A varejista Ricardo Eletro, única marca da holding Máquina de Vendas, tenta recuperar seus resultados. A projeção para este segundo semestre é de um lucro operacional de R$ 70 milhões, mas o fechamento do ano ainda será no vermelho. O prejuízo operacional deve cair de R$ 450 milhões, em 2018, para cerca de R$ 30 milhões.
A empresa entrou com pedido de recuperação extrajudicial em agosto de 2018, com uma dívida de R$ 1,5 bilhão com bancos e de R$ 1 bilhão com fornecedores.
Embora o acordo com os credores tenha sido fechado em janeiro deste ano, a empresa ficou até meados do ano respondendo a contestações na Justiça, o que acabou atrasando o processo de retomada da operação. E, também neste ano, houve outra mudança de peso: a saída da empresa do sócio Luiz Carlos Batista, dono e presidente da Lojas Insinuante.
Esta marca foi um nome forte no Nordeste e foi também peça central na criação do grupo Máquina de Vendas, em 2009. Batista deixou a sociedade após a homologação do plano, no início do ano. Batista, que detinha pouco menos da metade do grupo, vendeu sua parte para Ricardo Nunes, fundador da mineira Ricardo Eletro. Juntos, os dois empresários planejaram a criação da Máquina de Vendas há dez anos.
Além de Ricardo Eletro e Insinuante, a Máquina chegou a abrigar as varejistas City Lar, Eletro Shopping e Salfer. Na configuração atual, restou apenas a Ricardo Eletro.
Batista e Nunes se desentenderam anos atrás. Divergiam sobre como integrar os negócios e também em relação à própria divisão acionária da companhia, segundo fontes. Os dois sempre negaram problemas. A crise financeira da rede acabou aprofundando os desgastes, apurou o Valor.
A Starboard Restructuring Partners, especializada em recuperar companhias em dificuldades, tem 72,5% da Máquina; Nunes, 25,3%; e a família Salfer, 2,2%. Agora, passada a fase de contestações do plano na Justiça e da saída de Batista, os sócios dedicam-se a recuperar o negócio.
Vestindo camisa branca com o emblema “Ricardo Eletro” estampado, o mesmo usado por vendedores nas lojas, Pedro Bianchi, sócio da Starboard, fala em “renascimento” da companhia.
Não é algo fácil, considerando o cenário de forte concorrência no setor — liderado pelas redes Magazine Luiza e Via Varejo, dona de Casas Bahia e Ponto Frio, dizem consultores. Há também a questão do caixa da companhia.
Pelos 72,5% de participação, a Starboard acertou fazer aporte de R$ 250 milhões na varejista. Cerca de R$ 195 milhões foram injetados em março, frente às necessidades do dia-a-dia da operação. Uma segunda tranche, de R$ 55 milhões, ocorreu em junho, perfazendo o aporte total projetado. Isso feito, a empresa precisa passar a gerar caixa de forma sustentável. Questionado sobre novos aportes, Bianchi afasta a possibilidade.
“Em junho, geramos R$ 2 milhões de Ebitda [lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação], quando atingimos o ‘break-even’ [receitas iguais a despesas]. Em julho, atingiu R$ 4 milhões e em agosto, R$ 7 milhões”, diz. “Ainda fecharemos no negativo no ano porque tivemos perda de R$ 100 milhões até junho, mas mesmo assim será menor que o Ebitda negativo de 2018”. O prejuízo operacional no ano passado foi de R$ 450 milhões no ano passado. Neste ano deve ficar em cerca de R$ 30 milhões.
“Nosso receio inicial era se a venda viria, após as primeiras mudanças no negócio, e com a retomada no abastecimento. Porque sabemos que a marca perdeu muito. A venda veio e isso já nos tranquilizou”, disse Bianchi. A rede tem 490 lojas.
A projeção é de pequeno lucro mensal a partir de agosto. O plano contempla cortar despesas operacionais e reduzir despesas financeiras.
Bianchi diz que a despesa operacional mensal caiu de R$ 262 milhões em média, no ano passado, para R$ 200 milhões. O principal risco é que os cortes afetem o nível de serviço. O executivo nega esse efeito. Afirma ainda que contribuiu para a redução de despesas o fechamento de 57 lojas com baixo desempenho localizadas em shopping centers.
