Por Angela Klinke | “Sempre pensei na geografia do negócio como o tabuleiro do jogo War: para atingir o objetivo, para vencer a partida é preciso disputar os territórios certos na hora certa”, disse Birman, ao NeoFeed sobre a expansão do grupo Arezzo&CO que começou a ser construído em 1972.
Birman, fundador da holding que hoje envolve 14 marcas e vale R$ 6,5 bilhões, transformou essa voz aguerrida num livro. Com dificuldades para falar, em decorrência de uma doença neurológica degenerativa detectada há dois anos, ele repassou sua trajetória de empresário e empreendedor em escrita.
“A Cada Passo”, lançado na sexta-feira, 10 de novembro, pela editora Citadel, é resultado de depoimentos dados nos últimos anos à jornalista Ariane Abdalah. A arrecadação com a venda será doada a instituição espírita Casa Transitória.
O livro sai dez anos depois de ele ter passado o comando do grupo ao filho Alexandre Birman, atual CEO e CCO. Este ano ele o tornou, com a doação em vida, o maior acionista do grupo e também, claro, entre os demais herdeiros, os filhos Allan, Patrícia, Augusto e André.
Birman faz uma revisão de sua trajetória como empreendedor e empresário bilionário um tanto carregada de emoção, um tanto de justificativas.
“Fora da operação e com mais tempo para mim, vejo minha própria história em perspectiva e sou muito grato às experiências e às pessoas que me ajudaram a chegar até aqui. (O livro) é uma forma de celebrar a vida, os encontros, as oportunidades”, disse ele ao NeoFeed, por e-mail.
Do ofício de sapateiro que teve de aprender do zero na casa em Belo Horizonte a internacionalização da marca e a abertura de capital, Birman afirma nunca ter dado um passo maior que as pernas em sua missão estabelecida na infância de “ser rico”.
Hoje, o grupo reúne as marcas Arezzo, AnaCapri, Schultz, Alexandre Birman, Alme, Brizza, Carol Bassi, Reserva, Oficina, Simples, BAW, Vicenza Paris Texas e TROC com 1.005 lojas no Brasil e exterior.
A pedido do NeoFeed, Anderson Birman avaliou os momentos decisivos do grupo, que divide em “eras da indústria, do varejo e corporativa”, como a associação com a Tarpon, num momento ele que havia ficado descapitalizado depois de comprar a parte do irmão Jefferson Birman na sociedade. Fala o que o motivou a sair do negócio e sobre sucessão.
Ele expõe como está recuperando sua fé e de como se sente grato de chegar aos 69 anos, apesar da doença, com uma empresa de sucesso e com o apoio da família. Uma jornada rica na qual ainda se define como “sapateiro”.
Quais a melhores e as piores decisões definidas como as eras da indústria, do varejo e corporativa?
Na era da fundação e estruturação, minha melhor decisão foi a compra da Gypsy, primeira loja própria, que marcou nossa entrada no varejo, estabelecendo um relacionamento direto com as clientes. Uma decisão que na época meu pai não concordou foi a de fazer um empréstimo para comprar injetoras, que eram máquinas para fabricar os saltos altos. Eu havia encomendado seis unidades, mas tive de devolver quatro depois de contar para ele. Nunca saberei se foi de fato uma má decisão, mas como depois transferimos a maior parte da nossa produção para parceiros, talvez ele tivesse razão.
Por que optou por franquias?
Transformar o negócio em uma franquia foi o que nos permitiu expandir por todo o país. Na era do varejo, a melhor decisão foi criar uma fábrica de protótipos, concentrando nossos esforços no que era o principal para o sucesso do negócio: a criação de produtos com qualidade, sem necessariamente termos que fabricá-los. Não me lembro das piores decisões que tomei nesses períodos.
Como avalia a era corporativa?
