A pandemia que obrigou a maior parte do varejo a fechar as portas fez disparar as vendas por “marketplaces”, ou shopping centers na internet. Mas a falta de crédito a pequenos e médios vendedores, que são mais da metade do número de lojas nesse tipo negócio, deverá mudar essa configuração, levando a uma “limpeza” da base de lojistas.
Esses vendedores de menor porte sofrem com dificuldades de caixa, falta de crédito e limitações de estoque. Ao mesmo tempo, redes e lojistas mais estruturados, de maior porte, tem crescido nessas plataformas. Isso deve levar a um primeiro movimento de consolidação dos vendedores no marketplace no país, dizem especialistas.
Um segundo movimento já vem ocorrendo desde abril. Empresas como B2W e Mercado Livre, que operam no segmento, vêm ampliando a venda direta de certos produtos, em parte, para ocupar o vácuo deixado por lojistas que ficaram sem crédito para operar.
“O marketplace está surfando nessa crise, com crescimento nas vendas de até três dígitos. Mas a aversão ao risco e o encarecimento dos recursos, mesmo com queda nos juros, vai quebrar muito lojista pequeno porque essa expansão do on-line não ocorre em todos os segmentos”, afirma Roberto Wajnsztok, CEO e fundador da Origin Consultoria, focada no on-line.
“Há setores que ainda estão bem parados, como moda, e que já vinham jogando toda a sua venda no marketplace como alternativa de canal após a recessão. Teremos uma limpeza da carteira porque as redes [varejistas] e as fintechs, que liberam linhas para esse vendedor, estão mais seletivas”, diz o especialista. “E isso já está começando. Vão dar socorro para o ‘filé’ e deixar a carne de pescoço. Isso tudo vai acabar levando a uma ‘seleção natural’ nesse mercado”.
Para Gabriel Lima, fundador da Enext, consultoria digital com 60 clientes, deve ocorrer uma consolidação do setor, com alguns lojistas saindo mais fortalecidos desse movimento. “Pesquisas com nossos clientes mostram que o consumidor tem feito um número menor de compras, mas com valores maiores. Isso também vai ajudar a consolidar o setor”.
Segundo ele, no início do isolamento social, houve um rápido aumento na busca pelos marketplaces por parte de pequenos e médios lojistas, que até então resistiam ao canal, em parte pelas taxas cobradas – o dono da plataforma fica com 10% a 20% do valor da venda do lojista. Essa demanda permanece, mas agora se vê que esse movimento não está ocorrendo de forma tão estruturada.
“A loja que começa a vender no marketplace agora conta com a entrada do recurso para fazer caixa e dar conta da entrega. Muitas vezes, já tem pontos físicos com estrutura de custos fixos que continua pressionando as suas despesas. Essa conta não fecha”, afirma.
Segundo ele, bancos e fintechs são os maiores fornecedores de crédito para lojistas nos sites. Havia uma expectativa de que as fintechs tivessem acesso a maior volume de recursos, com apoio do Banco Central nesse processo. O BC chegou a anunciar neste mês de maio medidas como a criação de linhas de crédito para as fintechs com apoio do BNDES. Mas essas linhas só entrarão em vigor entre junho e julho. “Isso é algo que não avançou tão rápido. A boa notícia é que as varejistas têm um grande volume de dados dos seus vendedores, o que facilita na definição de níveis de risco do vendedor e do controle da inadimplência das fintechs que operam em parcerias com as varejistas”, diz Lima.
No Brasil, as empresas em que o marketplace tem maior peso na receita são Mercado Livre, B2W, Amazon e Magazine Luiza.
A B2W disse a analistas, semanas atrás, que sentiu sinais de desabastecimento em seu marketplace e por isso aumentou a venda direta de alguns produtos. Raoni Lapagesse, diretor de relações com investidores, afirmou, na ocasião, que a situação estava sendo normalizada após abril. O Valor apurou que isso ocorreu com lojistas de eletrodomésticos e eletrônicos. A B2W opera linhas de crédito aos lojistas por meio de fintechs, que ficam com o risco da operação.
Para tentar dar maior fôlego aos vendedores, a B2W decidiu ampliar a base de lojistas elegíveis a crédito, e abriu a possibilidade de renegociar contratos atuais, com carência de até 75 dias. “As renegociações visam redução do valor da parcela e tratam, caso a caso, as melhores condições para os ‘sellers’ terem menos impactos neste período”, informou a B2W em relatório de resultados de janeiro a março, publicado neste mês.
Um executivo do varejo on-line disse que já está havendo, desde abril, aumento na taxa de desconto de recebíveis dos lojistas nas linhas oferecidas por marketplaces, por conta de um repasse da maior aversão ao risco no mercado.
O Mercado Livre opera por meio de plataformas como o Mercado Pago e do Mercado Crédito, e seus recursos abastecem as linhas oferecidas nesses sistemas. Por conta da crise gerada com a pandemia, a empresa diminuiu o volume de crédito a comerciantes e consumidores “significativamente”, disse, recentemente, Pedro Anrt, diretor financeiro do grupo. A redução na carteira de crédito comercial nos países onde atua (incluindo Brasil) foi de 21,1% de janeiro a março.
Após março, a empresa passou a aumentar a compra direta da indústria de alguns produtos, para manter abastecimento normal e “suprir a ausência” de determinadas linhas ou vendedores, disse ao Valor dias atrás, Stelleo Tolda, vice-presente de operações. O Mercado Livre fez isso na área alimentar e de produtos eletroeletrônicos no primeiro trimestre. O executivo ressaltou, porém, que não vê no momento dificuldades mais sérias de falta de mercadorias em seu site e que vem mantendo a inadimplência controlada no Brasil.
Outro movimento que está sendo notado é mais lojistas de marketplaces usando os serviços de logística dos sites. B2W, Mercado Livre e Magazine Luiza oferecem esse serviço.
Fonte: Valor Econômico