Hipermercados: mudanças no hábito do consumidor brasileiro trazem nova perspectiva. Tendência é de que redes transformem lojas em mini-shoppings.
Frente à retração no volume de vendas dos hipermercados, quando comparado com outros formatos supermercadistas, varejistas do ramo precisarão se reinventar. De olho na retomada do consumo, a tendência é que esse formato de operação precise se assemelhar mais às lojas de departamentos e minisshoppings de olho no momento em que a economia melhorar.
Prova da perda de carisma desse canal de vendas junto aos clientes é que 19 das 20 maiores redes que atuam com hipermercados no País viram o faturamento por metro quadrado de suas unidades recuar no ano passado, frente ao ano anterior. “Quando os hipermercados chegaram ao Brasil, nós estávamos em outra conjuntura, com um ambiente inflacionário muito persistente. Isso fez com que eles ganhassem espaço pelo atrativo do preço. À época era comum também que as famílias realizassem compras para o mês todo e não apenas para alguns dias, como é mais comum hoje”, explica o assessor econômico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), Vitor França.
Com isso, o fluxo de clientes também tem caído em conjunto com o custo benefício oferecido por esse modelo no varejo. Um estudo da consultoria Kantar Worldpanel, por exemplo, constatou que, entre 2014 e 2015, os hipermercados perderam 5 pontos percentuais na participação de mercado, em comparação com outros canais de vendas do setor.
Segundo especialistas em varejo consultados por DCI, para reverter esse cenário, a tendência é de que as atuais unidades hiper passem a oferecer um leque de serviços e itens cada vez maior, o que transformaria esses locais em pequenos shopping centers ou até mesmo em varejistas de departamento, como são conhecidas as lojas que comercializam produtos de diferentes segmentos, tais como eletrônicos, vestuário, decoração, mobiliário e brinquedos. No Brasil, a Havan tem esse formato e, em mercados mais consolidados, como o norte-americano, as varejistas Target e Costco também são referências.
Atacado e vizinhança
Para França, o consumidor diminuiu seu fluxo de idas ao hipermercado pela falta de tempo e pela conveniência dos supermercados menores e mais próximos á sua residência. “A questão da mobilidade é hoje um fator decisivo na escolha do cliente. Na busca por preços mais competitivos, ele tem mostrado preferência pelo canal atacado”, diz França.
A mudança de hábito, nos últimos anos, reduziu a participação das vendas de alimentos no faturamento dos hipermercados. Por algum tempo, a queda era compensada com alta nas vendas de itens como vestuário, eletrodomésticos e eletrônicos.
No entanto, com a chegada da instabilidade econômica e a queda nas vendas desses itens, o canal sentiu o impacto da perda das receitas alimentícias.
“Eles perderam vendas para o atacado por uma questão conjuntural. Quando o mercado reaquecer, as vendas dos bens de consumo de maior valor agregado voltarão a ter força nas contas do negócio. Por isso, eles precisam trabalhar para que isso aconteça de forma natural”, indica o assessor da Fecomercio.
Adaptação à crise
Em um esforço para se adaptar ao cenário econômico, as maiores redes supermercadistas começaram um processo de revisão das bandeiras. O Grupo Pão de Açúcar (GPA), por exemplo, converteu duas unidades Extra para a bandeira Assaí, que tem se destacado. Além disso, a abertura da bandeira Mini Mercado Extra e Minuto Pão de Açúcar atendem as demandas do consumidor que busca mais praticidade nas compras.
No Carrefour, a bandeira Carrefour Express também entra na briga pelo consumidor de vizinhança. No atacado, a rede Atacadão ganhou mais atenção da francesa por preencher a demanda por autosserviço.
E o futuro?
Com a perspectiva de que a crise passará, agora é o momento para os varejistas repensarem suas operações de hipermercados. Entre as dicas de analistas e consultores ouvidos pelo DCI, elevar o mix e os serviços e produtos é tendência. “A saída para atrair o cliente de volta é essa: fazer com que ele busque mais que itens de primeira necessidade no hiper”, diz o chefe de consultoria da Gouvêa de Souza & AGR Consultores, Alexandre Van Beeck.
O especialista diz também que é preciso investir em tecnologia, além de reforçar a ideia de que ele terá uma experiência além da compra. “Os serviços ajudam a rentabilizar o negócio, mas só isso não basta. É preciso atrair o cliente com inovações além do que é feito hoje em dia no Brasil. Em supermercados franceses e norte-americanos, por exemplo, você encontra uma infinidade de opções que te auxiliam na hora e te ajudam a economizar tempo.”
Segundo ele, essa inovação pode se dar através de soluções de pagamento móvel, telas touchscreen e outras ferramentas.
“Entretanto, é recomendável que a empresa analise o perfil do público consumidor que está dentro da loja, se ele é aberto para essa interatividade ou se e é mais tradicional. Não se pode fazer por fazer”, ressalta.
Em um passo nessa direção, o Carrefour deve inaugurar ainda este ano um hipermercado que tem perfil alinhado com um shopping. Com cinco andares, o empreendimento vai abrigar uma unidade da varejista com 6 mil metros quadrados, 60 lojas, restaurantes e academia.
De acordo com a companhia, o novo espaço terá um conceito inédito e o hipermercado trabalhará com foco na área de alimentos perecíveis, que terá atendimento especializado.
Novo conceito
Na última quarta-feira (18), a rede paraense Condor inaugurou, em Joinville (SC), um hipermercado com mais de 36 mil metros quadrados e que demandou investimento de R$ 50 milhões.
Segundo o presidente do Condor, Pedro Joanir Zonta, a previsão é atender mais de 100 mil clientes por mês na nova megaoperação, que contará também com 61 lojas, 18 quiosques além de uma praça de alimentação com oito restaurantes confirmados.
“Joinville é a terceira maior e mais rica cidade do Sul do Brasil, com um PIB superior a R$ 21,9 bilhões, o que demonstra o grande potencial do município”, destaca Zonta, lembrando que serviços também serão agregados na megaoperação.
Para a especialista em varejo supermercadista, a sócia da consultoria BA Stockler, Angelina Stockler, o alto investimento na unidade catarinense do Condor tenha sido realizado após pesquisas de mercado que identificaram a necessidade de um empreendimento desse porte na cidade.
“Eles devem ter planejado esse investimento lá atrás, em um momento econômico mais favorável. Mas isso não significa que o modelo está esgotado. As redes de supermercados e hipermercados têm de ser como camaleões e se adaptar às necessidades do consumidor a todo instante”, recomenda.
Assim como o colega da consultoria Gouvêa de Souza, Stockler também orienta uma aposta maior na experiência de compra. “O consumidor é quem manda. Temos de monitorá-lo sempre. No momento, acredito que assegurar uma experiência positiva na compra, seja com tecnologias ou atendimento personalizado, deve ser prioridade para as pequenas e também para as grandes redes”, complementa a consultora.