A Black Friday deste ano ganhou dose extra de otimismo pelas fabricantes de eletrodomésticos e eletrônicos, que projetam um resultado melhor do que em 2019. A forte recuperação das vendas observada a partir de junho justifica a aposta. Dados da consultoria GfK mostram que, em julho, o faturamento do varejo com vendas de eletrodomésticos cresceu 49,5% e de eletrônicos avançou 32,3% em relação a igual mês do ano passado.
Com o isolamento e a maioria dos serviços interrompidos, a poupança das famílias cresceu e o dinheiro extra na carteira não foi para as contas de restaurantes ou bilhetes de cinema, mas para comprar fogão novo ou televisão com tela de mais polegadas.
A indústria se diz recuperada do fechamento de fábricas como medidas de segurança durante a pandemia, e de atrasos na cadeia de suprimentos. Segundo a Eletros, associação do setor, o efeito negativo da covid-19 foi sentido entre abril e maio, quando 80% a 90% das fábricas tiveram atividades parcial ou totalmente interrompidas.
Entre março e abril a Samsung fechou suas fábricas de TVs, smartphones, monitores e aparelhos de ar-condicionado em Manaus e de smartphones e computadores em Campinas (SP). A Panasonic, que paralisou as fábricas de linha marrom em Manaus, linha branca em Extrema (MG) e de pilhas e baterias em São José dos Campos (SP), já retomou as atividades, mas busca alternativas para a compra de materiais plásticos, especialmente para refrigeradores e máquinas de lavar. A solução foi importar insumos da Ásia e avaliar alternativas ao polipropileno, como o PVC.
“Tivemos desafios com as fábricas e na cadeia de suprimentos, mas estamos nos recuperando rapidamente, administrando o mix de produtos e reduzindo o custo operacional”, afirma Michikazu Matsushita, presidente da Panasonic do Brasil e chefe regional da América Latina.
A mudança no perfil do consumidor foi o fator-chave para a retomada. “A família ficou mais tempo em casa e alguns consumidores tiveram a oportunidade de gastar mais com os eletrodomésticos e eletrônicos”, diz o executivo. Entre os produtos com mais saída, ele destaca TVs conectadas, forno de micro-ondas e lavadoras.
Consumidores dispostos a gastar mais com o lazer em casa buscaram TVs com telas maiores. “O mercado cresceu até mesmo em produtos mais avançados, como TVs com telas de mais de 65 polegadas”, diz Gustavo Assunção, vice-presidente de marketing e vendas de eletrônicos de consumo da Samsung. Segundo dados da GfK, as vendas de TVs desta categoria aumentaram 32% no primeiro semestre de 2020, em comparação com a primeira metade de 2019.
Felipe Mendes, presidente da GfK para a América Latina, lembra que o auxílio emergencial fez diferença para os resultados do varejo, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. “Esse é o Brasil que continua movendo o segmento de linha branca”, diz.
A adaptação do varejo às vendas on-line também foi fundamental para a retomada, diz Assunção, da Samsung. “O varejo foi muito ágil em oferecer o canal digital como meio de acesso aos produtos.”
A reabertura dos serviços e volta gradual das viagens tende a abocanhar parte dos recursos que inundaram o segmento de eletrodomésticos e eletrônicos nos últimos dois meses, diz o economista do Itaú Unibanco, Luka Barbosa. Mas o segmento de eletrodomésticos ainda se beneficia dos juros baixos que estimulam o mercado imobiliário, com o qual a demanda por esses produtos tem relação.
A Eletros diz que uma preocupação é saber se esse ritmo vai se manter ao longo dos próximos meses. “Defendemos a manutenção do auxílio emergencial na faixa dos R$ 600, pois reconhecemos que os recursos injetados na economia foram importantes para estimular o consumo.” A associação também diz esperar que a Black Friday e o Natal impulsionem ainda mais as vendas para que 2020 seja um ano de perdas moderadas.
Com a reabertura das lojas físicas, o clima entre os fabricantes é de confiança no quarto trimestre. Mendes, da GfK, diz que a tendência da Black Friday é superar as vendas do ano anterior. “Ainda temos a terceira parcela do auxílio emergencial chegando”, diz.
A Samsung informa que os pedidos já estão fechados com os varejistas para outubro e Matsushita, da Panasonic, diz que o quarto trimestre será decisivo para o ano fiscal da empresa, que termina em março de 2021. “Esperamos acelerar a recuperação com a Black Friday e o Natal e até mesmo superar os resultados de 2019, com um crescimento de dois dígitos.”
Sustentar o ritmo quando o consumidor deixar o isolamento, sem auxílio emergencial ou Renda Brasil, será o desafio da indústria para 2021. “Quando as pessoas voltarem ao escritório, as prioridades mudam e a indústria deve continuar a investir para gerar demanda”, pondera o presidente da GfK.
Novas tecnologias devem ser usadas como chamariz. Na última semana, a Panasonic lançou um forno micro-ondas que elimina alguns tipos de bactérias. A empresa já vende uma lava-roupas com a mesma função desde fevereiro. “Observamos também uma preocupação sanitária do consumidor”, diz Matsushita.
A Samsung, por sua vez, se prepara para lançar um aparelho de ar-condicionado que não emite vento e, em outubro, uma nova categoria de monitores pra gamers.
Fonte: Valor Econômico