19/02/2015 05:00
Por Denise Neumann
No momento em que o governo discute onde buscar mais recursos para fazer o quase impossível ajuste equivalente a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB), uma tese de mestrado recém-defendida sugere que a desoneração da folha de salários teve efeito positivo para o emprego e a remuneração dos trabalhadores nas empresas e setores beneficiados. Usando informações sobre 74 mil empresas dos quatro primeiros setores abrangidos pela medida, o estudo indica que em 2012 o número médio de empregados nas firmas desoneradas aumentou 17,1%, enquanto nas empresas do mesmo setor não beneficiadas pela medida a alta foi de 2,9%. O trabalho foi defendido pelo brasileiro Clóvis Scherer no Instituto de Estudos Sociais (ISS) de Haia, na Holanda. O objetivo foi avaliar os impactos da polêmica medida sobre o mercado de trabalho (emprego, horas trabalhadas e salários) nos primeiros quatro setores beneficiados indústria de couro e calçados, de confecções e de parte do setor têxtil, empresas de call center e serviços de tecnologia da informação no primeiro ano de vigência da nova regra.
Pela dificuldade de obter informações e pela complexidade, o trabalho não detalhou outros impactos macroeconômicos da mudança de regra nem discutiu o custobenefício do impacto fiscal. A desoneração da folha de salários, nos cálculos da Receita Federal, custou R$ 3,6 bilhões em 2012 em renúncia fiscal. No ano passado, quando a medida já beneficiava 56 setores, a conta chegou a R$ 21,6 bilhões. Por essa magnitude, e pela dificuldade de mapear seu custobenefício, a regra que alterou a forma de contribuição patronal para a Previdência (passou de uma parcela de 20% sobre a folha de salários para percentual entre 1% a 2% do faturamento) tem sido apontada como candidata ao ajuste fiscal. Scherer, que trabalha como economista no Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), defende a manutenção da regra com o aprofundamento de estudos e avaliações sobre seu real impacto, macroeconômico, social e fiscal.
Para identificar se a medida funcionou, Scherer comparou a evolução do emprego, horas trabalhadas e salário real em empresas do mesmo setor, separando as potencialmente beneficiadas pelas medidas (tributação pelo lucro real ou presumido com até 50 empregados) e as não beneficiadas (que recolhem pelo Simples). A intenção foi isolar fatores macroeconômicos ou intersetoriais que poderiam distorcer a comparação, explica Scherer, acrescentando que ele também separou e olhou empresas de tamanho similar, com até 50 empregados em 2011, para tornar as amostras mais comparáveis. A base foi a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2011 e 2012 e foram mantidas na amostra apenas as empresas com dados nos dois anos.Outra forma de olhar para os dados e que reforça a conclusão positiva de Scherer é constatar que, nos quatro setores estudados, o total de vínculos formais de trabalho passou de 779,3 mil, em 2011, para 827,7 mil em 2012. Desse aumento de 48,4 mil novos vínculos, 31,2 mil (ou 64% do total) foram gerados em empresas sob o regime tributário alcançado pela desoneração.
Scherer observa que nas grandes firmas o impacto do emprego também foi positivo, mas menos intenso que nas companhias até 50 empregados, o que talvez possa ser explicado pela dúvida dos empresários sobre a continuidade da medida, já que inicialmente ela tinha caráter temporário. Em grandes companhias, uma ampliação mais expressiva exigiria, igualmente, mais investimento. Além do emprego ter crescido mais nas empresas desoneradas, o desempenho das horas trabalhadas (9,6 % mais) e do salário real (2,3% a mais) também foi melhor, aponta Scherer.
Para identificar se essa não é uma tendência recorrente (o melhor desempenho das companhias fora do Simples), o economista comparou a evolução dos mesmos indicadores entre 2010 e 2011, antes da desoneração. Naquele período o comportamento foi diverso, com o emprego crescendo mais nas empresas que adotam o Simples. Como agora os dados da Rais de 2013 já estão disponíveis (e mais setores estavam incluídos na regra), Scherer está ampliando o estudo que virou sua tese de mestrado, escolhida como a melhor dissertação do ano passado no programa de políticas públicas e desenvolvimento do ISS da Holanda. Além de incluir mais setores, ele pretende avançar sobre o impacto da medida na carga tributária das empresas e setores.
“Políticas públicas são difíceis de serem avaliadas. Os dados que permitem sua concreta avaliação demoram para sair, é uma tarefa que requer tempo”, diz o pesquisador. Ele propõe que o programa de desoneração seja continuamente avaliado. Sua tese, faz questão de apontar, não esgota o tema, mas é uma contribuição ao debate, que precisa ser ampliado com mais fontes de informação. Scherer não está convencido, por exemplo, que o valor de renúncia fiscal apontado pela Receita esteja correto. Se a desoneração realmente criou empregos, qual teria sido a arrecadação da Previdência se não houvesse a desoneração, questiona. O valor, diz, talvez seja menor.
Valor Econômico – SP