Marco Aurélio Florêncio Filho*
Rodrigo Camargo Aranha**
A lei nº 12.846 de 1º de agosto de 2013, denominada popularmente “Lei Anticorrupção”, conforme o seu artigo 1º, dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, inclusive pelos funcionários das empresas.
Esta Lei demonstra a falência do Estado na fiscalização de atos atentatórios à Administração Pública, visando a forçar as cúpulas das empresas a implementação de mecanismos aptos a prevenir o cometimento de ilícitos, inclusive penais, de seus empregados. Portanto, a pessoa jurídica passou a ser responsabilizada civil e administrativamente pelos atos dos membros que a compõe, independente de comprovação de dolo ou culpa.
Na esfera criminal, apesar da responsabilidade objetiva ser expressamente vedada pelo artigo 13 do Código Penal e com amplo respaldo na doutrina e dogmática penal, a Lei Anticorrupção merece detalhado estudo, pois não raras vezes pode influenciar na responsabilização dos dirigentes das empresas averiguadas, também, no âmbito penal.
Inicialmente, quando se verifica qualquer ilícito penal cometido no interior de uma organização empresarial, é praxe iniciar-se as investigações pelos sócios da empresa ou membros do Conselho de Administração. Isso porque as empresas, pela sua própria essência e natureza, possuem divisão do trabalho, para otimização do tempo e aumento de produtividade.
Contudo, no sentido vertical de delegação de funções em uma organização empresarial, ou seja, em caso ordens dos superiores hierárquicos aos seus subordinados, vigora o princípio da desconfiança, em que aqueles que delegam ordens ficam responsáveis pelo devido cumprimento pelos delegados, nos termos do artigo 13, § 2º, alínea “c”, do Código Penal.
A título de exemplo, nos crimes contra as relações de consumo, o artigo 75 do Código de Defesa do Consumidor expressamente estende a responsabilização penal dos atos cometidos pela pessoa jurídica ao “diretor, administrador ou gerente da pessoa jurídica que promover, permitir ou por qualquer modo aprovar o fornecimento, oferta, exposição à venda ou manutenção em depósito de produtos ou a oferta e prestação de serviços nas condições por ele proibidas.”
De acordo com a Teoria do Domínio do Fato, bastante difundida nacionalmente a partir do intitulado caso Mensalão, desenvolvida principalmente por CLAUS ROXIN, mas, ao nosso ver mal interpretada no Brasil a partir do caso retro mencionado, ficou consignado o entendimento pelo Supremo Tribunal Federal de que o simples fato de ser superior hierárquico já define a responsabilidade criminal do agente pelos delitos realizados por seus subordinados. Além de ser um típico caso de responsabilidade penal objetiva, o que é proibido em direito penal, essa interpretação viola a própria Teoria do Domínio do Fato que, além de outras características, pressupõe que a pessoa que ocupa a posição de superior hierárquico tem que ter determinado a prática do crime por seu subordinado ou, pelo menos, ter concordado com a realização do mesmo.
Portanto, de acordo com a Lei nº 12.846/2013, em caso de cometimento de crimes pelos empregados de uma organização empresarial, a pessoa jurídica responderá civil e administrativamente por tais ilícitos, independente de comprovação de dolo ou culpa. Apesar da responsabilização objetiva não se estender à seara criminal, em caso de alegação de erro do funcionário, tem-se que pela aplicação da Teoria do Domínio do Fato, bem como pelo Princípio da Desconfiança, que vigora em caso de delegação de funções no âmbito das organizações empresariais, a responsabilidade criminal poderá ser atribuída aos administradores da empresa. Entretanto, é bom mencionar que se em direito penal é vedada qualquer forma de responsabilidade sem culpa, também é certo que a Lei Anticorrupção, no § 2º, de seu artigo 2º, dispõe que: Os dirigentes ou administradores somente serão responsabilizados por atos ilícitos na medida da sua culpabilidade.
*Doutor em Direito pela PUC/SP. Mestre em Direito pela UFPE. Pós-Graduado em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra. Professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e do Mestrado em Direito da EPD. Sócio do Florêncio Filho Advogados.
**Pós-Graduando em Direito Penal Econômico pela GVlaw – Fundação Getúlio Vargas. Membro Efetivo da Comissão de Direito Eletrônico e Crimes de Alta Tecnologia da OAB/SP. Sócio do Florêncio Filho Advogados.