17/05/2015 – 02h00
Enquanto os parlamentares decidem se irão universalizar a terceirização do trabalho para todos os tipos de tarefas, essa maneira de contratação vem ganhando espaço no país.
Cerca de 12 milhões de brasileiros já são terceirizados. A estimativa é do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos). Isso representa cerca de 27% do total de trabalhadores formais.
A terceirização é um contrato pelo qual uma pessoa presta serviço em uma empresa, mas é empregada de outra. Hoje, ela é proibida para a atividade-fim, o essencial para que a empresa desenvolva seu produto.
Ela está liberada para os trabalhos chamados de atividade-meio, ou seja, que são acessórios.
A terceirização, explica o professor da Faculdade de Administração e Economia da USP Arnaldo Nogueira, é parte de uma tendência de flexibilização da maneira como as coisas são produzidas.
“É um fenômeno global e o Brasil entrou com tudo. Atingiu um volume e intensidade que não se via antes.”
Wilson de Jesus Santos, 40, tem uma empresa que oferece trabalho de terceirizados como seguranças, porteiros e profissionais de limpeza.
Ele defende a terceirização pela praticidade para a tomadora de serviços, que não se preocupa com impostos e tributos, além da garantia de que sempre haverá alguém para cumprir a tarefa -quando um funcionário falta, um volante substitui. Santos tem hoje mais de 100 funcionários. A terceirização “é um fenômeno que não vai retroagir” e que deu certo em países europeus e nos EUA, diz.
Mesmo sendo uma tendência, há divergências em torno dessa prática. Nogueira classifica o trabalho terceirizado como precário, citando salários mais baixos e maior incidência de acidentes e riscos à saúde.
A terceirização “é boa e é ruim”, afirma o publicitário Paulo Augusto Boyadjian, 31, que já trabalhou como terceirizado, empregado contratado e, hoje, é dono de uma agência que terceiriza parte das campanhas.
Para ele, a desvantagem é que um contrato por CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) dá mais amparo ao trabalhador, como maior facilidade para obter licença por doença.
Já a vantagem é que, trabalhando como terceirizado, recebeu mais dinheiro diretamente no bolso, já que não havia todos os descontos exigidos para funcionários celetistas -o que o levou a abrir uma empresa neste regime.
José Moreira, 37, é porteiro contratado como terceirizado em um edifício em São Paulo e tem dois colegas que desempenham funções parecidas, mas que são funcionários diretos.
Moreira diz estar satisfeito com o vale-alimentação que só ele ganha no condomínio, mas que preferiria também ter um seguro-saúde, como os outros.
O chefe dele, Wilson de Jesus dos Santos, defende a terceirização dizendo que o regime de trabalho é mais vantajoso -seus funcionários fazem 12 horas por 36 de descanso. “São 15 dias no mês, o salário da hora é quase equivalente ao de um funcionário orgânico -que é do próprio tomador de serviços”, afirma.
A remuneração diferente divide o debate sobre a prática da terceirização.
O professor da Faculdade de Administração e Economia da USP Arnaldo Nogueira diz que terceirizados recebem 30% a menos do que funcionários contratados diretos na mesma função.
Já o advogado Giancarlo Borba, do escritório Siqueira Campos, diz que a terceirização é uma tendência global e que ganha força no Brasil justamente por permitir maior remuneração para mão de obra mais qualificada.
Ele cita a indústria automobilística, na qual trabalhadores ultraespecializados são terceirizados, mas com remunerações mais altas.
A empresa de Santos oferece uma terceirização de atividade-meio, portanto aceita pela Justiça, mas esse não foi o único tipo que cresceu no Brasil nos últimos anos.
A que hoje é considerada irregular, aquela em que os trabalhadores se envolvem com a fabricação do produto da empresa, tem crescido no Estado de São Paulo.
Quem afirma é o procurador Charles Lustosa Silvestre. Ele é o responsável pela coordenadoria do Ministério Público do Trabalho encarregada de combater fraudes.
Hoje a terceirização é o principal motivo de inquéritos civis do departamento do Ministério Público encarregado de investigar denúncias, diz Silvestre.
Entre 2012 e 2014, foram abertos 1.245 inquéritos envolvendo empregados indiretos que faziam serviços considerados fundamentais para a empresa. É esse contrato que a lei em discussão no Congresso pode tornar legal.
Para o professor de direito da USP Estêvão Mallet, a distinção entre atividade-fim e meio é frágil. Ele exemplifica com o caso de limpeza em um hospital: não é serviço médico, mas, sem ela, os pacientes seriam afetados.
Além disso, diz, a regra existe por uma decisão da Justiça do Trabalho que pode ser revertida. Isso, afirma, gera uma incerteza “que é ruim para todos”.
Folha de S. Paulo – SP