Deusmar Queirós faz um balanço dos 35 anos da rede de farmácias que surgiu em Fortaleza (CE) e pretende fechar o ano com 940 lojas
Aos 69 anos, o empresário Deusmar Queirós, fundador da rede de farmácia Pague Menos, mantém seu discurso afiado. Bem-humorado, polêmico, Queirós fez sua fama como comerciante ao transformar uma pequena loja em Fortaleza, fundada em 1981, na segunda maior rede de farmácias do país. Trinta e cinco anos depois, ele diz que superou “infinitas crises econômicas” seguindo uma premissa herdada de seu pai, também comerciante. “Vendo a cama, durmo no chão, mas um credor não sai sem receber dinheiro”. Ter escolhido um setor resiliente às turbulências que “vende bens de primeiríssima necessidade” foi parte importante desse sucesso. Queirós costuma dizer que a doença é a coisa mais democrática que existe – “ninguém escapa” – quando justifica para qual público fundou sua rede: “Vamos no popular para atender todo mundo”.
Com um faturamento de R$ 4,9 bilhões em 2015, a Pague Menos deve fechar o ano com 940 lojas e crescimento de 20%. Mantém sua meta de chegar a 2017 com mil lojas, ampliando um projeto que leva maior responsabilidade e atribuições ao farmacêutico e trabalhando com a IBM em um levantamento para mapear os hábitos de consumo dos brasileiros. Em troca, a ideia é oferecer opções personalizadas.
Ao refletir sobre conquistas e desafios em sua trajetória, Queirós prefere falar do que mais se orgulha atualmente: ver seus quatro filhos seguindo carreira dentro da empresa. O mais novo, Mário Henrique Alves de Queirós, assumiu a presidência em janeiro – uma troca exigida pelo fundo americano GE que adquiriu 17% da Pague Menos. A troca no comando, contudo, não mudou a rotina de Queirós pai, que mantém-se próximo do processo decisório e continua a viajar para visitar fornecedores e laboratórios.
Em entrevista à Época NEGÓCIOS, o empresário explica como a Pague Menos está atuando diante da atual crise, qual foi o único momento em que ele hesitou durante 35 anos e de que forma a sua empresa acompanhou as mudanças do varejo farmacêutico.
Qual é o balanço pessoal que o senhor faz desses 35 anos?
Há 35 anos começou um sonho. Sou filho de comerciante, nasci no comércio, fui comerciante na minha adolescência. Depois eu fui para o mercado financeiro, tive experiência muito boa do mercado financeiro. Eu me formei em economia, fui professor da universidade, mas me realizo mesmo sendo comerciante, sendo lojista. E no ramo que escolhi – varejo farmacêutico – me parece que foi um tiro certeiro. Ele é muito resiliente às crises. É um bem de primeiríssima necessidade – quem é hipertenso, diabético, tem que consumir, não pode substituir. E nós temos crescido ao longo desses 35 anos usando uma estratégia de acreditar muito. Tem dado certo. Temos um histórico, nos últimos 16 anos, de crescimento em torno de 18%.
O crescimento continua a despeito da grave crise econômica?
Nós terminamos o primeiro quadrimestre com mais de 20% de crescimento em relação ao mesmo período do ano passado. E no mês de maio continua. Eu acho que esse ano vamos terminar com 20%. Eu reconheço que o Brasil passa por um momento econômico e político muito difícil, com desemprego aumentando e isso desestimula investimentos. Empresas e pessoas estão com um nível de confiança muito baixo no futuro. Quem vai consumir e investir espera mais um pouco. Esse é o grande problema da economia brasileira hoje: essa desconfiança com relação ao futuro, essa falta de esperança. O que não acontece com a gente. Ano passado tínhamos 90 lojas líquidas no final do ano. Esse ano vamos ter 120. E no próximo ano vamos abrir 150. Acredito tanto que essa crise vai passar e que nós teremos novos dias pela frente que estou investindo pesado na abertura de lojas. Tínhamos o projeto de 1000 lojas até 2017, vamos conseguir antes do prazo. A gente fecha esse ano próximo a 940 lojas. Sabe, tem um estudo que mostra que, desde 1963, somente três vezes o PIB do Brasil ficou abaixo de zero. E nenhuma dessas crises demorou mais de 3 anos para passar. Ou seja, em 2018 estará resolvida.
Qual foi o momento mais difícil dessa trajetória? Em algum momento, a despeito de tantas crises que enfrentou, o senhor hesitou?
