Entrevista com Rajiv Lal, Professor da Harvard Business School
Tamanho não é, necessariamente,documento quando o tema é a disputa entre varejistas off-line e gigantes do comércio eletrônico.
Embora as lojas de departamentos trabalhem, normalmente, com uma grande variedade de produtos, a competiçãomovida por pesos pesados virtuais como a Amazon e o eBay pode desequilibrar a equação econômica das lojas físicas, tornando-as não lucrativas, adverte Rajiv Lal, professor sênior de Varejo na Harvard Business School.
Coautor do livro recém-lançado Retail revolution: will your brick & mortar store survive? (em tradução livre: Revolução do varejo: sua loja física vai sobreviver?), Lal participou recentemente de evento nos Estados Unidos organizado pelo Grupo Padrão, responsável pela edição da revista NOVAREJO.
Rodrigo Carro
rodrigo.carro@brasileconomico.com.br
As vendas do varejo pela web continuam a avançar em ritmo acelerado. As lojas físicas tendem a desaparecer ou vão conviver com canais online ?
[A sobrevivência das lojas físicas] não é só uma questão de omnichannel (integração de canais).
É claro que o omnichannel é fato consumado.
Mas o ponto mais importante que tentamos enfatizar no nosso livro é de como o varejista precisa mudar continuamente sua loja física para pode competir com as Amazons espalhadas pelo mundo.
Se não fizerem o movimento na direção certa, as mudanças corretas, então, mesmo com a adoção e execução da estratégia de omnichannel, as lojas físicas estarão sob pressão.
Mesmo grandes redes do varejo físico, como Walmart, estão ameaçadas?
A ameaça representada pelas varejistas baseados unicamente na internet é diferente para diversos setores do varejo.
Logo, você pode dizer que a resposta é diferente para cada varejista.
Para o segmento de eletrônicos a ameaça é, talvez,mais significativa do que, por exemplo, para lojas de material de construção e reforma.
Mas, ao mesmo tempo, quase todas as lojas vão ter algum setor com produtos ameaçados pela concorrência online.
O problema é que, se 5% ou 10% da sua loja se tornam não lucrativos, o equilíbrio econômico do negócio é atingido dramaticamente.
O comportamento de compra das gerações mais novas já se alterou…
Se você olhar para os millennials (também chamados de Geração Y), eles estão cada vez mais confortáveis em comprar um monte de coisas pela internet.
Costumávamos pensar que para mercadorias que você precisa tocar, sentir e experimentar você teria de ir até a loja e, depois, comprar pela web, talvez.
Mas o que está acontecendo, pelo menos nos Estados Unidos, é que os millennials se sentem muito à vontade em comprar roupas e sapatos e coisas do gênero por canais online.
Mesmo no caso de produtos como carros?
O caso dos carros é diferente.
Mas mesmo no mercado de carros o que está acontecendo é que as pessoas fazem muita (pesquisa) pré-compra.
Elas pesquisam o preço e depois vão à concessionária para conferir o carro, mas negociam de forma muito dura a questão do preço.
Então, a disponibilidade de informações está mudando o comportamento do consumidor automotivo?
Sim, toda essa informação disponível mudou o negócio de carros.
As concessionárias costumavam ganhar dinheiro de três ou quatro formas distintas.
Uma delas era a comercialização do veículo.
Outra era a venda de todos os acessórios.
E havia também a parte financeira e a prestação de serviços, é claro.
O que aconteceu, a partir do momento em que as pessoas acessaram toda essa informação, é que elas passaram a ter uma boa ideia de quanto um carro custa para a concessionária.
E, quando eles entram numa concessionária, dizem: Esse é o preço que eu quero pagar.
Quais as principais diferenças entre o varejo online nos mercados mais maduros, como Estados Unidos e Europa, e nos países emergentes?
Nos mercados emergentes, há duas ou três coisas que é preciso analisar demaneiramuito cuidadosa.
Em primeiro lugar, nos mercados emergentes fazer compras é entretenimento.
Muitas pessoas vão ao shopping fazer compras como forma de entretenimento, para se divertirem.
É uma maneira divertida de passarem o tempo.
E isso não vai desaparecer.
Uma segunda coisa é que, se você observar os negócios online, eles oferecem conveniência.
E, nos mercados emergentes, a infraestrutura é muito deficiente.
