Por Fátima Fernandes | Faz tempo que os shoppings deixaram de ser os tradicionais centros de compras, como foram constituídos, para se transformarem também em polos de entretenimento e lazer.
É só prestar atenção para ver que restaurantes, sorveterias, cafés não estão mais concentrados em praças de alimentação, espalhando-se por todo o empreendimento.
Mais recentemente, outro movimento começa a mudar ainda mais a cara dos shoppings centers no Brasil.
Até então localizadas em subsolos, redes especializadas em serviços para a saúde e o bem estar estão subindo para os corredores principais, em espaços antes ocupados por âncoras.
Este sobe e desce de setores, que antes eram vistos como complementos para os centros de compra, passou a ser essencial para atender novas demandas de clientes e reduzir vacâncias.
Resultado: ao mesmo tempo em que varejistas tradicionais fecham lojas para minimizar crises financeiras, serviços ligados à saúde e à estética ganham espaço em centros comerciais e ruas.
AS REDES
Idealizada em 2020 no meio da pandemia do novo coronavírus, a Plena Face, rede de franquia especializada em estética facial, deve terminar este ano com 15 lojas em shoppings e ruas.
Daniel Zanco, sócio e co-fundador da franquia, que já foi executivo de Hering e Arezzo, afirma que mudanças de comportamento dos consumidores o levou a investir no negócio.
“O ‘ser’ passou a ser mais importante do que o ‘ter’, especialmente a partir da pandemia, levando as pessoas a prestar mais atenção na saúde, no bem-estar e na aparência”, afirma.
Com as videoconferências, diz, os rostos ficaram mais evidentes, causando o chamado efeito zoom. Isto é, a necessidade e a vontade de fazer melhorias na face para as apresentações.
E é exatamente neste campo que a Plena Face atua, com tratamentos faciais que vão desde peelings e aplicação da toxina botulínica (Botox) até preenchimento e microagulhamento.
“O nosso objetivo é democratizar procedimentos antes realizados somente pela classe A”. O tíquete médio dos serviços é de R$ 1.500, valor que pode ser parcelado em até dez vezes.
Com pouco mais de um ano, a Laser & Co já possui 34 lojas no país, das quais 31 em shoppings. Os planos são fechar 2023 com 90 unidades no Brasil e ainda entrar no México e nos EUA.
O foco da rede são os serviços estéticos a laser, como rejuvenescimento facial, remoção de manchas e tatuagens, tratamento de flacidez e estrias, além de depilação.
Serviço de rejuvenescimento facial a laser, que custa cerca de R$ 1.200, pode ser parcelado em até 12 vezes. Isso é possível porque a empresa compra grandes volumes de equipamentos.
“Este modelo de negócio, que democratiza os serviços para o bem-estar, é muito bom. Estamos abrindo uma loja a cada 18, 19 dias”, afirma Rafael Estevez, co-fundador da Laser & Co.
Estevez fundou a Botoclinic, rede de franquia que, no primeiro ano, abriu cem lojas, e foi vendida para um fundo de investimento da XP, em 2019, com quase 200 unidades no país.
A Laser & Co começou o processo de abertura de franquias no final do ano passado. No mês que vem estão previstas inaugurações de seis lojas com este modelo.
Com 49 unidades, a Tecfit Brasil, rede de academia para eletroestimulação muscular, se prepara para fazer a sua estreia em shopping a partir do segundo semestre.
As obras no Golden Square, em São Bernardo do Campo, já estão em andamento.
“Os shoppings estão percebendo a oportunidade que eles têm de atrair diferentes públicos”, afirma Felipe Barth de Castro, fundador e CEO da rede de academia, que pretende crescer em shoppings em São Paulo, no interior paulista e no Rio de Janeiro.
O público da Tecfit Brasil é formado por sedentários de 40 a 60 anos que, geralmente, não gostam de academia. Por necessidade ou falta de tempo, essas pessoas se dispõem a gastar 20 minutos, em duas sessões semanais, para melhorar a capacidade física.
“Há cinco anos, esses serviços representavam cerca de 1% dos negócios dos shoppings, percentual que já deve estar perto de 10%, com tendência de alta”, afirma Marcos Hirai, fundador do NDEV (Núcleo de Desenvolvimento de Expansões Varejistas).
No Shopping Open Mall The Square, localizado na Granja Viana, das 90 lojas, 30 estão dedicadas aos serviços de bem-estar e saúde. Há cinco anos, eram menos de dez.
“Estamos no limite da operação, com vacância zero. Antes, o cliente vinha para comprar e, com tempo, comer. Hoje, vem para comer e, talvez, comprar”, diz André Fedel, diretor do shopping.
