nesse modelo. No entanto, a falta de uniformidade na operação era algo que, para o executivo, não fazia sentido. Essa percepção ganhou ainda mais relevância para Minoru, depois da viagem que fez em 2016 ao Japão para conhecer as suas origens. “Voltei do Japão com vontade de juntar os Kamachi para garantir um futuro melhor para família”, diz.
Dois anos depois do retorno, apareceu a oportunidade de comprar a rede Perfumaria 2000 e criar um negócio só da família. “Entendemos que era melhor seguirmos um caminho diferente”, diz Minoru sobre a saída da Sumirê. Ele frisa que não houve conflito. “Existe respeito, procuro não atuar nas mesmas regiões onde a Sumirê está.”
Em setembro de 2018, os Kamachi fundaram a rede de perfumaria que nasceu com 26 lojas, 10 adquiridas da rede 2000 e 16 pontos de venda dos membros da família que operavam no modelo associativista. O nome escolhido para foi Soneda, distrito onde o avô nasceu, dominado por plantações de arroz, na cidade japonesa de Fukuoka. Com administração centralizada, a holding Keitaro, que leva o nome do bisavô, reúne os cinco irmãos que são sócios do negócio.
“Quando a rede começou, o foco da varejista era o consumidor das classes de menor poder aquisitivo. Mas, nos últimos tempos, a companhia percebeu que havia uma oportunidade junto à população de renda média. Segundo Minoru, há um espaço não ocupado entre a Sephora, perfumaria voltada para camadas de maior renda, e o Mundo do Cabeleireiro, mais focada em itens para cabelo.
A ida para a avenida Paulista e bairros com população mais abastada, como Moema e Itaim, por exemplo, tem como objetivo atrair o consumidor de classe média. Muitos deles não conhecem a “perfumaria raiz”, diz Minoru. É aquele ponto de venda com vários itens de higiene pessoal e, especialmente, para cabelo, comum nas periferias.
Para o consultor de varejo e presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), Eduardo Terra, há espaço para crescer no segmento de perfumaria especializada, onde a Soneda está. Ele observa que o setor ainda é muito pulverizado, marcado por inúmeras pequenas lojas de bairro, repetindo o segmento de materiais de construção.
No entanto, o segmento perfumarias especializadas está se profissionalizando para enfrentar os grandes concorrentes que são as farmácias e os supermercados, o que, na opinião do consultor é positivo para a indústria. Isso porque há muita informalidade nesse varejo. “A tendência é de concentração das varejistas de perfumaria especializada nos próximos anos”, prevê Terra.
Na loja da Paulista, a tradição familiar e as raízes profundas japonesas são um traço marcante da unidade, que se mistura com inovação No piso térreo, está a maior parte dos produtos, para rosto, corpo, maquiagem, perfumes, de mais de 300 marcas. Entre elas estão as mais tradicionais, como La Roche-Posay, Vichy, Clinique, Eudora, Vult, Payot, por exemplo. Já há tratativas para trazer a Mac para ser revendida na loja. Mas também há marcas novas, de influenciadoras digitais, como Boca Rosa, Niina Secrets, Karen Bachini, por exemplo.
Já o espaço do subsolo remete ao Japão. Lá existem uma loja da japonesa da Daiso, especializada em miudezas, um jardim japonês, e um grande painel instagramável. O painel inclui vários elementos nipônicos, inclusive o brazão da família estilizado como logo da rede. Nesse pavimento funciona um restaurante japonês.
De olho no filão de mercado da sustentabilidade, o piso superior foi reservado para produtos de beleza orgânicos. Além de grandes marcas que atuam nesse segmento, há itens fabricados por microempresas de diferentes regiões do País que são desconhecidas e que enfrentam dificuldades para se tornarem fornecedores do comércio tradicional.
Minoru explica que esse núcleo de aceleração de pequenas marcas orgânicas é fruto de um projeto em parceria com o Sebrae e o Grupo Laces, uma das referências no mercado de tratamentos saudáveis. São quase 20 pequenas marcas. Se forem bem aceitas pelos consumidores, passarão a serem vendidas em toda a rede.
Ainda na cobertura da loja funciona um salão de beleza para aplicação dos produtos orgânicos, um bar e uma área verde de lazer que pode abrigar eventos ou simplesmente pode ser usada pelos clientes para “matar o tempo”. “O objetivo desse ecossistema é que as pessoas tenham 15 minutos de férias no meio da Paulista, um respiro”, diz Minoru.
“A Soneda criou um destino para se diferenciar e fortalecer a sua marca”, observa o consultor Terra sobre a loja conceito. Ele lembra que o que está em jogo é o setor de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos (HPPC) brasileiro, que é o quarto maior do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, China e Japão, segundo dados da empresa de pesquisa Euromonitor Internacional. Em 2022, o setor movimentou R$ 168,8 bilhões, incluindo lenços de papel e descartáveis.
Fabricantes de produtos de higiene, beleza e cosméticos fecharam o ano passado com crescimento no faturamento, excluindo impostos, de 13,2% em relação a 2021, segundo o Painel de Dados de Mercado da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC). O segmento de perfumaria teve o maior crescimento (21%), seguido por cosméticos (16%), descartáveis (10,2%) e higiene pessoal (9,9%), na mesma base de comparação.
“Quem chegar primeiro nesse mercado, vai beber água limpa”, diz Terra sobre o avanço da concentração, da profissionalização e da maior concorrência no varejo que ele espera para o setor nos próximos anos.
Fonte: Estadão