Negociações com fornecedores, ganhos de escala e transformação digital ajudaram setor a atravessar um período de grande adversidade
Por Kátia Simões
Um dos anos mais desafiadores da história recente do país para todos os setores da economia. Assim será lembrado 2020, também pelo franchising. “Alguns empreendedores não conseguiram atravessar um período tão longo de adversidade, mas notamos um grande esforço das redes para manter suas operações, negociando ou suspendendo taxas e ajudando os franqueados a buscarem alternativas de redução de custos”, diz André Friedheim, presidente da Associação Brasileira de Franchising (ABF).
O setor foi rápido em acelerar a transformação digital, em conectar suas marcas a marketplaces e criar os próprios canais de venda, relata Friedheim. Mesmo assim, o faturamento registrou queda de 10,5% em relação a 2019 e o número de unidades franqueadas baixou de 160.958 para 156.768. Segundo ele, o resultado poderia ter sido pior, não fosse a força do trabalho em rede e a capacidade do franchising de promover ganhos em escala, que amenizaram a queda.
Com 15 franquias ativas em janeiro de 2020, a Casa X, especializada em festas e eventos, paralisou as atividades em março, sem perspectivas de retorno passado um ano. “A receita zerou tanto para os franqueados quanto para a franqueadora, uma vez que suspendemos o pagamento do fundo de propaganda e dos royalties, além de interromper a venda de novas franquias”, diz Daniel Saldanha, diretor da rede. “Apesar do cenário desafiador, apenas três unidades que não vinham performando bem fecharam.”
A Casa X faz parte de um dos segmentos do franchising mais impactados em 2020, o de entretenimento e lazer, que registrou redução de 29% no faturamento e de 15,4% no número de unidades. Não foi o único. Hotelaria e turismo tiveram queda de 49,8% na receita e os pontos encolheram 9,1%. Em moda, o faturamento caiu 20,9% menos e 6,6% das lojas fecharam. No segmento de alimentação, a receita caiu 15,5% e o total de unidades recuou 0,6%.
Com boa parte de seus pontos de venda instalados em shopping centers, a Nutty Bavarian amargou o fechamento de 17 quiosques e queda de 32% na receita. “Não deu tempo de lamentar, logo partimos em busca de outros pontos, como o Parque do Ibirapuera e redes de varejo, entre elas, a Petz e a VestCasa, além de ciclovias”, diz a franqueadora Adriana Auriemo. Nos próximos meses, a marca pretende operar com vending machines em hospitais e expandir a venda direta para diminuir o impacto da nova paralisação, conta.
Os desafios são grandes, assim como a desconfiança do investidor externo. O Brasil ocupa a 17ª posição no ranking dos principais destinos para se apostar em franchising elaborado pela International Franchise Association (IFA), encabeçado pelos EUA, Reino Unido e Canadá. Uma colocação ruim para um país que já esteve entre os dez primeiros na lista de muitos especialistas. Todavia, há luz no fim do túnel, mas a médio e longo prazos. “A pandemia trouxe um certo conservadorismo, que tende a ir se dissipando à medida que o mercado for ficando menos nervoso”, diz Daniel Motta, doutor em economia pela USP. “O ponto mais positivo é que há capital disponível para bons projetos”, afirma.
A esperança apontada pelo economista vai ao encontro de um movimento que se repetiu nas últimas décadas, quando o setor de franquias registrou uma curva de crescimento acentuada depois de crises econômicas. É com base nesse histórico e na resiliência do setor que a ABF projeta um faturamento 8% maior neste ano, em relação aos R$ 167,18 bilhões registrados em 2020, e um aumento de 5% no número de unidades e de 2% no número de redes. “Tudo dependerá, porém, do ritmo de avanço da vacinação da população, da agenda das reformas em discussão no Congresso Nacional, especialmente as medidas de ajuste fiscal e de estímulo e facilitação do acesso ao crédito para micro e pequenas empresas”, diz Friedheim.
Em meio a tantos números em baixa, dois segmentos tiveram desempenho positivo em 2020: o de casa e construção, que cresceu 12,8%, e saúde, beleza e bem-estar, com alta de 3,1%. A IGUI, que vende piscinas, foi uma das responsáveis pelo resultado. A rede abriu 130 unidades no ano passado, somando 824 lojas. Em fevereiro de 2021, já eram 922. As vendas subiram de R$ 495,8 milhões em 2019 para R$ 952,7 milhões em 2020, alta de 92%. “Vários fatores contribuíram para o bom desempenho, desde a classificação do setor de construção como serviço essencial até a mudança de comportamento do consumidor, que passou a enxergar mais valor em ter piscina em casa”, diz Filipi Sisson, fundador e CEO. “Isso não aconteceu só no Brasil, mas nos mais de 50 países onde estamos presentes.”
Mesmo integrando um dos segmentos do franchising mais impactados, o de alimentação, a Oakberry passou de 189 para 265 unidades no Brasil, e triplicou o volume no exterior, somando 36 lojas. As vendas alcançaram R$ 100 milhões, 12% acima de 2019. O avanço, segundo o CEO Georgios Frangulis, é resultado da ousadia dos sócios em assumir riscos, antecipar tendências e não perder o foco, mesmo diante de uma pandemia. “Nascemos para ser uma marca global e caminhamos nessa direção”, afirma.
A Splash, rede de cafeterias fundada em 2018 que opera sem cozinha – o que diminui o investimento inicial -, também conseguiu bons resultados: faturou R$ 22 milhões em 2020 e espera triplicar o valor em 2021. “Atribuo a boa performance à abertura de novas unidades, ao esforço da franqueadora em ampliar o mix de produtos com marca própria e à parceria firmada com as grandes indústrias, a fim de atrair o consumidor e inibir a sazonalidade da operação”, diz o CEO, Lucas Moreira.
O franchising brasileiro se revelou mais maduro em 2020, com alta de 6,5% no número médio de unidades por marca, passando de 55,2 para 58,8 operações. “Ainda estamos distantes dos americanos, com média de 260 lojas por marca e um volume de franqueadores pouco superior ao do Brasil, mas estamos evoluindo”, diz o presidente da ABF. “Esse avanço contribui para a presença cada vez maior de multifranqueados, o que fortalece as marcas e o próprio mercado.”
A opinião é compartilhada por Antonio Moreira Leite, CEO do Grupo Trigo, que não tirou o pé do acelerador em 2020. Responsável pelas redes Spoleto, Gurumê, Koni Store e LeBonton, o grupo desenvolveu novas marcas no projeto Cloud Kitchen, passou a fabricar massas para a Natural da Terra e BR Mania; iniciou o desenvolvimento do próprio canal de delivery, abriu novas lojas além de investir na transformação digital. “A adoção de tecnologia na cozinha nos permitiu passar de 100 para 200 pedidos atendidos por hora”, diz o CEO, que projeta faturamento de R$ 950 milhões para 2021, quase 48% acima do que os R$ 642 milhões de 2020.
Fonte: Valor Ecônomico