Passar o comando da empresa para o meu filho Alexandre, sem me apegar à gestão do negócio que havia construído, foi o melhor dessa era. A pior decisão talvez tenha sido dar uma “carteirada”, fechando a compra de uma loja sem respeitar os processos que existiam na empresa antes de se tomar uma decisão como essa. (Uma negociação no shopping Iguatemi São Paulo em que ofertou uma quantidade muito maior pelo ponto, sem seguir a política de governança da empresa)
“Nossa empresa ficou mais leve ao transferir execução para parceiros especializados. Focamos naquilo em que éramos melhores e criamos relações ganha-ganha”
Por que você decidiu abrir mão da indústria de sapatos naquela época? Faria o mesmo no contexto de desindustrialização do Brasil hoje?
Porque entendi que nossa força estava em idealizar os sapatos, criar os modelos. Nossa empresa ficou mais leve ao transferir execução para parceiros especializados. Focamos naquilo em que éramos melhores e criamos relações ganha-ganha. Pudemos concentrar os esforços na criação de produtos de qualidade, sem necessariamente fabricarmos as peças e contribuindo para o fortalecimento das empresas parceiras.
Como foi a decisão de internacionalizar a Arezzo e qual é o impacto para a empresa?
Para uma empresa crescer, em qualquer setor, é fundamental atingir públicos novos e maiores. Sempre pensei na geografia do negócio como o tabuleiro do jogo War: para atingir o objetivo para vencer a partida é preciso disputar os territórios certos na hora certa. O melhor é traçar uma estratégia para conquistar novos mercados aos poucos, em vez de tentar ganhar todos de uma vez. Em 2012, os sapatos Arezzo&Co chegaram aos Estados Unidos. Inicialmente, o plano era buscar redes de departamento para vender nossos produtos. Hoje temos lojas da Schutz, Alexandre Birman e Arezzo no país.
E no mercado europeu?
Começamos com a marca Alexandre Birman, e expandidos com a aquisição da Paris Texas, marca de calçados italiana, e da Vicenza, que historicamente exporta para a Europa aproximadamente 50% da sua produção. Enfrentamos dificuldades durante a pandemia e lidamos com uma competição mais intensa, mas mesmo assim todos esses são pontos de sucesso da marca.
A associação com a Tarpon pode ser considerada bem-sucedida?
Foi uma parceria bem-sucedida para todos os envolvidos. Na época, eu havia acabado de vender parte do negócio para o meu irmão, que havia fundado a Arezzo comigo, e precisava de capital. A Tarpon, por sua vez, queria investir. Gostamos da ideia de ter sócios do mercado, com interesse alinhado em fazer nossa empresa crescer de maneira saudável.
No livro, são destacadas planilhas que faziam rotineiramente na Arezzo e que foram decisivas na negociação.
Foi um dos detalhes que os motivou a trabalhar conosco, uma planilha detalhada que fazíamos para registrar os resultados da empresa. Eles ajudaram a implementar mais processos e melhorar a governança da Arezzo. Em compensação, tive liberdade para cuidar da execução do negócio. Foi uma relação muito bacana e que rendeu bons frutos para todos. Quando venderam sua participação, cinco anos depois de terem entrado e depois do IPO, tiveram um lucro de cerca de 500% em relação ao investimento. Não tenho como avaliar se faria o mesmo hoje, pois estou fora da operação.
“Eu aprecio as imposições do mercado de capitais, como publicar resultados trimestrais e agir sempre com transparência. São práticas cruciais para o sucesso de um negócio”
Por que foi possível fazer o IPO em 2011 e como avalia o resultado?
Um IPO depende de uma combinação de fatores favoráveis, na empresa e no contexto do mercado. A companhia estava madura, havia potencial de crescimento, tínhamos as pessoas certas tocando o negócio para levá-lo aos estágios seguintes. Fomos muito bem recebidos pelo mercado, seguimos crescendo, inovando, adquirindo outras marcas. Então, não há dúvida de que foi uma decisão acertada. Eu aprecio as imposições do mercado de capitais, como publicar resultados trimestrais e agir sempre com transparência. São práticas cruciais para o sucesso de um negócio.
Em 2013 você decidiu deixar o comando da empresa. Foi o momento certo?
