Por Guilherme Pimenta e Beatriz Olivon | Pesquisa inédita do Insper indica que as discussões relativas aos tributos sobre consumo e renda, as duas fases previstas para a reforma tributária este ano, geram disputas judiciais e administrativas estimadas em no mínimo R$ 322 bilhões entre as maiores empresas do país.
O levantamento realizado pelo Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper e obtido com exclusividade pelo Valor leva em conta dados que 751 empresas prestam junto à Comissão de Valores Mobiliários – em geral, companhias abertas e empresas que negociam títulos no mercado financeiro. Assim, o estudo destaca que o número está subestimado, já que algumas empresas podem não ter informado a totalidade dos seus processos, além daquelas que não precisam prestar contas à CVM.
Ao Valor o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, ressaltou que um dos principais objetivos da reforma é reduzir esse contencioso tributário e apontou que “existe, hoje, um grande espaço cinzento na legislação do ICMS e do PIS/Cofins sobre o que dá ou não direito a crédito”, uma das principais discussões no âmbito dos tributos que incidem sobre o consumo.
“Quando há um imposto simples, fecha a divergência de interpretação, que é a base dos litígios tributários. Fraudes vão continuar existindo e precisam ser punidas, mas a maior parte resulta em problemas de interpretação da legislação muito complexa”, afirmou Appy. Ele frisou que a Fazenda ainda está formulando detalhes sobre as mudanças nas regras do IR e disse que o objetivo será o mesmo na segunda etapa: dar mais clareza e segurança jurídica.
Entre os temas envolvendo os litígios no âmbito do consumo, o tributarista Breno Vasconcelos, responsável pela pesquisa, destaca os processos discutindo a forma de cálculo de créditos presumidos de ICMS e outros incentivos fiscais, que provavelmente serão gradativamente extintos pela reforma, além de conflitos de competência entre Estados e municípios nas atividades mistas (serviços e mercadorias, como locação de equipamentos com mão de obra), também resolvidos pela criação de um imposto único, com base ampla.
Como no Brasil o contencioso tributário é muito grande e o processo tributário é longo, temos menor porcentagem de provisões”
Os incentivos fiscais, usuais no ICMS, também geram contencioso envolvendo PIS e Cofins. Entre os processos identificados na pesquisa, muitos se referem à incidência ou não das contribuições sobre créditos presumidos do imposto e outros benefícios, segundo Thais Shingai, coautora do estudo. “Há também muitas discussões sobre o aproveitamento de créditos da não cumulatividade de PIS e Cofins que decorrem do excesso de restrições ao creditamento existentes na legislação.”
O Ministério da Fazenda esperava aprovar a primeira etapa da reforma tributária ainda neste semestre na Câmara dos Deputados e, até o fim do ano, no Senado. As mudanças nas regras sobre a renda estão sendo conduzidas na pasta por Daniel Loria, que também é pesquisador do Insper. Ele conduziu, por exemplo, a recente medida provisória responsável por instituir a taxação do capital estrangeiro no exterior, tida na Fazenda como “prefácio” da reforma nas leis dos tributos sobre a renda.
De acordo com a pesquisa, o principal motivo de litígio em relação ao Imposto de Renda são discussões relacionadas a deduções. O núcleo levantou que o IR da pessoa física (IRPF) foi objeto entre 2018 e 2022 de 18.420 decisões no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão recursal da Receita Federal. Um grande gargalo são as deduções, segundo Vasconcelos: “Em geral deduções de saúde e educação servem para quem tem dinheiro para pagar por educação e saúde”. A pesquisa informa que esse tema foi alvo de 995 decisões em 2022.
Os dados indicam 266 processos divulgados por 163 empresas sobre Imposto de Renda, sendo a maior parte divulgada como de perda possível – poucos têm a indicação de perda provável.
Já em relação aos litígios relacionados ao IRPJ (pessoa jurídica), entre 2018 e 2022 o Carf proferiu 10.875 decisões. A maior parte das discussões em número – não em valor -, 563, diz respeito a créditos, compensações de forma geral.
Thais Shingai destaca que a maior parte do contencioso tributário de Imposto de Renda, de acordo com esses dados, em valor, decorre da questão do ágio. Ela ainda pondera que os números enviados à CVM provavelmente são subestimados, porque dependem da análise de risco para integrarem as demonstrações financeiras. “Como no Brasil o contencioso tributário é muito grande e o processo tributário é longo, em comparação com os dados internacionais, temos menor porcentagem de provisões de questões tributárias.”
Vasconcelos comenta que, quando se fala em reforma da tributação da renda, tem-se a ideia de trazer a tributação de dividendos, tema sobre o qual não existe contencioso por não ser tributado.
Nesse sentido, ele considera que pode ressurgir um contencioso do Imposto de Renda que não aparece hoje, mas já existiu. Assim, explica que, com eventual tributação de lucros e dividendos, poderão nascer litígios relacionados à “distribuição disfarçada de lucros”, envolvendo pagamentos da pessoa jurídica à pessoa física como forma disfarçada de distribuir lucros.
Na avaliação de Meily Franco, vice-presidente de Comissões Técnicas do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de SP (Ibef), a reforma diminuirá o contencioso tributário desde que seja “estruturada, que respeite princípios constitucionais tributários, mas que não tenha predileção por setores da economia”. “Leis malfeitas e casuísticas geram divergências na sua interpretação, excesso de discussão, dificuldades na aplicação adequada e sistemática da jurisprudência”, pontuou.
Ela diz que o contencioso tributário é caro e traz insegurança jurídica. “Além disso, gera impactos contábeis com os lançamentos de provisões, financeiros com o pagamento de custas judiciais e emissão de garantias, impactos nos ratings de crédito, dentre outros.”
Fonte: Valor Econômico