Em 2008 tivemos um problema muito sério. Mudamos um CD antigo para um novo implementando uma tecnologia austríaca que era então considerada a melhor do mundo em termos de separação de mercadorias. A ideia era automatar tudo. De repente, no primeiro dia era para separar 500 mil unidades, só separou 50. No segundo dia, havia as 450 mercadorias do dia anterior – e só separou 50 de novo. O saldo no final da semana? Um milhão de unidades ali paradas, esperando para abastecer lojas. Fiquei maluco, falei: ‘vou quebrar, não vou abastecer as lojas, não vou vender’. Demorou cerca 60 dias para os alemães resolverem esse negócio. E com isso eu perdi muito dinheiro e cliente. Mas passou e pronto. Eu tive medo de quebrar. E, olha, que tenho uma filosofia que herdei do meu pai: “Vendo a cama, durmo no chão, mas um credor não sai sem receber dinheiro”. Eu não sou obrigado a abrir 120 lojas neste ano, só vou abrir se tiver caixa. E agora, numa parceria com os americanos, estou cheio da grana. Eu já era ousado liso, imagina agora com dinheiro.
O que a Pague Menos inovou no setor farmacêutico?
Nós fomos a primeira rede de farmácias, pelo menos da região Norte e Nordeste, a ter lojas 24 horas sem porta fechada. Antigamente era uma janelinha ridícula – o balconista ficava dentro, o cliente do lado de fora. Antes, os produtos ficavam todos atrás do balcão porque havia receio de assalto. Nós tiramos perfumaria e higiene do balcão e botamos nas gôndolas. Em 1989, começamos a receber conta de água, luz, condomínio, como se fôssemos banco. O Banco Central veio nos procurar perguntando como fazíamos aquilo. Nós ensinamos casas lotéricas, padaria, supermercado para começar a receber contas. Atualmente, estamos trabalhando forte com energia fotovoltaica. Já temos algumas lojas abastecidas por energia solar. Por enquanto, só em Fortaleza, mas vamos começar em Goiânia. O melhor é que isso gera economia de 10% a 15% na conta de luz de cada loja.
A Pague Menos foi fundada em Fortaleza e há alguns anos, o senhor comentava que a expansão no Nordeste exigia particularidades diferentes daquelas necessárias no Sudeste. Essas diferenças ainda existem?
Não há mais muitas diferenças no Brasil de hoje. Com TV, novelas, internet, você lança no Rio Grande do Sul e o Piauí está sabendo. As particularidades não são tão importantes. Está todo mundo copiando os outros. Nós estamos, por exemplo, lançando o Clinic Farma, que é uma área dentro da loja onde vou resgatar a função do farmacêutico. Com o tempo, ele foi para detrás do balcão. Agora, estamos criando um espaço onde ele atende personalizadamente quem procurar pelo serviço. No interior, isso acontece de modo informal. Nós vamos implementar o serviço com treinamento, registro e acompanhamento eletrônico.Vamos falar de colesterol, tabagismo e sobrepeso, entre outros pontos. Já implementamos o serviço em 200 lojas no Nordeste, vamos agora para o Sul e até 2018 todas as lojas terão essa área.
Em termos de diversificação, o que mudou nesses 35 anos?
Nós começamos a vender sorvete, refrigerante, por exemplo. A vigilância não aceitava, proibia, multava. Foi muito difícil. Aos poucos fomos convencendo eles. Teve uma época em que tivemos 11 liminares em cidades diferentes para conseguir vender esses produtos. A gente questionava o juiz: que mal faz vender sorvete na farmácia? Hoje nem precisamos de liminares para vender.
Muitas farmácias menores sofreram com essa restrição… não conseguiam entrar com liminar e algumas não conseguem vender até hoje.
Mas essa é a força do grande, não é? Nós fomos atrás e conseguimos. Às vezes, o pessoal desiste com o primeiro não. A gente ia atrás, mostrava para o juiz, e conseguia. Por isso, nós que começamos pequenos, crescemos. Todo grande um dia já foi pequeno. É só o pequeno acreditar. Tem espaço para todo mundo. Cada segmento tem um Carrefour e tem outros pequenos. Basta que você acerte o passo. E não é só o dinheiro que faz isso. Foi força de trabalho. Nós, por exemplo, nunca tivemos muito dinheiro.
Há muitas críticas à Pague Menos com relação ao preço, de que ela acabou se tornando uma rede mais cara do que se pretendia no começo.