Entendi que, a partir daquele ponto, meu filho estava mais bem preparado do que eu para dirigir a empresa. Apesar de ser o fundador e conhecer cada detalhe do negócio, era hora de expandir, de olhar novos horizontes, e o Alexandre era a pessoa ideal para isso. Ele cresceu dentro da companhia, sempre foi apaixonado pelo trabalho, se preparou para crescer ali profissionalmente e tinha todo o frescor da juventude para construir o novo.
Como avalia a sucessão e a participação de seus filhos no negócio?
Fizemos um trabalho calmo e cuidadoso, ao longo de anos, e apoiados por especialistas que conhecem a delicadeza deste tema em uma empresa familiar. Fiquei muito satisfeito com o resultado. E tenho grande alegria que meus filhos tenham escolhido, cada um a seu modo, continuar o meu legado. Me tornei sapateiro porque meu pai sempre achou importante termos um ofício. O que pode ser mais gratificante do que passar este ofício para a nova geração?
Quais as vantagens de se tornar um grupo de moda? Outras tentativas no Brasil não deram certo. O que funcionou para a Arezzo&Co?
Estar presente na vida da cliente de maneira mais ampla é uma vantagem. Do ponto de vista do negócio, oferecemos mais produtos, aprendemos com empreendedores que se juntam a nós, aproveitamos insights de um negócio em outros. É um caminho natural depois de termos conquistado a liderança do setor de calçados no Brasil.
O livro destaca a importância de manter os custos sob controle, em não dar um passo maior que as pernas. E que sua missão era ser rico, desde criança. O que sentiu quando a Arezzo alcançou o primeiro bilhão?
Uma satisfação imensa, claro. E um indicador de sucesso. Mas nunca achei que o futuro estivesse garantido. Continuo com os pés no chão pronto para me adaptar ao que for preciso.
“Acredito que a intuição é fundamental para uma empresa ir longe, mas não só”
Há muitas referências às decisões tomadas por intuição que se revelaram de vanguarda. É possível fazer uma empresa longeva sem intuição?
Acredito que a intuição é fundamental para uma empresa ir longe, mas não só. É preciso combinar intuição com racionalidade, pragmatismo e informações.
Quais são os principais pilares do grupo Arezzo para se tornar longevo num cenário tão grande de incertezas?
A capacidade de inovar. A disposição para se adaptar a diferentes cenários. O equilíbrio entre se arriscar e manter os pés no chão. A habilidade de antecipar o que as clientes vão querer. O cuidado com a qualidade dos produtos. E os princípios, que escrevemos há décadas e continuam norteando a empresa: transparência, alinhamento, autenticidade, paixão, meritocracia, humildade, desafio, flexibilidade, união e envolvimento (falo detalhadamente sobre eles no livro).
Há também referência de religiosidade, uma família judaica que segue preceitos da umbanda e do kardecismo. O momento agora é de reencontro com sua fé. Por que ela ficou abalada?
Quando se conquista tanto no mundo material, como tive a oportunidade de conquistar, é preciso uma dedicação maior para se conectar com o Divino. Quanto mais você precisa de ajuda, mais tende a acreditar no imponderável. Ter fé nos ajuda a aceitar que não controlamos tudo o que está à nossa volta, e a minha sempre me ajudou muito na vida. Aos poucos, estou me reconectando com minha fé e sempre que rezo, o faço com entrega.
Por que decidiu expor sua doença de Parkinson?
A vida de ninguém é perfeita ou sem desafios. Considero importante falarmos do que nos abala de maneira franca. Além disso, a doença afetou decisões ligadas ao negócio, como o aumento da participação acionária dos meus filhos. O mais difícil para mim é não conseguir me expressar da maneira com que fazia antes. Mas tenho o apoio da minha família, um negócio de sucesso e recursos para passar por isso da melhor maneira possível, então, apesar das dificuldades, me sinto grato.
O senhor ainda hoje se considera um sapateiro?
Sim.
Fonte: Neofeed