Antes de assumir como diretor-presidente da Gap Inc. em fevereiro de 2015, o executivo veterano da lendária varejista americana de roupas Art Peck acreditava que tinha um grande problema na empresa: seus diretores de criação tinham muito a dizer sobre tudo.
Quando Peck assumiu, o diretor de criação da marca Gap já havia sido demitido. Alguns meses depois, a rede Banana Republic, parte do grupo Gap, fez o mesmo e o cargo foi eliminado.
Com 61 anos, Peck é duro em suas críticas ao fascínio que o setor tem por executivos de criação que possuem amplos poderes para definir a imagem de uma marca. “Nós passamos por muitos e cada um se proclamou como o próximo salvador”, disse ele. No fim, eram “falsos messias”.
Na gestão de Peck, um ex-sócio da gigante da consultoria Boston Consulting Group que chegou na Gap em 2005, a empresa colocou os executivos operacionais no controle de suas principais marcas, que também inclui a Old Navy. A Gap também expandiu o papel dos fornecedores externos — alguns deles trabalhando com suas próprias equipes de criação.
Peck prefere um modelo em que as coisas são mais descentralizadas. Os negociadores das marcas, que atuam como curadores de coleções, já não se envolvem em todas as categorias de produtos. Alguns itens, como camisas sociais masculinas, podem ser estampadas por um fornecedor estrangeiro sem a aprovação de um diretor de design. Ele também está pressionando para que os executivos prestem mais atenção às ferramentas analíticas do Google e dados de pesquisa de mercado para monitorar o gosto do consumidor.
“Agora há ciência e arte, e elas podem andar juntas” disse Peck ao The Wall Street Journal.
ENLARGE
As mudanças são parte de uma tentativa de salvar a empresa icônica de vestuário da extinção. Por décadas, suas lojas dominaram os shoppings americanos e ditaram a estética casual do país com suas calças cáqui e camisetas brancas. Hoje, a “geração do milênio”, nascida nos anos 80, não está disposta a pagar US$ 80 por um par de calças jeans, forçando a marca a depender fortemente de promoções e descontos. Redes rivais como a japonesa Uniqlo e a sueca H&M da Hennes & Mauritz AB produzem itens similares a preços menores.
“A Gap precisa ser remodelada de forma a [que volte a] ser relevante”, disse Peck a um grupo de investidores em setembro.
O valor de mercado da Gap Inc. caiu de um pico de US$ 40 bilhões em 2000 para cerca de US$ 10 bilhões, com a receita anual inalterada nos últimos dez anos, em cerca de US$ 16 bilhões.
Em 2015, Peck disse a investidores que o segundo trimestre de 2016 “era o momento inaceitável”. Mas os resultados continuaram a desapontar. No início do mês, a empresa divulgou o sétimo trimestre consecutivo de queda nas vendas, com as marcas Gap e Banana Republic registrando os piores resultados. A cotação das ações da empresa já caiu mais de 35% desde que ele assumiu, para cerca de US$ 26.
“Se tiver que fazer uma autocrítica, eu diria que subestimei o tempo” que levaria para colocar a casa em ordem, disse ele recentemente. Em entrevistas, executivos antigos e atuais da empresa dizem que as iniciativas de Peck não foram drásticas o suficiente e que sua decisão de não trazer executivos de fora para liderar as três principais divisões da Gap impediu a revitalização da varejista.
Depois do sucesso obtido pela empresa nos anos 90 com roupas informais, os gostos dos consumidores mudaram e as rivais começaram a oferecer produtos similares a preços menores, deixando a Gap e outras empresas americanas de vestuário para trás. Desde que o ex-diretor-presidente Mickey Drexler, criador da estratégia bem-sucedida da Gap, foi demitido em 2002 depois de 24 meses consecutivos de queda nas vendas, vários outros líderes e diretores de criação passaram por lá sem que conseguissem conter a retração.
“A Gap sentou à margem” e se viu tragada pelas redes de moda rápida, diz Ivan Wicksteed, ex-diretor de marketing da Old Navy. A rede de moda rápida Zara, da espanhola Inditex SA, com sua oferta de produtos em constante rotação, por exemplo, já é a maior varejista de roupas do mundo em vendas, com um valor de mercado aproximado de US$ 100 bilhões, mais de dez vezes maior que o da Gap Inc.
Com a expansão do varejo on-line, a escala da Gap — que ainda tem cerca de 3.700 lojas em todo mundo — também se tornou um fardo. A empresa é “simplesmente grande demais no novo normal, onde a distribuição física se tornou uma deficiência e a uniformidade deixou de ser interessante”, disse Simeon Siegel, analista da corretora japonesa Nomura, em uma nota de pesquisa.
Nos últimos meses, a Gap e a Banana Republic estão promovendo inovações nos tecidos— conceito que se tornou popular com a Uniqlo. Um par de calças de lã masculina na Banana Republic (US$ 98, nos EUA) é anunciado como resistente a manchas e livre de rugas; um jeans justo masculino (US$ 108) na Gap é feito com tecido elástico.
Ao contrário dos líderes da moda rápida, que continuamente compram pequenas quantidades de produtos, a Gap costumava comprar estoques para toda a estação de uma só vez, dizem ex-executivos. A menos que um modelo estivesse vendendo bem, ele certamente entraria em uma série de promoções até a próxima grande compra de estoque.
Em comparação, a Zara envia pequenos volumes de roupas para as lojas e espera pela reação do consumidor. Usando dados em tempo real, a empresa abastece as lojas com os produtos de maior sucesso em questão de dias. A varejista espanhola “tem medo de não tomar uma decisão rápida”, enquanto que a Gap “tem mais medo de tomar a decisão errada”, diz um executivo de uma fornecedora que atende as duas empresas.
Para conseguir produtos de forma mais rápida, Peck migrou parte da fabricação da Ásia para o Caribe. Ele também quer lançar produtos durante todo o ano e reduzir o tempo entre a criação e a chegada dos artigos nas lojas, levando em consideração os dados mais recentes sobre as tendências de moda.
Mas ainda há muito que melhorar. Várias pessoas em cargos de criação na Gap Inc. dizem que mesmo decisões estéticas básicas se tornaram complicadas. As coleções precisam de aprovação de várias camadas administrativas, e o resultado final acaba com um visual bem diferente do conceito inicial, dizem essas pessoas.
A nova abordagem de Peck é “tirar a voz de um único líder de criação para permitir que um ecossistema criativo flua”, diz Wendi Goldman, diretora de produto da Gap.
Peck anunciou recentemente planos de fortalecer os investimentos em marketing, incluindo os primeiros anúncios de TV da marca Gap desde 2014. A Banana Republic está voltando a sua tradição de catálogos. “Acredito que o produto é melhor que o negócio hoje na Banana Republic e Gap”, disse Peck em uma teleconferência com analistas.
Muitos jovens consumidores não estão convencidos. “A marca Gap não é moderna e é cara”, diz Andrew Martin, consumidor de Los Angeles de 24 anos. “Se eu for gastar dinheiro com roupa, vou comprar algo que considero mais legal.”