Por Financial Times | Pouco depois de a The Body Shop ter sido vendida em 2017, seu então CEO compartilhou um diagnóstico franco dos problemas da varejista britânica de produtos de beleza éticos e sustentáveis. “Por que a The Body Shop deveria estar operando hoje?”, perguntou David Boynton retoricamente à equipe, enquanto buscava reavivar a marca sob seu novo dono, o grupo brasileiro Natura.
A varejista, conhecida por suas campanhas anti-testes em animais e por sua postura ecologicamente amigável, havia “perdido o fôlego” sob seu antigo controlador, a gigante francesa de cosméticos L’Oréal, disse ele, em um discurso.
A mesma pergunta se aplica seis anos depois, com a venda da rede de 47 anos, pela Natura, para a empresa de private equity europeia Aurelius.
A compra, anunciada em novembro, avalia a varejista em 207 milhões de libras esterlinas — dos quais 90 milhões de libras seão pagos em cinco anos, se a empresa atingir certas metas não divulgadas. Isso é uma fração dos 880 milhões de libras que a Natura pagou à L’Oréal por ela.
Perdeu fãs e não atraiu novos consumidores
“Ela perdeu o rumo”, disse Catherine Shuttleworth, que comanda a agência de marketing digital Savvy. “Ela perdeu pessoas que eram verdadeiras fãs ávidas, e não conseguiu se conectar com novos consumidores.”
A The Body Shop, fundada pela pioneira Anita Roddick em 1976, foi uma das primeiras empresas a argumentar que os negócios poderiam ser uma força para o bem. Nas décadas de 1980 e 1990, conquistou seu lugar como uma marca conhecida com produtos como a fragrância White Musk, o óleo Dewberry e o esfoliante de pés Peppermint. A marca ajudou a mudar 24 leis em 22 países diferentes, mobilizando seus clientes, incluindo campanhas contra testes em animais para cosméticos, disse Boynton, que deixou o cargo no início deste ano.
Mas outras varejistas e marcas a alcançaram na tendência de atrair consumidores mais ecoconscientes desde então. Um exemplo é a Aesop, a fabricante australiana de sabonetes de alta qualidade conhecida por seus produtos veganos, que a Natura vendeu para a L’Oréal em um acordo de US$ 2,5 bilhões no início deste ano.
Mais concorrência e inflação
“Há muito mais concorrência nesse setor da indústria”, disse Natalia Van Boxel, analista da GlobalData.
Shuttleworth disse: “Eles simplesmente precisam se redefinir para os novos tempos, mas voltar a frisar essas coisas éticas e sustentáveis, porque aposto que muitos jovens compradores não sabem o que sabemos sobre a marca.”
A The Body Shop, que tem cerca de 2,5 mil lojas em mais de 70 países, tem enfrentado uma queda nas vendas em meio ao aumento da concorrência e à inflação em alta. Ela registrou um prejuízo, antes de impostos, de 71 milhões de libras no ano passado, segundo registros públicos do Reino Unido.
A receita caiu de 507 milhões de libras em 2020 para 408 milhões de libras em 2022, de acordo com os registros. Sua participação no mercado do Reino Unido caiu de 1,4% em 2020 para 0,8% em 2022, e espera-se que se mantenha estável neste ano.
Alguns críticos culpam a Natura por não conseguir revitalizar a rede. Dizem que foi um erro do grupo brasileiro assumir que sua maestria nas vendas diretas aos consumidores sul-americanos poderia se transferir para a administração de uma rede de lojas em territórios com os quais não estava familiarizada. A empresa, com sede em São Paulo, também é proprietária da vendedora de cosméticos porta a porta Avon, que comprou por US$ 2 bilhões em 2019.
Natura não conseguiu atrair o consumidor às lojas
Thiago Macruz, chefe de análises do Itaú BBA, disse que a Natura assumiu a tarefa de “recuperação global de uma varejista” com a The Body Shop. “Realmente não era a área de especialidade deles.” Ele acrescentou: “Mesmo que tenham tido algum sucesso inicial […] nunca foram capazes de realmente repensar as oportunidades de crescimento dessa empresa.”
O CEO da Natura, Fábio Barbosa, admitiu recentemente que a empresa não tinha a “experiência varejista” necessária para devolver o antigo esplendor à The Body Shop.
