Com 16% de alta real, o formato foi o único a elevar vendas no ano passado. Mas há dúvidas se os empresários conseguirão sustentar o crescimento nos próximos anos
O atacarejo foi o único formato que apresentou aumento real no ano passado. A alta foi de 16,2%, contra a queda de 1% do setor como um todo. Em 2015, o faturamento do cash & carry alcançou R$ 69,4 bilhões, ultrapassando pela primeira vez os hipermercados, que venderam R$ 69,1 bilhões. Assumiu o posto de segundo formato mais importante do varejo alimentar, com participação de mercado de 18,2%, contra 15,5% de 2014. As razões do crescimento são conhecidas. Com a crise, o formato atraiu mais consumidores em busca de preço baixo. Soma-se a isso a expansão de lojas, seja por meio de inaugurações ou conversões de filiais de outros formatos. Mas a pergunta que se faz é: os empresários do setor conseguirão sustentar esse crescimento no longo prazo?
Não há dúvidas de que, em um horizonte curto, o formato continuará em ascensão. Pesquisa do BCG (The Boston Consulting Group) com 2.005 brasileiros, realizada no ano passado sobre as perspectivas para este ano, mostra que o consumidor continuará lutando para economizar. Ele planeja reduzir os gastos em todas as categorias e adquirir versões mais baratas de alimentos e não alimentos. Afinal, 32% acreditam que a inflação reduzirá o poder de compra em 2016, contra 21% do ano anterior. E 16%, contra 11% em 2015, estão preocupados em perder o emprego.
A principal dúvida é o sucesso do cash & carry no longo prazo. Os especialistas acreditam que ele tem tudo para se consolidar de vez. Mas as opiniões se dividem quanto às estratégias que deverão ser adotadas. Para Silvia Sonneveld, sócia do BCG, será preciso optar pelo consumidor final ou pelos pequenos comerciantes. “Será impossível focar os dois públicos ao mesmo tempo. As necessidades de cada grupo são muito diferentes” enfatiza a executiva.
Se a opção for o cliente final, as unidades terão de se aproximar mais dos bairros e reduzir um pouco a área de vendas. Elas também deverão oferecer mais perecíveis, como carnes, frios e hortifrútis. Isso, claro, mantendo a loja despojada, com poucos funcionários, sortimento de perecíveis limitado ao básico, e um mix de marcas pequeno para preservar a escala de compra. Caso a ideia seja focar pequenos varejos e transformadores, a estratégia deverá ser outra. O atacarejo precisará de instalações com maior área e corredores largos para o acesso de paletes e de carrinhos de compra grandes. Também precisará oferecer preços ainda mais agressivos e serviços, como televendas e entrega. “Nos dois casos, o fundamental será estabelecer um mix enxuto, para manter o custo baixo e os preços bem acessíveis,” alerta Silvia.
No futuro, será necessário ampliar a cesta de produtos – sempre sem exageros. Segundo a sócia do BCG, os atacarejos europeus escolhem uma ou duas categorias ‘nobres’ para se diferenciar da concorrência. Se optam por vinhos, oferecem 10 SKUs a preços matadores.
Guilherme Tiezzi, sócio da consultoria Agenttia, especializada em redes de distribuição, também acredita na inclusão de itens diferenciados no mix. “O formato deverá explorar mais o conceito de caça ao tesouro: fazer com que o cliente encontre um item diferente, a preços muito baixos, e saia da loja com a sensação de ter feito um excelente negócio”, diz. Segundo ele, essa estratégia, que pode ser adotada para clientes finais ou pessoas jurídicas, tem sido bem-sucedida em atacados internacionais. “A rede Costco, por exemplo, investe em um mix temático, como luzes de Natal, ou negocia paletes inteiros de packs ou embalagens exclusivas com os fornecedores”, afirma. Alguns especialistas, contudo, defendem que é preciso cautela ao tentar remodelar o cash & carry. “É preciso evitar que o formato perca sua identidade original e suas vantagens competitivas, como volume de compra e custos operacionais baixos”, afirma Alexandre Ayres, diretor da consultoria Neocom Informação Aplicada.
Ao tentar aproximar o atacarejo do consumidor final o empresário corre o risco de apenas antecipar as vendas, já que a família se abastece com grandes quantidades e reduz a ida à loja. “Isso diminui a compra por impulso, que representa 30% do tíquete”, diz. “Aproveitar uma oportunidade conjuntural, como a que vivemos é válido, mas o futuro precisa ser bem avaliado”, alerta Ayres.
No futuro, os atacarejos precisam optar por atender o consumidor final ou o pequeno varejo. No primeiro caso, é necessário localizar as lojas mais perto dos bairros e incluir alguns perecíveis no sortimento. Já atender a pessoa jurídica exige lojas maiores e corredores mais largos a fim de facilitar acesso de paletes, além de oferecer serviços como televendas. Em ambos os casos, o sortimento precisa ser enxuto para garantir escala de compra.