Por Daniele Madureira | A Americanas, varejista em recuperação judicial desde janeiro de 2023, com dívidas declaradas de R$ 42,5 bilhões, informou nesta segunda-feira (26) que registrou prejuízo líquido de R$ 4,6 bilhões nos primeiros nove meses do ano passado.
O total representa um recuo de 23,5% frente às perdas de R$ 6 bilhões registradas no mesmo intervalo de 2022.
Também nesta segunda a 4ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro homologou o plano de recuperação judicial da companhia. O plano havia sido aprovado pela maioria dos credores em 19 de dezembro do ano passado.
“A Americanas, de acordo com o PRJ [plano de recuperação judicial] aprovado e homologado judicialmente, divulgará comunicados aos credores e ao mercado a respeito dos prazos a serem iniciados com a publicação da decisão judicial que homologou o PRJ”, afirmou a empresa em nota.
A receita líquida de janeiro a setembro de 2023 da varejista somou R$ 10,3 bilhões, uma queda de 45% sobre o intervalo anterior.
O lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) foi negativo em R$ 1,56 bilhão, contra R$ 1,28 bilhão negativo um ano antes, enquanto a margem bruta melhorou 11,1 pontos percentuais, para 27,7%.
O resultado financeiro ficou negativo em R$ 2,2 bilhões, frente aos R$ 4 bilhões negativos de janeiro a setembro de 2022.
Folha Mercado
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A varejista encerrou os nove primeiros meses de 2023 com um patrimônio líquido negativo em R$ 31,2 bilhões, uma piora de 16,8% sobre os R$ 26,7 bilhões de passivos a descoberto que a empresa tinha ao fim de 2022.
O balanço dos meses de janeiro a setembro de 2023 publicados nesta segunda foram adiados por três vezes pela atual gestão da Americanas. A empresa espera divulgar o resultado do quarto trimestre em 26 de março.
Na mensagem da administração, a Americanas se referiu a 2023 como o ano “mais desafiador” da sua história, iniciada em setembro de 1929 no Rio de Janeiro.
Em 12 de janeiro do ano passado, o ex-CEO da Americanas Sergio Rial, recém-empossado, pediu demissão do cargo, após descobrir “inconsistências contábeis” da ordem de R$ 20 bilhões. Em junho do ano passado, a companhia admitiu fraudes contábeis de R$ 25 bilhões.
De acordo com a varejista, os números de 2023 foram afetados por uma “significativa queda de vendas”, em especial na plataforma digital, além das altas despesas financeiras em meio ao seu processo de recuperação judicial.
Desde 12 de janeiro de 2023, a Americanas demitiu um quarto da equipe, o que reduziu seu quadro de 43.123 colaboradores para 32.688 empregados sob regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) em 18 de fevereiro de 2024, de acordo com o relatório mais recente do administrador judicial.
A empresa anunciou contratações recentemente para atender ao período de Páscoa.
Em número de lojas, eram 1.880 em janeiro de 2023 e hoje são 1.748, queda de 7%, envolvendo não só a bandeira Americanas, como também a Local (de lojas de conveniência) e o hortifrúti Natural da Terra.
O fechamento de 132 pontos de venda em um ano representa cerca de uma loja encerrada a cada três dias. A medida é ruim não só para funcionários, é também para fornecedores, que perdem pontos de venda e promoção de produtos.
Considerando apenas a bandeira Americanas, foram 99 pontos de venda encerrados entre janeiro e setembro do ano passado.
A redução nos quadros e nos serviços faz parte de tornar a empresa mais enxuta e vender a ideia de “nova Americanas”, uma varejista mais voltada a produtos de conveniência, como guloseimas, itens de limpeza e brinquedos.
Assim, a companhia deixa em segundo plano itens de maior valor agregado como linha branca, notebooks e smartphones. Os parceiros do marketplace assumem essa frente.
“Mas é preciso levar em conta que os consumidores não têm a mesma confiança no site como tinham antes”, disse, em entrevista à Folha, José Daronco, analista da Suno Research. “Isso impacta diretamente o volume de vendas.”