Apesar de uma recente melhoria nas margens de lucro durante uma iniciativa de corte de custos, o crescimento tem se mostrado difícil para a rede. Ela está implementando um novo formato de loja, com menos produtos e estações de reabastecimento que evitam embalagens, mas as receitas continuam em queda.
“Tivemos sucesso trabalhando nas margens e na marca em si — esta foi a parte boa”, disse Barbosa. “A parte difícil é como você traz movimento de volta às lojas, após a grande queda ocorrida durante a covid.” Ele acrescentou: “A lição foi que não temos conhecimento suficiente sobre varejo ao redor do mundo — na Inglaterra, nos EUA, na Nova Zelândia e na Austrália — para sermos os responsáveis por fazer as mudanças necessárias.”
A nova fase com Aurelius
A empresa de investimentos Aurelius deve se concentrar em ampliar o apelo da marca por meio de parcerias ou concessões em outras varejistas, disse Van Boxel, da GlobalData. Também deve oferecer mais produtos a preços mais baixos para evitar que os consumidores com pouco dinheiro migrem para rivais mais baratos, acrescentou.
Um bálsamo de limpeza de camomila custa 30 libras por 100 ml, enquanto sua manteiga corporal de karité custa 19 libras por 200 ml. Na farmácia Boots do Reino Unido, o bálsamo de limpeza hidratante de marca própria custa 7 libras por 100 ml, enquanto a manteiga corporal de karité custa 8 libras por 250 ml.
“Quando a crise do custo de vida atingiu os consumidores, eles simplesmente não estavam mais tão interessados em sustentabilidade quanto estavam em economizar”, disse Van Boxel. “E como a The Body Shop vende apenas produtos de marca própria, ela realmente não tem como oferecer ao consumidor opções mais baratas, ao contrário de outras varejistas. Eles perderam nisso porque simplesmente não podiam oferecer nenhuma alternativa.”
“Ela precisa estar pronta para a geração TikTok”, disse Shuttleworth, referindo-se à geração Z e à geração Alpha, que poderiam ser atraídas pela modernização de algumas das lojas da The Body Shop e por sua transformação em locais “interativos”.
“A marca precisa ser atualizada e tornada mais desejável”, disse Macruz, do Itaú BBA.
O esforço da Aurelius para reacender a The Body Shop ocorre em meio a ventos favoráveis no setor de beleza. O mercado de cuidados com a pele, avaliado em US$ 131,5 bilhões em 2022, deve crescer a uma taxa anual composta de mais de 3% entre 2022 e 2027, segundo a GlobalData.
A empresa de private equity planeja expandir a presença on-line da companhia, tornando-a menos dependente das vendas em suas lojas físicas, disse Tristan Nagler, sócio da Aurelius, em uma entrevista.
A Aurelius, que também adquiriu a rede de varejo de artigos esportivos Footasylum e a empresa controladora da LloydsPharmacy no ano passado, adota uma abordagem mais prática em relação às empresas que possui do que um gestor típico de fundo de private equity.
A empresa envia executivos com experiência de gestão para suas empresas, visando ajudar a melhorar o desempenho operacional, por exemplo. Isso pode incluir a incorporação de funcionários em uma empresa por um ano enquanto buscam reverter a situação da mesma, disse Nagler.
A Aurelius também tentará recuperar o terreno perdido no capitalismo ético, acrescentou Nagler, e tornar a empresa tão relevante para as novas gerações quanto era em seu auge. “A The Body Shop é uma empresa com a qual muitos de nós crescemos”, disse ele.
Apesar de sua experiência em reviver empresas em dificuldades, o investimento da Aurelius na The Body Shop significa que ela está aumentando a exposição a um setor que prejudicou a reputação de muitos de seus pares de private equity.
Fracassos no Reino Unido
O segmento de private equity presidiu os fracassos de alta visibilidade de gigantes do varejo no Reino Unido, incluindo Debenhams, Maplins e Phones4U, entre outros.
No Reino Unido, isso atraiu a atenção de políticos, incluindo a da ministra “paralela” das Finanças, a trabalhista Rachel Reeves, que acusou grupos de private equity de depenarem as empresas de seus ativos, citando suas intervenções na administração de empresas como HMV e Maplin.
Para evitar o mesmo destino, a Aurelius precisa “voltar e aprender com os métodos do fundador Roddick”, disse Shuttleworth. “Este negócio está destinado a decolar porque é tudo o que os consumidores dizem que querem.”(Tradução de Samara Leonel)
Fonte: Valor Econômico