Com 130 unidades no país, das quais 75% em shoppings, a Face Doctor, outra rede especializada em rejuvenescimento facial, se prepara para ter 200 lojas até o final do ano.
“O setor de estética facial e corporal cresceu nos últimos cinco anos, passando do status de necessidade para o de saúde, bem-estar e autoestima”, diz Nelson Lins, fundador da marca.
De olho neste mercado, Lins também opera a Selfit, a maior rede de academia do Norte e do Nordeste do país, com 100 unidades, em sociedade com o fundo de investimento HIG.
Com experiência no setor de academias desde 2009, Lins diz que nos últimos anos tem identificado mudanças no modelo dos shoppings, passando a focar mais em conveniência.
“Até antes da pandemia, os serviços ficavam isolados. Hoje, começam a compor o mix dos shoppings, não são mais descartados nos subsolos, e ajudam a reduzir vacâncias”, diz.
HUBS
Os centros comerciais, de acordo com Hirai, estão se transformando em hubs para atender às necessidades da comunidade com mudança de modelo também para sobreviver.
O setor de serviços para cuidados com a saúde e bem-estar, diz, tem respondido muito bem para repor espaços que foram ocupados por redes tradicionais.
Para o arquiteto Júlio Takano, o shopping não pode mais se dar ao luxo de ser apenas uma empresa de locação de espaços. Precisam evoluir para o conceito de marketing estratégico.
“Tem de ser um espaço para conectar marcas, realizar eventos juntos. Estamos vivendo a era do ecossistema. O sucesso de um negócio tem de ser compartilhado para prosperar.”
FACILIDADES
O custo total de operação para uma loja de serviços em alguns shoppings, de acordo com Lins, chegou a cair pela metade. “O que faziam com as âncoras, começam a fazer com a gente.”
Uma grande empresa de shopping, com ações em Bolsa, diz, aceitou pagar a obra de uma empresa de serviço de estética e ainda dar carência de um ano para pagamento de aluguel.
“Isso revela que muitos shoppings começam a querer os serviços nos empreendimentos, o que era raro de acontecer”, afirma Lins.
LUCRATIVIDADE
Um ponto importante a favor dos serviços para os empresários e para os shoppings é a lucratividade, que chega a ser mais do que o dobro da de uma loja de roupa, por exemplo.
O lucro líquido sobre o faturamento numa dessas unidades de serviços varia entre 20% e 30%, podendo chegar a 50%, se bem operada, de acordo com lojistas.
No varejo de vestuário, por exemplo, este número varia entre 8% a 12%, em média, e isso se a loja tiver uma boa gestão.
Num momento em que redes do mundo da moda registram prejuízo e recorrem à Justiça para tentar uma sobrevida, como a Marisa, empresas de serviços comemoram resultados.
Com 764 unidades, das quais 445 em shoppings, a Espaçolaser fechou o primeiro trimestre deste ano com lucro de R$ 10 milhões e alta de quase 19% no faturamento.
Uggo Angioletti, diretor de franquias da rede, diz que a empresa tem batido recordes de vendas desde outubro do ano passado.
O parcelamento de até 18 meses nos serviços, que custam cerca de R$ 1.500, em média, contribui para a expansão do negócio.
Pesquisa feita pela empresa revelou que 80% das mulheres de 12 a 65 anos se depilam e que apenas 5% delas utilizam o serviço a laser, o que mostra o potencial de crescimento da rede.
Com base nesses dados, a Espaçolaser, com mais de 50 lojas fora do Brasil, pretende expandir o negócio em cidades com mais de 50 mil habitantes – 330 municípios já foram mapeados.
FRANCHISING
Todo esse movimento com as redes focadas em bem-estar e saúde tem impacto no mercado brasileiro de franchising.
Em 2022, das 1.672 marcas associadas à ABF (Associação Brasileira de Franchising), 560 pertenciam ao setor de saúde, beleza e bem-estar, com cerca de 31 mil unidades.
Em 2021, eram 512 marcas, com 29,2 mil unidades espalhadas pelo país.
“A pandemia intensificou a expansão do setor, com perspectiva de continuar crescendo 20% ao ano”, afirma Cláudia Vobeto, diretora da Comissão de Saúde, Beleza e Bem Estar da ABF.
Este movimento que vê nos shoppings, diz, deve estar apenas começando. Em vez de um salão de cabeleireiro, a tendência é de o consumidor ter duas, três opções em um centro comercial.
Fonte: Diário do Comércio