Por Adriana Mattos | Logo na entrada de qualquer uma das 33 lojas da rede St Marche é possível ver dois carrinhos de supermercados cheios. Em um estão os produtos da varejista, e no outro, os mesmos itens vendidos no Pão de Açúcar mais próximo. A diferença de preços de produtos como café Pilão, xampu Pantene e leite Italac aparece em números garrafais – e a lista do St Marche, com os produtos por ela escolhidos, é a mais barata.
“Quem chega toma um susto porque vê a pilha de Omo, Comfort e leite condensado no carrinho e pensa, ‘nossa, eles fazem oferta?”, diz Bernardo Ouro Preto, sócio e um dos fundadores do St Marche. Nos corredores dos itens de mercearia, nas gôndolas na altura dos olhos (o local mais estratégico para as marcas num supermercado) não há mais produtos premium – estão nas prateleiras inferiores. O espaço nobre passou a ser ocupado por campeões de venda como o arroz Camil e o chocolate Nestlé.
No fundo das lojas foram espalhados cartazes em vermelho e amarelo, com as ofertas. “Você vai ver em todo lugar isso, são uns cartazes feios, mas a questão é o impacto que causa dentro da nossa proposta”, diz o sócio. A rede St Marche quer parecer menos “careira”, percepção que avalia estar errada. Diz que sempre teve o mesmo preço de seus competidores, mas não é percebida dessa forma, segundo pesquisas internas. As mudanças ocorrem após um aumento no prejuízo em 2022, quando as vendas cresceram 6% – a inflação (IPCA) foi de 5,78%.
Na prática, essa é uma imagem que o próprio St Marche ajudou a consolidar. A cadeia foi fundada em 2002 a partir da abertura de lojas sofisticadas em bairros de alta renda. Isso nunca foi um problema, só que o cenário mudou. “A gente sempre ignorou esse calcanhar de Aquiles, e não era uma questão porque achávamos que isso não estava afastando ninguém das lojas. Mas hoje, como eu vou entrar em novas praças com essa reputação?”, afirma o sócio.
A empresa projeta chegar a 250 lojas em uma década, mas lembra que “não existem 250 bairros do Jardins no Brasil, não existem 250 bairros de Moema”, diz ele. “Temos que vender para além disso”.
Nos últimos meses, o foco passou a ser o de atrair novos compradores onde a cadeia abre lojas. Cinco unidades foram inauguradas em 2022 e serão mais três neste ano. Foram 13 aberturas em 24 meses, um recorde, e todas as 33 lojas estão no Estado de São Paulo.
Há riscos nesse processo de mudança, e o assunto foi longamente debatido pelos sócios no ano passado, até se tomar essa decisão. Analistas citam a hipótese de rejeição de consumidores fiéis, de alta renda, que buscam produtos premium na rede, e a hipótese de a cadeia não conseguir sustentar preços competitivos.
“Não temos visto rejeição, pelo contrário”, diz Ouro Preto. Mensalmente, o St Marche faz 6 mil pesquisas, em média, sobre o nível de satisfação da clientela em todas as lojas, e a nota do nível de serviço tem subido no ano, afirma.
O empresário diz que as vendas de lojas com mais de um ano crescem dois dígitos baixos após as mudanças (no Pão de Açúcar, a alta foi de 8,6% de abril a junho). E pela primeira vez, a venda do Dia dos Pais foi melhor que a do Dia das Mães. “Tripliquei a venda de fralda e quadrupliquei a de óleo de cozinha.”
Para que esse modelo de loja mais “democrática” avance, é preciso amarrar negociações com a indústria. O ponto é que a varejista ainda não tem volume para barganhar melhores condições.
“Falamos com todo mundo antes. Para a Ambev, eu disse, ‘olha, a gente precisa vender Skol também. Não vou comprar milhões de litros de Skol, óbvio. Mas já vendemos muito bem a Stella Artois, só que eu preciso da Skol. Então, nos ajudem”, diz Ouro Preto. “Tenho falado que vamos abrir mais lojas, serei um parceiro ainda mais relevante ali na frente, e vou dar mais volume a eles logo”.
A empresa quer ganhar robustez no curto prazo, em parte, por conta de plano de abertura de capital após 2024. A rede havia desistido de abrir o capital com o fechamento da janela de mercado em 2021. Ouro Preto acredita que as ofertas iniciais de ações voltam em 2024, e a empresa pode chegar em 2025 com R$ 1,8 bilhão em vendas e margem lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação (Ebitda) de 6%. Esse resultado pode abrir caminho para uma oferta.
Os números da controladora, a Hortus, que reúne também duas lojas do Empório Santa Maria, não têm sido bons e foi preciso aportar recursos ao negócio.
A Hortus tem prejuízo há pelo menos quatro anos (ver gráficos), com efeito dos juros altos, diz o balanço de 2022. O prejuízo acumulado era de R$ 277 milhões no fim do ano passado – patrimônio líquido negativo de R$ 130 milhões na controladora.
Em abril de 2022, foram emitidos R$ 200 milhões de debêntures para melhorar o perfil do endividamento. Em julho os sócios colocaram R$ 100 milhões no grupo. Ainda em 2022, houve uma redução da estrutura – a diretoria atual é menos da metade da que existia na pandemia, e a sede hoje ocupa área equivalente a dois terços do espaço anterior.
A receita líquida da Hortus subiu 6% em 2022, mas as despesas operacionais avançaram 11%, reflexo de aberturas mais aceleradas. As despesas financeiras, afetadas por juros, quase dobraram.
Segundo Ouro Preto, a empresa passou por um “aprendizado” nos últimos anos. “Fizemos um trabalho de reorganização deixando a empresa mais enxuta. Mas tivemos a pressão forte da Selic após 2021, que elevou muito o custo do capital. Mas, apesar das mudanças que estamos tocando, temos sido conservadores no uso do capital. Adiamos duas aberturas para o ano que vem dentro dessa postura”, afirma.
Fonte: Valor Econômico