Maria Susana de Souza, vice-presidente de gente, gestão e sustentabilidade da Raia Drogasil, fala sobre lições e desafios do modelo híbrido e do futuro do trabalho
Por Luisa Granato
Em oito anos na Raia Drogasil, Maria Susana de Souza, Vice-presidente de Gente, Cultura e Sustentabilidade, vê que seu estilo de liderança mudou após a pandemia.
“Muitas vezes entro na sala e falo ‘não sei, o que vocês acham?’. E deixou as opiniões abertas par pensarmos juntos. Não existe resposta pronta ou solução pronta. Soluções prontas não vão resolver questões novas”, diz.
De fato, a executiva comenta em entrevista exclusiva para a EXAME, que somente o propósito da empresa não mudou. Na verdade, o período reforçou a urgência por ter um cuidado maior e com maior empatia na empresa.
Agora, a RD se juntou a outras empresas que decidiram que iriam manter seus funcionários no modelo híbrido após a pandemia. Com muito cuidado e aprendizados na prática, a VP conta que eles querem dar a maior liberdade possível dentro de uma estrutura geral de regras.
“Acho que existe uma jornada de aprendizado. A gente ainda tem muito para amadurecer no novo formato para tirar o melhor dele. E não é linear, a gente não acredita em uma solução única para todo mundo. Fazemos parte de uma geração que tomou decisões sem precedentes”, afirma.
Como fala a vice-presidente, tudo o que a Raia Drogasil faz ganha grandes escalas. São 50 mil funcionários pelo Brasil, um marco atingido em fevereiro deste ano.
A empresa se manteve como uma das mais fortes geradoras de emprego formal no Brasil. Em dois anos, eles mantiveram uma média de 3.000 contratações por ano.
E, quando o assunto é treinamento, os números também são impressionantes: mais de 42 mil profissionais realizaram 4,3 milhões de horas de treinamento em 2021.
“Tudo o que a gente faz tem escala, tudo é muito. Se vamos reunir uma turma, de repente são milhares que estamos falando”, conta.
Entre os desafios de sua dimensão, reter talentos é chave para manter toda a estrutura funcionando. A executiva conta que o propósito centrado em cuidado é essencial para manter a “liga” entre todos.
Para isso, o plano de progressão de carreira e desenvolvimento dentro da empresa deve se conectar com a estratégia de educação. As horas de treinamento não são à toa, o aprendizado faz parte do plano de carreira ali dentro. Em 20 anos, a RD não precisou contratar gerentes de farmácia no mercado.
Como está sendo a transição para o pós-pandemia na empresa?
A gente imaginava que seria um ano. E se passaram dois anos, ainda com um rescaldo no começo do ano com a Ômicron. E é assim, igual o ditado: deus ajuda quem cedo madruga. E isso realmente foi colocado em teste quando começou a pandemia, a gente já vinha com muitas intenções e projetos para construir uma organização mais ancorada no cuidado e saúde do funcionário e do cliente, olhando para a saúde integral.
Me surpreendeu como colocamos muitas boas soluções em prática e rápido. Não deixamos de abrir as farmácias. E, depois de dois anos, estamos nos preparando para voltar. E estamos fazendo um engajamento voluntário, deixando a vontade para as pessoas usarem as instalações e sendo exigentes com protocolos.
E não abandonamos as iniciativas de pandemia, pelo contrário. Nos vemos fortalecendo a visão de uma empresa voltada para o cuidado. Percebemos que temos uma conexão mais emocional entre todos e reforçamos nossa cultura de doação.
E como será o modelo de trabalho?
Recentemente, anunciamos oficialmente o formato híbrido de trabalho, permitindo que lições aprendidas fossem aproveitadas. A gente fala que o híbrido é difícil, mais do que com todo mundo em home office ou presencial. Não existe meio do caminho e isso nos impõe um desafio de como tornar a agenda de todos produtiva remotamente ou presencial no escritório. O estar junto tem outro significado, a gente não quer estar junto só para cumprir uma tarefa.
Queremos estar presentes para discutir temas relevantes, celebrar, falar sobre visão de futuro. A tarefa a gente pode fazer de qualquer lugar. Acima de tudo, pensamos em oferecer um lugar bom, então fizemos uma reforma grande na matriz, adaptando instalações e criando espaços abertos para convivência. Acho que a intenção ficou clara de que queremos um espaço que as pessoas venham e gostem de estar.
Passamos por um período duro, de muitas perdas, muitas pessoas e colegas perderam gente próxima e isso não é simples, por isso queremos respeitar o momento de cada um. E no retorno, tenho feito encontros apenas falando de futuro.
A pesquisa anual da Microsoft de tendências mostrou que um desafio para 38% dos trabalhadores híbrido é entender quando e porque ir ao escritório. Por outro lado, estabelecer regras pode limitar a flexibilidade. Você vê esses desafios?
Não poderia concordar mais. Tivemos algumas tentativas até frustradas de colocar estrutura e agenda, e rapidamente abandonamos e vimos que não faz sentido. A lógica e a dinâmica são diferentes. O que colocamos é que é desejável que venham. Para a liderança, conversamos sobre uma frequência de duas ou três vezes.