Sobre o resultado financeiro, Bianchi diz que essa despesa hoje refere-se, basicamente, a custos com antecipação de recebíveis e linhas de fomento. As despesas financeiras mais pesadas foram transferidas a uma outra empresa, segundo o plano de pagamento negociado com os bancos em 2017.
Na época, foi fechado um acordo com Itaú, Bradesco e Santander, que levou à criação da MV Participações. A MV emitiu R$ 1,5 bilhão em debêntures compradas pelos três bancos, que já eram credores da Máquina. Esses recursos saíram da MV e viraram aporte na Ricardo Eletro. Com isso, a dívida foi “transferida” da Máquina à MV, empresa de Ricardo Nunes. Pelo acordado, 10% dos recursos que entrarem na MV serão usados para pagar os bancos.
Sobre as vendas da empresa, Bianchi diz que há uma reação na demanda nos últimos meses. Questionado se isso pode ser efeito de uma base de comparação baixa em 2018, ele descarta que seja apenas efeito da base.
No ano passado, a empresa faturou R$ 2,9 bilhões. A projeção deste ano, mesmo com as expectativas positivas, é de venda de R$ 3 bilhões. Sobre isso, Bianchi explica que há impacto da redução do tamanho da rede. “Temos que pensar que, na verdade, não vamos perder venda mesmo fechando loja e tendo passado parte do ano finalizando [o plano] com credores”, afirma Bianchi.
Em junho, a companhia vendeu R$ 160 milhões, em julho, R$ 180 milhões, e a previsão é chegar em dezembro em R$ 290 milhões. “Em junho, a venda da área de vídeo cresceu 132%, portáteis, 55% e celular, 25%. Em agosto, a receita da empresa cresceu 117%”. Para 2020, a projeção é faturar R$ 4,5 bilhões.
O executivo sustenta que as vendas estão crescendo como resultado de ações internas. A empresa, disse, unificou a área de venda de produtos e de comercialização de serviços como o de garantia estendida. Hoje, o próprio vendedor apresenta os produtos financeiros. “Isso aumenta receita financeira”, diz.
Também cresceu em 60% neste ano o número de lojistas que vendem no site da empresa (“marketplace”). Os lojistas pagam taxas de comissão a cada venda, o que eleva a receita total. São cerca de 1,5 mil lojistas.
O site da empresa terá o layout reformulado nos próximos 60 dias — a última renovação foi em 2014.
A empresa também entrou em negociação com bancos para abrir uma nova carteira de crédito para a operação on-line.
“Estamos formatando um banco digital. Deve se chamar Ricardo Cred ou Ricardo Bank, com uma linha de R$ 600 milhões. Estamos conversando com dois bancos, para fecharmos com um”, diz.
Nas negociações com a indústria, o acertado foi que “credores parceiros” mantivessem linhas de créditos para compra de produtos no valor de R$ 800 milhões, equivalente a três meses de capital de giro. Isso foi sendo consumido nos últimos meses. Bianchi diz que busca novas linhas, e que a indústria está aberta a negociar. Para fontes do setor, a rede tenta hoje criar uma agenda positiva no mercado e os com fabricantes. “Se a indústria aumentar a concessão de linhas, eles podem reduzir o volume de FIDCs [fundos formados por recebíveis, e que cobram taxas] como fonte de recursos”, diz um fornecedor.
O Valor conversou com dois fornecedores, de TV e fogão, e eles afirmam que a liberação de crédito é gradual. “Eles têm pago direito, não há atraso depois do acordo fechado , mas ainda é um processo de recuperação. Eles reduziram muitas lojas, a demanda caiu e o crédito também”, diz uma fonte.
A companhia diz que vai se manter fora da disputa por mercado travada entre as duas líderes — Magazine Luiza e Via Varejo (Casas Bahia e Ponto Frio).
A área de estratégia de preços (“pricing”) da Ricardo Eletro é comandada, desde maio, por Regina Schneidewind (ex-Netshoes). A ordem é ser “racional”. “Os dois vão ficar brigando, e a gente quer ser a terceira margem desse rio. Até porque nossa situação é outra, pelo que a empresa passou”, afirma Bianchi. “Eles têm o luxo de poder abrir mão de margem, por exemplo, nós não”, diz. “E a indústria fica achatada tendo que negociar com essas duas [varejistas], e agora nós somos uma terceira opção, mas sem deixar na mesa a rentabilidade”, diz.
Única bandeira da Máquina de Vendas, varejista fechou 57 lojas de baixo desempenho em shopping centers
Fonte: Valor Econômico