Se você quer sair para fazer compras, a quantidade de tempo gasto no transporte é muito alta.
Mesmo a gasolina é cara, a ponto de tornar o custo de uma visita até a loja (física) bastante significativo.
Se você pensar na questão da infraestrutura e, portanto, no custo de fazer uma visita até a loja, estes são (fatores) muito significativos nos mercados emergentes.
Isso estimularia uma migração dos consumidores para os canais online?
Certamente, para pessoas que passaram o dia inteiro trabalhando, gastar uma hora para ir até um shopping e mais outra para voltar é muito complicado.
Nesse sentido, mesmo nos mercados emergentes, os consumidores estão inclinados a comprar pela internet.
Mas há duas ou três coisas em que a internet não é lá muito boa nos países emergentes.
Quais?
Uma delas está relacionada à entrega: você recebeu aquilo que comprou?
A segunda é a questão de quando você comprou e quando recebeu.
A encomenda foi entregue a tempo?
E a terceira é a questão da devolução: se eu compro um produto e não gosto, posso devolver?
Então, há prós e contras.
De um lado, mesmo nos mercados emergentes você pode decidir sair para fazer compras porque é uma forma de entretenimento.
Do outro, a infraestrutura é tão ruim que o custo de deslocamento é alto, de forma que as pessoas, especialmente nas classes média e alta, podem se interessar muito pelo varejo online.
Mas, nesse caso, as lojas virtuais precisam ser tão boas quanto as existentes nos Estados Unidos em termos de confiança, entregas e de controle da qualidade das mercadorias.
Na medida em que toda essa estrutura funcione, os negócios na internet vão progredir.
É um trade-off.
Quais as perspectivas no longo prazo?
À medida em que esses problemas forem resolvidos, os negócios na internet em países emergentes vão ser capazes de ganhar a confiança (dos consumidores) e terão um desempenho ainda melhor do que os mercados desenvolvidos, pelo fato de o custo de deslocamento ser muito elevado em alguns dos emergentes.
Podemos esperar um futuro com apenas uma dúzia de varejistas online dominando o comércio eletrônico?
Esse é um negócio de escala.
É um negócio baseado numa plataforma e em relações.
E é um negócio de marketplaces que têm dois lados: parceiros e plataforma, o que significa investimentos em tecnologia.
O número de pessoas que podem realmente sobreviver é muito pequeno.
Se você olhar para o mercado dos Estados Unidos, os negócios na internet vêm se desenvolvendo há quase 20 anos.
Se você pensar no player puramente de internet, há apenas dois grandes.
Um é a Amazon e outro, o eBay.
Mas o eBay não é realmente tão grande quanto a Amazon.
E, é claro, quase toda a loja física tem também a sua operação online.
A possibilidade de pesquisar e comparar preços na internet, principalmente por meio de dispositivos móveis, é particularmente cruel para os pequenos varejistas?
Há um negócio que alguém pode começar: fornecer plataformas (de comércio eletrônico) para lojas de bairro.
Alguém pode começar um negócio exatamente como a Amazon.
Agora, podemos pensar em reunir milhões de pequenos fornecedores numa mesma plataforma.
Sozinhas, cada uma das lojas de bairro não teriam como investir na internet, mas se alguém abrir um negócio que as ajudasse a fazer parte de uma plataforma na internet, isso as tornaria mais competitivas.
Mas os desafios para estes pequenos varejistas continuam enormes, certo?
Os pequenos varejistas vão enfrentar desafios, assim como acontece também nos Estados Unidos.
Se você é um pequeno varejista online, seu custo de aquisição de clientes é muito alto.
A internet é um ótimo canal para chamar a atenção, mas um canal muito difícil para fechar uma aquisição.
E foi por isso que a Amazon, quando lançou seus serviços, gastou muito dinheiro para garantir que as pessoas, quando quisessem comprar algo, pensassem na Amazon.
Qual o fator-chave para o sucesso no varejo online?
Os fatores-chave são realmente tecnologia e pessoas.
A Amazon não é hoje mais tanto uma varejista online como costumava ser.
Atualmente, é muito mais uma empresa de tecnologia.
Veja quantos cientistas da computação a Amazon contrata.
Ela já é uma empresa de tecnologia.
Brasil Econômico – SP