Mas a gente resolveu de fato que íamos confiar que a liderança iria encontrar os melhores caminhos junto das equipes. Então, alguns podem combinar que venham na segunda, quarta e sexta, outros, apenas quinta e sexta. Queremos que eles encontrem o porquê e quando faz sentido estar presente.
A recomendação que passamos é que quando estiverem aqui, que se evitem atividades muito online e aproveitem que estão fisicamente aqui. E que promovam encontros e conversas para que possam trocar juntos. Não vale ir para o escritório e passar o dia no Zoom.
Outra coisa é tentar promover, na medida do possível, as reuniões de grupo presencialmente. Assim, o momento pode ganhar força e significado. E no dia que tem que fazer uma leitura ou trabalho profundo, que seja de onde quiser.
A gente deixou uma liberdade dentro de uma estrutura. O híbrido é diferente de gestão à distância de antigamente. Todo mundo já teve equipes assim. Eu trabalho para cinco países já. A dinâmica é diferente se tem um longe e o resto está presencial.
Acho que existe uma jornada de aprendizado. A gente ainda tem muito para amadurecer no novo formato para tirar o melhor dele. E não é linear, a gente não acredita em uma solução única para todo mundo. Fazemos parte de uma geração que tomou decisões sem precedentes. Nunca tinha tomado essas decisões e a gente fez isso sem ter vivido um contexto assim antes. Será um marco para nossas trajetórias.
E vocês chegaram à marca de 50.000 funcionários em fevereiro de 2022. Quais foram os desafios? E que oportunidades vê para esse ano?
Sem dúvida, esse foi meu oitavo ano na RD. Nem lembro bem, mas tínhamos 15 mil pessoas. Tudo o que a gente faz tem escala, tudo é muito. Se vamos reunir uma turma, de repente são milhares que estamos falando. No evento que fazemos todos os anos, os notáveis do ano, fica cada vez mais difícil encontrar um lugar que nos acomode.
A gente vê uma evolução da RD e da nossa gente, mas tenho absoluta convicção que nosso propósito continua fazendo sentido e que engaja a todos. É nosso melhor convite. Junto a isso, o que traz significado também é o sentido de prosperidade.
As pessoas sabem que crescem aqui. Temos um volume de contratação muito grande, geramos muitas oportunidades de trabalho. E nosso diferencial, e que dá orgulho, é que contratamos o jovem e aqui ele se desenvolve e cresce. Em poucos anos, ele se torna líder e assume oportunidades diferentes.
No seu bairro, sua comunidade e na sociedade, aquele jovem vai, em alguns casos, ser o exemplo na sua família. Hoje, somos fonte de primeiro emprego, principalmente em farmácias e centros de distribuição. E todos os gerentes, sem exceção, foram promovidos dentro de casa.
Esse pessoal foi se desenvolvendo, sendo treinado e assumindo responsabilidades, se tornaram líderes com autonomia. Temos uma enorme dispersão geográfica, se não tivermos a conexão pelo propósito, não íamos prosperar da forma que prosperamos.
E oportunidades para jovens? Gostaria que destacasse um pouco sobre a entrada da geração z no mercado, o que vê de mudança e diferencial?
Nossa, essa é uma pergunta de resposta ampla. Não faz muito tempo que falava em sermos uma companhia dos 16 aos 76 anos. O enorme desafio de qualquer organização vai ser encontrar o significado para expectativas tão diferentes. Já é uma realidade para nós. Não é só jovens ou 50+, tenho uma equipe de 16, 18, 30, 40, 50… é uma caldeira de caldo grosso e a riqueza está na diversidade.
Sobretudo, a diversidade de pensamento, de ideias, da maneira que se conectam com o mundo. O mundo novo é diferente e as pessoas querem ter experiências de impacto. E eles buscam propósito.
Acho que as pessoas querem ser vistas como os indivíduos que são, querem poder trabalhar em ambientes onde expressem seus sentimentos, emoções e formas de pensar. De novo, não tem fórmula pronta ou bala de prata, o que a gente precisa é uma genuína abertura para aprender sempre.
Hoje, honestamente, nos meus 50+, deixei de ter opinião forte para algumas coisas e tenho mais perguntas do que respostas. Muitas vezes entro na sala e falo “não sei, o que vocês acham?”. E deixou as opiniões abertas para pensarmos juntos. Não existe resposta pronta ou solução pronta.
Soluções prontas não vão resolver questões novas. Existem expectativas diferentes sobre a volta ao trabalho, as pessoas querem tempo para fazer mais coisas no dia e nem sempre a moeda de troca será financeira. A relação é pautada por outros elementos.
Como organização, a RD se vê como espaço de colaboração. Em estudo interno, os líderes disseram que colaboram muito e recebem colaboração. Acho que isso nos conecta muito com o futuro. Não é à toa que vemos tantos ecossistemas por aí, eles encontram soluções mais completas para as pessoas.
Fonte: Exame