Em agosto de 2015, fundos de venture capital que controlavam 60% do Hotel Urbano decidiram afastar os fundadores do dia-a-dia do negócio.
A maior agência de viagens online do Brasil crescia três dígitos por ano, e os fundos queriam preparar o negócio para a venda. Mas para isso, achavam que o HU tinha que ser menos startup e mais empresa de terno e gravata.
Na briga que se seguiu, os fundos exerceram o direito de nomear o CEO, afastando os irmãos João Ricardo e José Eduardo Mendes do comando da empresa que fundaram.
Deu tudo errado.
Sem a liderança dos fundadores (e sua rotina de trabalho insana, movida a Red Bull), muitos profissionais deixaram o HU em questão de meses. O faturamento despencou.
Pesado e enrijecido, de potencial unicórnio na Bolsa o HU passou a albatroz.
A estratégia comercial anterior, que focava na cauda longa e tinha quase 1/3 dos hotéis brasileiros na plataforma, deu lugar a um portfólio mais concentrado: quase 80% do inventário foi cortado. A palavra ‘execução’ perdeu espaço para ‘estratégia e planejamento’.
Com os números em queda livre e para evitar uma arbitragem que teria Francisco Müssnich, do Barbosa Müssnich Aragão, ao lado dos fundadores, os acionistas financeiros revenderam suas ações aos irmãos, que voltaram a controlar a empresa. (Pelo acordo, os fundos ficarão com 30% de qualquer venda ou IPO da empresa que aconteça até 2024.)
No ano passado, o primeiro depois da volta dos irmãos, o HU cresceu mais de 70%. Os fundadores acham que podem crescer ainda mais nos próximos anos, principalmente com a entrada do HU em outros países, o que deve acontecer no ano que vem.
João Ricardo conversou com o Brazil Journal.
Antes de você e seu irmão serem afastados da empresa, vocês tinham sócios financeiros no HU. Agora, depois da volta, vocês têm pleno controle. O fato de vocês terem essa ‘segunda chance’ mudou alguma coisa na gestão?
Nossa rotina continua parecida. Nós olhamos um monte de dados, medimos um monte de coisa e testamos mais um monte de coisa, todos os dias, de novo, de novo e de novo… Às vezes, algumas empresas de tecnologia se apegam a hypes e ficam dissertando sobre Big Data, AI, colocam piscina de bolinha no escritório, e acabam jogando a estratégia da empresa numa piscina de complexidade. Aqui não tem isso, é bem mais simples: nós medimos um monte de coisa, testamos um monte de coisa, jogamos fora o que não funciona e no dia seguinte fazemos tudo de novo.
Mas mudou alguma coisa na forma de tocar a empresa depois da volta?
Antes, assim como muitas startups, a gente tinha uma liderança ‘heróica’, ou seja, a gente gastava 90% do nosso tempo executando táticas com o objetivo de dobrar de tamanho no mês seguinte independente do custo que isso tinha. Acontece que isso funciona até certo tamanho e você tem que ter consciência de que é um mal necessário, mas um mal… Se você não tem consciência disso e começa a acreditar na sua própria bullshit… é ego, né? Nós acreditamos na nossa própria B.S.: esse foi o nosso erro e nós pagamos caro. Perdemos o controle da companhia por causa disso.
Hoje a gente continua com um mindset de startup no sentido de não punir erros, ter agilidade, ter uma estrutura horizontal… mas antes de fazer uma escolha relacionada a produto, performance, não olhamos mais o resultado que vai dar amanhã, e sim se aquilo é escalável, previsível e repetível. A verdade é que não existe bala de prata. Crescimento é a soma de centenas de pequenas ações. Às vezes até acontecem testes com resultados outlier [fora do padrão], mas a maioria do que dá certo vem de centenas de tentativas.
O mercado de OTAs (online travel agencies) tem gigantes globais como a Booking.com e a Expedia, e um player regional relevante como a Decolar.com, que agora é listada na Bolsa. Como é que o Hotel Urbano se diferencia neste mercado?
A Booking.com não é o maior retorno do S&P 500 nos últimos 10 anos à toa. Não é fácil competir com eles, mas não considero que eles sejam um “Google”. Se eu achasse isso estaria fazendo outra coisa. Em termos de produto, o foco do Booking (até por pressão do mercado) é ter a maior quantidade de quartos disponíveis na plataforma, e o nosso é ter a experiência mais simples e fácil de fazer uma reserva.
Em termos de relacionamento com o cliente, a maioria está pensando em usar AI [inteligência artificial] para escalar ainda mais o atendimento. Nós estamos seguindo o caminho oposto: ‘como é que eu uso AI para ter um atendimento cada vez mais personalizado?’
Quanto vocês cresceram em 2017? E qual foi a qualidade desse crescimento? Em outras palavras, seu ROI é positivo?
Nosso faturamento cresceu 70%. O mais importante é que isso não veio de um maior investimento em marketing, que subiu só 30% em relação a 2016. O que houve foi um grande aumento de efiência com conversão, recompra, ticket médio… De certa forma, a gente é hoje uma empresa madura, mas com crescimento de startup.
Vocês tem 12 milhões de fãs no Facebook. Vocês conseguem transformar todos estes ‘likes’ em vendas?
A gente não quer transformar likes em vendas: a gente quer alcance e engajamento. Sabe quando você entra numa loja e vem um vendedor, cola em você e começa a empurrar tudo? Tem coisa mais chata que isso? É exatamente isso que muitas empresas fazem no Facebook e se frustram porque só focam em conversão e não converte, assim como o vendedor chato não fecha a venda, porque ele é chato.
