Desde que foi fundado há oito anos, o Dr. consulta virou um dos modelos de negócio mais copiados do País. Em seu rastro, surgiram concorrentes como Cia. da Consulta, Amparo e GlobalMed.
Agora, depois de construir uma base de 60 clínicas em três estados, o fundador Thomaz Srougi está tentando colocar em curso o maior reposicionamento dos oito anos da startup: de clínica popular, o dr. consulta quer virar uma healthtech.
Há três anos, o dr consulta coleta e processa milhões de dados de seus pacientes. A meta é se transformar num ecossistema capaz de usar esses dados para gerar valor na cadeia da saúde.
“Enquanto um monte de gente está tentando imitar o dr. consulta, pensando em onde abrir a próxima clínica, estamos pensando em como dominar o Brasil e a América Latina sem precisar de novos pontos físicos,” Thomaz disse ao Brazil Journal.
Para muita gente no setor de saúde, essa guinada do dr. consulta se dá tanto por necessidade quanto por opção estratégica. A rede já teria batido no teto do seu mercado potencial. Enquanto o dr consulta nasceu oferecendo um preço intermediário entre o SUS e o plano de saúde, as margens são apertadas e ele precisa ganhar escala mais rápido para rentabilizar a operação. O crescimento é caro, já que uma nova loja pode custar R$ 1 milhão.
“Antes, o dr consulta fazia só consultas e exames básicos, mas hoje o que paga a conta são os exames complexos, e quando você soma o valor da consulta e dos exames, começa a fazer sentido para o usuário ir para uma Intermédica ou Hapvida,” diz um investidor que acompanha o setor. “O dr consulta nasceu com a ideia de gerar acessibilidade em saúde para as classes C e D, mas você não resolve isso só com a consulta. A verdade é que ninguém ainda conseguiu fechar a equação.”
Thomaz está tentando. Nos próximos meses, o dr consulta pretende lançar um produto B2B voltado às operadoras de saúde. O dr. consulta ficará responsável pelo atendimento primário e secundário dos pacientes dos planos, cobrando das operadoras um valor fixo mensal por vida — um modelo conhecido como pm/pm (per month/per member).
Hoje, os hospitais cobram por cada consulta ou exame, o que gera um desalinhamento já que o hospital ganha mais quanto maior for o número de procedimentos. Mas, segundo Thomaz, o grande atrativo do novo produto é uma ferramenta que mede o grau de risco de saúde dos pacientes. No primeiro atendimento, o dr. consulta já colhe uma série de dados, e o paciente sai de lá com um ‘grau de risco’ inicial. Quanto mais o paciente usa a rede, esse health score vai sendo aprimorado, tornando os modelos preditivos cada vez mais precisos.
É impossível para um leigo atestar a qualidade da ferramenta do dr consulta. Se, por um lado, “não há nenhuma clínica no patamar de tecnologia do dr consulta,” como diz uma fonte no mercado de venture capital, por outro lado, um médico que já teve contato com o protocolo diz que ele “ainda está longe de entregar o prometido”.
Thomaz está construindo a narrativa de healthtech num momento em que o dr consulta acaba de passar por um capítulo traumático para sua cultura interna. Nos últimos meses, a startup fez dezenas de demissões e sofreu um êxodo de funcionários, incluindo seu CTO.
Thomaz não se desculpa: “Estávamos com a estrutura muito inchada e decidimos reduzir para melhorar o foco.”
Muitos funcionários saíram da empresa se queixando da liderança do próprio Thomaz, “um cara difícil de lidar,” e “pragmático ao extremo.” No mundo das startups, onde a liderança muitas vezes é exercida em cima do carisma do fundador, isso é um problema.
Num País onde mais de 150 milhões de pessoas não têm acesso a planos de saúde (e onde o sistema público pode ser letal), a inovação preencheu uma lacuna. Hoje, são 60 centros médicos em São Paulo, Rio e Belo Horizonte.
Os números estão melhorando. No ano passado, a rede faturou R$ 225 milhões e, segundo Thomaz, o ‘run rate’ de maio indica um faturamento de R$ 320 milhões nos próximos 12 meses. O EBITDA ainda é negativo, mas ele diz que a empresa é “estruturalmente lucrativa” (nas palavras dele: “se parasse de investir em crescimento, passaria do breakeven”).
O dr. consulta já fez cinco rodadas de capital nas quais levantou US$ 95 milhões. Entre os investidores estão a Madrone Capital Partners (o family office da família Walton, controladora do Walmart); a Kaszek Ventures; e o LGT, o fundo de ‘social impact’ da família real de Liechtenstein. O sócio da 3G Carlos Alberto Sicupira e o co-fundador da Odontoprev, Renato Velloso, também investiram na startup. (Velloso é o vp de novos negócios da empresa)
No ano passado, o dr. consulta tentou levantar uma nova rodada, mas os investidores não toparam o valuation proposto.
“Foi uma frustração grande. Ficamos três meses discutindo [o valor], até que cansamos e decidimos fazer uma rodada interna”, diz o fundador. “Todos os sócios toparam e fizemos esse mini ‘round’ onde entraram mais dois sócios: o [José] Galló e o Nizan [Guanaes].”
Para acelerar os investimentos em tecnologia, a companhia deve buscar uma nova captação no segundo semestre.
O dr. consulta também está testando um modelo de receitas recorrentes: lançou um plano de assinatura em parceria com a Yalo, uma startup que funciona como um clube de benefícios para empresas e consumidores.
Fundada por Antônio Castilho, o ex-executivo da Visa que trouxe a Elavon para o Brasil, a Yalo cobra R$ 33 por mês e oferece consultas por apenas R$ 40 no dr. consulta (o preço normal vai de R$ 90 a R$ 150), além de descontos de 20% nos exames. O plano também dá descontos em academias, medicamentos e acesso a crédito do Banco Votorantim.
“Conseguimos cobrar menos porque apostamos na escala e na recorrência”, diz Renato Velloso. “E queremos essa recorrência porque isso ajuda a melhorar o algoritmo de predição.”
Com as novas verticais e soluções, o dr. consulta quer chegar a um modelo parecido com o do Good Doctor, o marketplace da seguradora chinesa Ping An que conecta médicos e pacientes — e que tem na tecnologia o coração do negócio.
“O dr. consulta nunca vai chegar num platô”, diz Thomaz. “A gestão de uma empresa tem que ser um processo de disrupção contínua dela mesma.”
Fonte: Brazil Journal