Eu desafio alguém em São Paulo a ter um preço, um medicamento normal da Pague Menos que seja mais caro do que qualquer uma das concorrentes. Temos um preço bem mais agressivo, por isso vamos crescer 20% neste ano. A média da Abrafarma [Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias], que reúne as 20 maiores redes do Brasil, está em 12%. E nós conseguimos manter o preço cortando custos, tendo uma operação limpa, sem mordomia, com cuidado. Operação é que nem unha: tem que cortar todo dia.
Em que medida a evolução da indústria farmacêutica alterou o modo de atuação da Pague Menos?
A indústria farmacêutica está evoluindo muito. Antes, você precisava tomar produtos de seis em seis horas. Depois, foi para 12 em 12 horas e hoje você toma 1 por dia durante 3 dias e sua inflamação na garganta vai embora. O advento dos genéricos também fez com que a população passasse a ter acesso maior aos medicamentos (em alguns casos, com preço 40% menor). Isso vai continuar. No mundo todo, os genéricos têm tido um papel muito importante, principalmente para aquelas classes menos favorecidas. Ele é bom para o pobre e bom para rico. O caminho é por aí. Agora, uma coisa que tem crescido muito é a parte da perfumaria e de comésticos. As pessoas que subiram de classe social passaram a ter xampu melhor, tintura no cabelo, desodorante, sabonete no banho. Isso não vai mudar. Na última década, milhões de pessoas mudaram de classe social e elas se acostumaram com produtos que nem usavam antes. Isso aumenta nosso tíquete médio. Queremos vender mais para cada pessoa que entra na loja.
O perfil do cliente que frequentava a Pague Menos mudou?
Não, porque nós nunca tivemos um perfil. Nós somos uma loja A, B, C, D. Temos na Avenida Angélica [em Higienópolis, bairro de alta renda em São Paulo], como temos na Lapa. A coisa mais democrática que existe é a doença: preto, branco, azul, pobre, rico. Não tem essa história para de fazer loja boutique para classe A. Vamos no popular para atender todo mundo. O que ocorre é que hoje o cliente está um pouco mais exigente que antes. Mas vamos acompanhando aos poucos, para conhecer nosso cliente mais. Por exemplo, estamos fazendo um investimento muito grande com a IBM para conhecer melhor o cliente, mapear os hábitos de consumo. Se ele compra determinado remédio, eu sei o que precisarei vender para complementar. Se ele compra um Synthroid, sabemos que ele está tratando algo relacionado à tireóide. Tem ume equipe da IBM trabalhando na Pague Menos para conhecer o perfil do cliente com base no que ele consome. É o que os grandes varejistas do mundo estão fazendo. É acertar na veia, no alvo, sem perder tempo.
Qual a sua maior conquista profissional nestes 35 anos?
Conseguir que meus quatro filhos estivessem comigo aqui. Os quatro se formaram nos Estados Unidos. Hoje, eu tenho a Rosilândia Maria [administradora que atua no gerenciamento de categorias], o Carlos Henrique [administrador e diretor de expansão e novos negócios, ele viaja o Brasil para identificar pontos para fechar compra ou locação]. Tenho a Patriciana [engenheira, que cuida de compra e marketing] e o Mário Henrique, o mais novo, administador, hoje é o presidente da Pague Menos. Ele assumiu em janeiro, foi uma das exigências da GE [General Atlantic, fundo que comprou 17% da Pague Menos no final de 2015]. Eu já queria ter um processo de sucessão, os quatro filhos se uniram e escolheram o Mário Henrique por ter boa formação na área financeira. Sabe que eu penso que posso até ser preso por trabalho infantil porque eles já estavam na loja, no caixa, para pegar o gosto aos 10, 12 anos. E hoje eles se realizam.
Mas, todos eles, quiseram mesmo seguir carreira na empresa?
Sim. Eu usei a estratégia de convencê-los mostrando que o trabalho dignifica, que a soma das partes é maior que o todo.
Não tem briga familiar?
Não. Quando tem arranca braço de um, braço de outro, mas sai todo mundo abraçado depois (risos). Brincadeiras à parte, são todos unidos.
Longe da presidência, a sua rotina mudou desde janeiro?
Não. Eu continuo atuando na área de expansão, visitando laboratórios, fornecedores, fazendo a área de relações públicas. A diferença é que agora eu tenho mais tempo para fazer melhor.
Como você quer ver a Pague Menos no futuro?
Qualquer fundador não pensa em outra coisa senão deixar um legado de sucesso, mas uma obra que continue. Esse é meu objetivo. Espero que a rede cresça tanto que o time de casa não dê conta. E olha que eu tenho 14 netos.