Em redes sociais, nosso principal indicador não é ROI nem conversão, é engajamento e alcance. Se as pessoas estão engajando com a gente, temos um canal aberto onde falamos com a metade da internet brasileira todos os meses. Deixamos conversão e venda para o time que foca em performance no Google e em outros canais. Se deixássemos tudo embaixo de um mesmo guardachuva teríamos vetores totalmente desalinhados, sabe, uns caras olhando conversão e outros alcance. Não funcionaria tão bem.
Vocês podem crescer de duas formas: aumentando o número de hoteis na plataforma e passando a vender viagens para clientes em outros países. Como vocês estão avançando nessas duas frentes?
A gente tem 380 mil hoteis no HU, dos quais 7 mil no Brasil — e no Brasil tem mais de 45 mil hoteis. Temos muito espaço pra crescer em relação a “produto na prateleira.” Sobre vender para outros países, eu chamo isso de “aumentar nossa superfície de atrito”. Esse é o nosso principal vetor de crescimento no longo prazo.
Hoje o HU vende para 140 milhões de pessoas, mas podemos vender para 5 bilhões — estou excluindo China e alguns países da África. Até pouco tempo atrás, nossa margem de contribuição por venda era negativa, ou seja, se aumentasse nossa superfície de atrito, nosso prejuízo também aumentava. Agora não. Passamos sete anos montando uma máquina que processa táticas de maneira eficiente. Agora é calibrar sempre mais e testar novos mercados sempre como uma nova hipótese a ser validada, como tratamos qualquer teste aqui.
Então o HU quer ter penetração global?
O Booking.com é holandês. Por que não podemos ter uma OTA [online travel agency] brasileira crescendo globalmente? Olha a ABI [Anheuser-Busch Inbev] aí!
Que tipo de empresa hoje seria um bom casamento estratégico para vocês?
A gente não pensa em M&A no sentido clássico. Uma coisa que a gente tá avaliando são parcerias com grupos que têm grande capilaridade física, como bancos que tem uma grande rede de agências ou redes de varejo com milhares de lojas. A gente tem um produto redondo, aspiracional, que o brasileiro quer. Como não temos presença física, uma parceria com alguém que tenha poderia ser bom para os dois lados.
A maioria dos funcionários do Hotel Urbano está na casa dos 20 anos. Como é que você recruta e treina gente?
A gente quer sempre uma turma competitiva que respeita as pessoas mas sempre desafia idéias. Aqui, as pessoas têm sempre que aprender coisas novas porque a cada 3-4 meses temos que ir em nosso ‘scoreboard’ de aprendizado, entregas, acertos, apagar tudo e recomeçar… temos o conhecimento mais obsoleto do mundo. Muita gente está tendo no HU sua primeira experiência profissional: eles chegam sem vícios e com muito mais perguntas do que respostas. Isso é ótimo. Lá atrás, boa parte do nosso tempo era gasto em execução. Hoje, é em treinamento. É a minha melhor alocação de tempo.
A CVC ainda não conseguiu mostrar crescimento no mercado online apesar de ter comprado o Submarino Viagens. Por que é que isso acontece?
A CVC entrega muito em seu core business, que é o offline. O Falco e o Fogaça são craques. Mas internet é outro jogo. Poucas empresas que não tem DNA online se destacam nesse campo, e quem se destaca demora pra ‘crack the code’. Um bom exemplo é o Walmart, que agora está fazendo um trabalho no online super bacana.
O HU ajudou a desenvolver alguns destinos no Brasil, como Olímpia, em São Paulo, e Barra do Piraí, no interior do Rio. Destinos que ainda não existem vão ser ‘criados’ nos próximos anos? Onde vocês vêem vocações regionais?
Na verdade, destinos turísticos são criados por padrões de demanda existentes. Acontece que na web fica mais fácil identificar essas demandas e padrões, e com certeza surgirão novos ‘cases’ como Porto Seguro (‘criado’ pela CVC) e Olímpia. O bacana desses movimentos é que ao se ‘criar’ novos destinos você tem um impacto super positivo em toda a economia da região. Há cinco anos, ninguém conhecia Olímpia. A cidade tinha 300 quartos de hotel e um hospital pequenininho. Hoje a cidade tem mais de 20 mil quartos, um parque aquático que está entre os 10 mais visitados do mundo e uma grande estrutura também em saúde e educação.
Por quanto tempo vocês vão resistir à tentação do mercado de capitais?
Uma operação saudável nos dá calma para não ter que ir ao mercado levantar dinheiro para comprar crescimento. Já levantamos capital com essa finalidade no mercado privado e isso não se sustenta. Mesmo com toda a melhora de eficiência ainda temos algumas hipóteses importantes para validar. Acho que em 10-12 trimestres de crescimento constante teremos validado boa parte, conseguiremos dar guidances sólidos e podemos pensar no assunto, não por necessidade ou para comprar crescimento mas por um caminho natural.
Em quem você vai votar esse ano?
AInda não sei, só sei que tou fugindo dos radicais. O Brasil não precisa de discursos agressivos, isso tem todo dia. Tem que eleger alguém com a cabeça boa, que sabe montar equipe e que venha com um espírito de construir, e não ficar falando do que deu errado. Isso a gente já sabe.
Fonte: Brazil Journal