Vendas no digital despencaram 77%
As vendas brutas (GMV) somaram R$ 16 bilhões de janeiro a setembro do ano passado, queda de 51% na comparação com os primeiros nove meses de 2022. No canal físico, o recuo foi de 4,4%, para R$ 9,2 bilhões, mas no canal digital a queda observada foi de 77%, para R$ 4,8 bilhões.
Na mensagem que acompanha o balanço, a administração da Americanas afirmou que, “no canal digital, onde o tíquete médio é mais alto e os produtos são mais comparáveis, em um primeiro momento, sofremos um choque de confiança”.
A empresa também diz que o ano apresentou dois grandes desafios: o primeiro, que continua em andamento, é buscar destruir os “feudos” dentro da companhia, procurando estabelecer uma cultura única na Americanas. É preciso “eliminar as barreiras que existiam entre os negócios da empresa (físico, digital, advertising e fintech) e firmar um objetivo comum para todos”, diz a atual gestão.
O segundo desafio foi “garantir tomadas de decisões mais estratégicas, tanto para ações de investimento, como de desinvestimento”.
Phil Soares, chefe de análise de ações da Órama, afirma que não havia grandes expectativas em relação aos balanços da Americanas.
“A venda na loja física permaneceu de certa forma estável, com queda de 4%, mas o digital encolheu bastante, uma queda abrupta de 77%”, diz Soares, lembrando que a Americanas subsidiava muito a operação online.
“Houve uma queda até marginal de lucro bruto, de R$ 3,1 bilhões para R$ 2,8 bilhões, o que é um bom número, considerando o que poderia ter vindo”, diz. Mas a despesa continuou muito alta nos custos de vendas gerais e administrativos (SG&A, na sigla em inglês), aponta o especialista.
“São R$ 4,1 bilhões de despesas, Ebitda negativo e prejuízo bilionário”, afirma. “São resultados bem ruins, mas que não devem puxar as demais empresas de varejo, que já estão precificadas.”
Auditor cita ‘múltiplas incertezas’ e não emite parecer sobre balanço
Em 2022, a Americanas registrou prejuízo de R$ 12 bilhões no ano. Os resultados financeiros do exercício foram divulgados apenas em 12 de novembro do ano passado, dez meses depois do escândalo contábil.
As demonstrações financeiras de 2022 tiveram de ser refeitas após a descoberta de que dados contábeis foram adulterados durante oito exercícios seguidos, segundo o atual presidente da Americanas, Leonardo Coelho. Ele afirmou em entrevista à Folha que as fraudes ocorriam ao menos desde 2015.
A BDO Associados, novo auditor contratado em substituição à PwC, não emitiu parecer sobre o balanço revisado de 2022. À época, afirmou que as demonstrações financeiras pertenciam a um “contexto de incerteza relevante de continuidade operacional”. Também nos balanços do primeiro, segundo e terceiros trimestres de 2023, a BDO não quis emitir opinião.
“Em razão dos fatos relevantes divulgados pela companhia e informações em notas explicativas no contexto da investigação independente em curso, mencionados anteriormente, há pervasividade de múltiplas incertezas que podem existir no contexto de elaboração das informações contábeis intermediárias, individuais e consolidadas, reapresentadas, do trimestre findo em 30 de setembro de 2022”, afirmou em relatório que acompanha o balanço.
O relatório, assinado pelo contador Robinson Meira, diz que uma revisão de informações financeiras envolve “indagações, principalmente às pessoas responsáveis pelos assuntos financeiros e contábeis e na aplicação de procedimentos analíticos e de outros procedimentos de revisão”. Ou seja, ele se refere à antiga diretoria da Americanas, desligada da empresa depois que o escândalo contábil veio à tona.
“Entretanto (…) não nos foi possível obter evidência apropriada e suficiente para fundamentar nossa conclusão sobre as informações contábeis intermediárias individuais e consolidadas. Desta forma, este relatório é emitido com abstenção de conclusão.”
Fonte: Folha de S. Paulo