Em recuperação judicial desde 2018, rede de livrarias fechou unidades, renegociou com credores na pandemia e criou clube em que cliente pode pegar livro emprestado; agora, espera que inovações puxem retomada
Por Fernando Scheller
Desde 2015, quando começou a ter problemas financeiros, a Livraria Cultura vem tentando de tudo para sobreviver. Chegou a assumir a operação da Fnac – recebendo R$ 130 milhões no processo –, comprou e vendeu o site Estante Virtual, entrou em recuperação judicial, fechou lojas e renegociou disputas com editoras. Em recuperação judicial há três anos, a companhia começava a colocar a cabeça fora d’água em 2020, quando recebeu o dinheiro da venda da Estante Virtual. No entanto, 15 dias depois veio a pandemia, e a empresa se viu mais uma vez em dificuldades.
Resultado: o plano de recuperação judicial, tocado pelo escritório Felsberg & Associados, teve de ser refeito – um novo acordo foi fechado em junho de 2021. Depois de retomar as atividades, em julho último, o presidente da Cultura, Sergio Herz, diz que o negócio parece ter encontrado, enfim, um novo modelo para operar no azul – apesar do grande crescimento de gigantes como a Amazon na pandemia.
Entre as apostas da rede para essa nova fase estão o redimensionamento das lojas, a implantação de um sistema que garante o pagamento aos fornecedores no momento da venda do livro e a aposta em um clube de assinaturas de R$ 14,90 por mês.
A partir de novembro, a nova “cara” das lojas da Cultura vai ficar mais evidente, diz o presidente da empresa, com a reinauguração da unidade do Shopping Market Place, em São Paulo. Serão lojas menores, mas que terão um caráter de serviço: a ideia é ajudar o cliente a encontrar o livro que ele busca, evitando a perda da venda por limitações de estoque.
O total de unidades – que chegou a 15, em 2015 – foi reduzido a cinco. Sobraram três em São Paulo (Conjunto Nacional, Market Place e Iguatemi), uma em Porto Alegre e outra em Recife. No processo de reestruturação, a Cultura saiu de Curitiba, Salvador, Fortaleza e Rio de Janeiro.
O clube de assinaturas é outra aposta de Herz. O Cultura Pass permite que o cliente leve qualquer livro pagando R$ 14,90 por mês. Se devolver a obra em 30 dias, pode pegar outra. Caso não retorne o livro, o membro paga pelo item com 20% de desconto. A empresa também criou uma operação de livros usados, o Sebo Cultura. “Queremos os livros que estão parados nas estantes das pessoas”, diz Herz.
Além da mudança no modelo de negócios, a rede conta com a retomada da venda de livros para colocar o negócio novamente no caminho do crescimento. Segundo o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), o setor cresceu 48,5% em volume e 40% em receita na primeira metade de 2021, em relação a igual período do ano passado.
Outra questão endereçada pela Cultura foi a quebra de estoques – sem pagamento, muitas editoras deixaram de fornecer à rede. Com a implantação do sistema automático de pagamentos, a Cultura diz ter resolvido o problema. No entanto, em uma visita à loja do Conjunto Nacional, o Estadão constatou que ainda há falta de produto. Não é incomum ver mostruários tomados por DVDs ou livros antigos.
Uma fonte de mercado disse que as editoras aceitaram o plano de recuperação da Cultura – que exigiu descontos de cerca de 80% em pagamentos – porque já incorporaram o prejuízo. “Acho que ninguém tem esperança de receber os atrasados de Cultura e Saraiva”, afirmou a fonte.
Histórico
Muito conhecida em São Paulo, a Cultura começou a alçar voos mais altos em 2009, quando vendeu 25% das ações para o fundo Mezanino, da Neo Investimentos. Foi a senha para a empresa acelerar a expansão, buscando atuação nacional. O projeto foi bem até 2014, ano em que a empresa faturou R$ 440 milhões. Na época, flertava-se até com uma abertura de capital.
Mas, então, veio a recessão de 2015, que pegou a Cultura fragilizada – no momento do primeiro pedido de recuperação judicial, em 2018, a dívida já somava R$ 285 milhões. Assim como a rival Saraiva, que também está em recuperação, a companhia apostou nas megastores, modelo que se mostrou pouco rentável.
Em meio a toda essa longa “saga” de dificuldades, o que fica de lição para a Cultura? Sergio Herz hoje vê como principal erro “o crescimento exagerado e rápido com alavancagem financeira”. Na tentativa de, enfim, virar a página, ele diz que um elemento está sendo fundamental: “Os nossos fornecedores. Sem eles, não estaríamos vivos hoje.”
Fonte: O Estado de S.Paulo