No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor entrou em vigor em 1991 e a Lei de Franquia em 1995. Desta forma, não há na nossa Lei Consumerista qualquer previsão acerca das relações de franquia, isto é, nada é mencionado sobre a aplicação das normas de proteção aos consumidores, com relação aos franqueadores, franqueados e clientes das unidades franqueadas.
Como determina o artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor, define-se consumidor como “ toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Ou nas palavras de Nehemias Domingos de Melo, que conceitua consumidor como a “pessoa física ou jurídica que adquire o produto, para uso próprio ou de terceiro, ou contrato de serviço, condicionando apenas a que seja o destinatário final, isto é, que não recoloque o produto ou serviço adquirido no mercado de consumo” (MELO, 2008, p. 32).
Por outro lado, temos a figura do fornecedor, estabelecido no artigo 3º do CDC: “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. Ao contrário do que acontece com a definição de consumidor, a classificação de fornecedor não é alvo de discussões pelos juristas. Com efeito, fornecedor é pessoa que fornece produtos ou serviços, com habitualidade e onerosidade.
Por outro lado, o artigo 2º da Lei de Franquia define franquia empresarial como “o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício”. Assim, conceitua-se franquia empresarial como um sistema por meio do qual ocorre a cessão do direito de uso de marca (ou patente) ao franqueado, associado ao direito de distribuição de produtos ou serviços.
Diante deste cenário, surgem 02 questionamentos: Aplica-se o CDC na relação franqueador e franqueado? O franqueador responde por danos aos consumidores ocorridos nas unidades franqueadas?
O que tange ao primeiro questionamento acima, é pacífico que a relação entre o franqueador e o franqueada é puramente empresarial, não se aplicando o Código de Defesa do Consumidor (vide Agravo nº 0081001-95.2009.8.26.0000 – TJ/SP), ressaltando-se que a própria Lei de Franquia expressamente prevê que entre as partes não configura o vínculo empregatício.
Quanto ao segundo questionamento, cumpre ressaltar que o franqueado representa uma unidade empresarial própria, na qual o franqueador, em regra, não participa da gestão administrativa, tampouco responde pelas suas dívidas. Sob outro ângulo, do ponto de vista do consumidor, o CDC determina que os fornecedores são responsáveis pelos vícios ou defeitos dos produtos ou serviços, independentemente da existência de culpa. Neste contexto, existem diversas decisões judiciais nas quais os franqueadores foram responsabilizados por danos cometidos aos consumidores nas unidades franqueadas. No entanto, também são comuns as demandas de consumidores nas quais são acionados os franqueadores, por fatos ocorridos nas unidades franqueadas, porém sem qualquer participação deles, inclusive na cadeia produtiva. Não me parece acertada a decisão que condena os franqueadores nestes casos. Por exemplo, segue um interessante precedente judicial do TJ/SP, no qual o franqueador teve a sua tese de ilegitimidade de parte acolhida, em pese estar caracterizado que o consumidor foi injustamente protestado pelo franqueado: “EMENTA: Prestação de serviços. Curso de cabeleireira. Desistência do curso sem obediência à cláusula 7 do contrato, ou seja, sem o pagamento de multa rescisória. Protesto das parcelas que representou exercício regular do direito. Ilegitimidade passiva da franqueadora que não protestou os títulos e que nada, absolutamente nada, tem a ver com o ato de gestão administrativa e/ou financeira da franqueada. Apelação da Autora não provida e recurso adesivo provido. (Apelação 0044708-47.2009.8.26.0576)”.
Sem dúvida este tema comporta discussões acaloradas e que serão ajustadas ao longo do tempo conforme o movimento da sociedade.
*Mario Cerveira Filho, advogado e sócio do escritório Cerveira Advogados Associados. Professor do curso MBA em Gestão em Franquias da FIA – Fundação de Instituto de Administração. Professor de Pós-Graduação em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie