Trocar executivos, bolar metas agressivas, cortar custos até o osso e, se tudo der certo, ganhar muito dinheiro. Em qualquer lugar do mundo, esse costuma ser o roteiro planejado pelos fundos de private equity ao comprar participação numa empresa. A história, porém, nem sempre é tão linear. Um estudo publicado no final de 2017 por pesquisadores da escola de negócios Insper, em São Paulo, indica que só 41% dos empreendedores brasileiros que tiveram fundos de investimento como sócios recomendam a experiência sem ressalvas. A maioria que não recomenda aponta como problema mais frequente a falta de conhecimento do negócio por parte de investidores que, apesar disso, botam a mão em quase tudo. O resultado pode ser catastrófico, como demonstra o caso da fabricante de alimentos BRF, sob o comando do fundo Tarpon e do empresário Abilio Diniz. Uma sucessão de mudanças na estratégia e na operação resultou num prejuízo histórico de 1 bilhão de reais em 2017. Em outra escala, bem menor, o caso da varejista de material de construção gaúcha Quero-Quero, sob o comando dos banqueiros do fundo de investimento americano Advent, constitui um contraponto: é possível reconhecer e consertar os próprios erros — mesmo na efêmera passagem dos fundos pelas empresas que adquirem.
Assim como a BRF, a Quero-Quero tinha uma operação redonda até ser comprada por investidores. Nas mãos do Advent, sofreu com mudanças na gestão, ironicamente feitas com o intuito de aumentar a eficiência, e só retomou os bons resultados quando os novos donos se renderam ao estilo do interior. Hoje, com 261 lojas — 116 mais do que tinha antes —, a empresa faturou pouco mais de 1 bilhão de reais em 2017. A sensação no Advent é de missão cumprida. O fundo contratou três bancos em dezembro para preparar a abertura do capital ainda neste semestre, numa clássica rota de saída. O Advent e a Quero-Quero não comentam.
As desventuras do Advent derivaram do ímpeto de trazer para uma empresa cinquentenária, fundada por um filho de imigrantes alemães, todo o receituário pronto de gestão considerado infalível — mas que, no interior do Rio Grande do Sul, não deu certo. Quando levaram 97% das ações da Quero-Quero em setembro de 2008 (o restante ficou nas mãos de antigos diretores), os executivos do Advent decidiram mudar a sede original da varejista na tranquila Santo Cristo, perto da fronteira com a Argentina, a 500 quilômetros da capital, para a mais movimentada Cachoeirinha, na região metropolitana de Porto Alegre, facilitando o acesso dos novos acionistas vindos de São Paulo e a atração de executivos de mercado. Na troca do campo pela periferia, perdeu gente — hoje restam 20% do time original. A cobrança de devedores, antes feita pelos próprios funcionários, foi terceirizada. Na tentativa de reduzir a complexidade do portfólio, que vai de bicicletas a torneiras, a empresa cortou diversos itens que vendia. Mas abortou o plano de encolher ainda mais a variedade, pois os clientes queriam a presença de produtos como bateria para carros e pneus. Até a tradicional venda com carnê, comum no interior, foi suspensa num primeiro momento, e depois retomada. Desde outubro de 2010, a missão de consertar o estrago é do paulista Peter Furukawa, de 50 anos, que recebeu ações da companhia em troca do desafio. Ex-presidente da rede de alimentação IMC, na qual o Advent também tem participação, Furukawa havia sido diretor de operações da Pernambucanas.
Uma das primeiras medidas de Furukawa foi percorrer toda a rede, em mais de 150 cidades. Nessa andança, deparou com situações inusitadas. Ao buscar a causa da queda nas vendas de certa loja, por exemplo, ele descobriu que se tratava de um boicote popular ao gerente, que rompera o noivado com uma moça conhecida na cidade. “É algo que jamais aconteceria numa capital”, afirma Furukawa. Além de exemplos anedóticos, ficou clara a necessidade de fazer mudanças estruturais. Uma delas era reverter a centralização da cobrança de inadimplentes, que voltou a ser feita, em parte, pelos gerentes. Uma vez por semana eles telefonam para os cinco maiores devedores. Às vezes é preciso ir à casa de quem não tem acesso a telefone. Certa vez, na região rural de Tupanciretã, município gaúcho com 22 000 habitantes, o freguês contou que não tinha como honrar a dívida de 1 000 reais porque precisou pagar o tratamento de saúde de sua mulher doente. Mas podia oferecer potes de melado, feito por ele. A oferta foi aceita. Durante duas semanas a Quero-Quero teve um item inédito na prateleira. A venda quitou a dívida e rendeu um troco, devolvido à família. Na mesma toada de ir para a rua, gerentes e vendedores frequentam eventos locais, como jogos de bocha, para manter a proximidade com os clientes. Nos últimos três anos, a Quero-Quero realocou 30% de seu investimento de publicidade dedicada à TV para dobrar o volume de anúncios em rádios locais.
Também foi Furukawa quem reverteu o ímpeto de simplificar o portfólio. A rede vende cerca de 8 000 produtos, entre material de construção, móveis e eletroeletrônicos — uma combinação também encontrada em outras redes concorrentes locais. Motos, instrumentos musicais e aparelhos de ginástica saíram das lojas. Bicicletas, pneus e baterias para carros ficaram. “Já quis tirar, mas os vendedores não deixam”, diz Furukawa. A explicação, de novo, está no perfil de compra dos consumidores locais, com menos acesso a grandes centros de varejo. Para reforçar o foco na construção, a saída foi ampliar o portfólio desses itens, cuja parcela nas vendas cresceu de 60%, em 2014, para 72%, em 2017. A aquisição de nove pequenas lojas desse segmento acrescentou 1 000 novos produtos.
A Quero-Quero é a quinta maior rede de varejo de material de construção no país, atrás das estrangeiras Leroy Merlin, C&C, DiCico, e da catarinense Cassol, segundo a consultoria Euromonitor. Juntas, essas cinco empresas detêm 23% das vendas de 50 bilhões de reais por ano. Mas a Quero-Quero não compete de frente com nenhuma delas, que só atuam em cidades maiores. “A operação parece estar um brinco, mas, pelas peculiaridades, dificilmente será alvo de aquisição por um grupo maior”, diz Ana Paula Tozzi, especialista em varejo da AGR Consultores. Para a Quero-Quero, a rota para crescer parece estar mesmo na consolidação em cidades menores do interior, que geram metade da riqueza do país. Nesse nicho, seu principal competidor é o grupo familiar gaúcho Lojas Becker, com 227 unidades. “Abrimos uma loja por mês na última década”, diz Eleonor Becker, presidente da companhia. Embora a indústria pesada de construção tenha registrado queda em 2017, o consumo de materiais no varejo cresceu 6%. Até 2022, Furukawa projeta que a Quero-Quero poderá abrir 250 lojas na Região Sul e atingir mais de 500 pontos de venda. Os tropeços atrasaram a meta inicial do fundo de atingir 400 lojas em 2013. Mas espera-se que tenham trazido lições valiosas para que, daqui para a frente, os executivos da empresa não fiquem somente no quero.
Fonte: Exame