Por Stéfanie RIgamonti | Embaladas pela alta no consumo em seus canais digitais durante a pandemia de Covid-19, grandes empresas do varejo no Brasil e no mundo aproveitaram seus bons resultados para expandir, adquirir outras empresas e marcas e investir mais em inovação. Assim, conseguiram ampliar o seu público e engordar os números de seus balanços.
O período que seguiu a pandemia, contudo, mostrou-se completamente desafiador, com guerra na Ucrânia afetando a oferta de commodities, esfriamento da economia chinesa, problemas na cadeia global de suprimentos, inflação elevada e alta nos juros. Nessa situação, as varejistas patinaram até entender que teriam que voltar ao modelo básico de negócio, o famoso “back to basics”, para sobreviver.
Esse resgate da essência de cada negócio é uma tendência global, mostrou uma pesquisa recente da consultoria internacional de lideranças Russell Reynolds Associates. O levantamento entrevistou 50 presidentes de líderes do varejo no mundo, como Electrolux, Nestlé, Diageo e Kimberly-Clark.
Apesar de as empresas continuarem investindo no digital, agora estão deixando a inovação para o segundo plano.
“Eu fiz um projeto com um cliente há pouco tempo no Brasil, que chegou e comentou comigo: ‘Eu quero um líder de tecnologia. Mas sabe aquele cara superestratégico, que pensa no futuro, que está antenado lá fora, que vê o que está acontecendo? Não quero ele. Eu quero um cara pé no chão, que vai na loja e faz ela funcionar'”, relatou à Folha Henrique Carneiro, sócio-diretor da Russell Reynolds.
Esse movimento de retorno ao tradicional pode ser notado nas novas estratégias divulgadas por líderes do varejo no Brasil.
Um dos casos mais exemplares é o da Casas Bahia. Em setembro, em meio a um período crítico de resultados ruins e forte queda nas ações, a empresa, que à época se chamava Via, decidiu retomar o antigo nome e o slogan —”Dedicação total a você”.
Pouco tempo depois, a empresa anunciou que se voltaria ao se público tradicional e ao negócio que deu origem ao grupo, focando a venda de móveis, eletrodomésticos e eletroeletrônicos.
Várias outras categorias que estavam presentes no site da companhia —como artigos para festa, decoração, perfumaria e cosméticos, pet shop, alimentos e bebidas— deixaram de ser compradas e vendidas pela empresa. Elas continuam no site, mas apenas com a venda de terceiros, os “sellers”.
A companhia foi uma das que mais perdeu em valor de mercado na Bolsa desde o auge das varejistas na pandemia, segundo levantamento feito a pedido da Folha pelo consultor de informações de mercado Einar Rivero, em meio às desconfianças dos investidores com o setor atualmente.
As únicas empresas que não foram afetadas ou cresceram em valor de mercado no pós-pandemia são as marcas voltadas a um público com poder aquisitivo maior, já que a inflação e os juros altos quase não impactam o poder de compra desse tipo de consumidor.
Outro exemplo recente do retorno ao tradicional é a Tok&Stok. Há pouco mais de cinco anos a companhia implementou um plano de expansão, que poderia ter dado certo se não fosse a virada provocada pela Covid-19.
Com os eventos recentes que abalaram o setor, a rede de móveis e decoração viu seu endividamento crescer, os pedidos de despejo chegarem, o crédito acabar e a crise do varejo quase derrubar a empresa fundada em 1978.
Em junho, seus sócios fizeram um aporte de R$ 100 milhões e conseguiram renegociar R$ 350 milhões em dívidas bancárias. Dois meses depois, uma das fundadoras da companhia, Ghislaine, voltou à presidência da Tok&Sok, cargo que ocupara até 2017. “Agora, a gente quer trazer a empresa de volta”, disse ela recentemente em entrevista exclusiva à Folha.
Segundo a executiva, o DNA da Tok&Stok tem loja física com cenários prontos, coleções sazonais e parcerias com designers brasileiros e estrangeiros.
Mais recentemente, outra gigante do varejo que anunciou sua volta ao básico é a Americanas. Com dívidas declaradas de R$ 42,3 bilhões e prejuízo de R$ 12,9 bilhões no ano passado, a empresa que está em Recuperação Judicial precisou recuar para continuar operando.
A companhia passará por uma reestruturação que envolve priorizar categorias que são destino dos consumidores –como guloseimas, limpeza e brinquedos–, deixando os itens de maior valor agregado, como linha branca, notebook e smartphones, para os varejistas parceiros do canal online, disse o presidente da empresa, Leonardo Coelho, que assumiu a empresa em fevereiro.
“Nós também queremos reforçar o mix de utilidades domésticas, com eletroportáteis como sanduicheiras, air fryer, chapinha”, afirmou Coelho à Folha.
“A ideia é voltar ao passado, ao perfil de loja de conveniência e variedades da Americanas, aquele lugar onde o consumidor vai encontrar o que ele procura”, completou o executivo da Americanas.
A Natura&Co também passou por um plano recente de volta “às bases”, conforme disse o presidente da empresa, Fabio Barbosa, chamado na metade do ano passado para assumir o negócio a fim de fazer a fabricante de cosméticos voltar ao lucro.
Em teleconferência de resultados que aconteceu nesta semana com jornalistas, Barbosa afirmou que a empresa está retornando ao que faz de melhor, que é a venda direta.
Depois de um forte movimento de expansão, a companhia vendeu neste ano duas grandes marcas que faziam parte do grupo —a britânica de cosméticos sustentáveis The Body Shop e a australiana Aesop. Agora, o grupo está centrado em suas duas grandes operações, Natura e Avon, e no público da América Latina.
Henrique Carneiro, da Russell Reynolds, conta que a volta ao básico no varejo nada mais é do que fazer bem feito o que a empresa sempre soube fazer. E por aí passa conhecer o seu público tradicional.
“Porque, no final das contas, quem vai decidir o seu sucesso ou não é o seu consumidor”, diz. “Então, as empresas estão voltando para esse básico. Aprendendo a fazer com excelência aquilo que tem que ser feito, sem perder o entendimento de quem é o seu consumidor”, completa.
Carneiro afirma que conhece presidentes de conselhos de administração de gigantes do varejo brasileiro, e as mesmas coisas que tem ouvido de lideranças do setor no Brasil os seus colegas da Russell Reynolds do mundo inteiro também têm percebido em conversas com executivos.
Além dessa volta ao passado e foco no negócio tradicional, o que tem sido comum também nas varejistas do mundo inteiro é o enxugamento da estrutura das empresas, com demissões de funcionários que foram contratados na esteira da expansão dessas companhias. Áreas inteiras voltadas para inovação e negócios do futuro foram cortadas.
“Muitas das apostas que as empresas fizeram em pessoas e em áreas agora estão sendo desfeitas. Eu mesmo vi um volume muito grande de desligamentos desde o meio do ano passado até agora”, conta.
Além disso, a pesquisa da consultoria mostrou que, em vez de buscar lideranças fora, as empresas estão cada vez mais buscando capacitar seu próprio corpo de funcionários para cargos-chave da companhia.
“Se há alguns meses o foco das empresas de consumo e varejo era atrair novos talentos, a prioridade agora é desenvolver os executivos de casa. O plano de sucessão é componente-chave para a perenidade dos negócios e, quando bem estruturado, garante um pipeline abrangente de líderes aptos e engajados em impulsionar o sucesso da organização”, conta Carneiro.
Fonte: Folha de S.Paulo