Estratégia multicanal transfere transações para fora do espaço físico do centro de compras e muda equação de cobrança de aluguel
Por Daniela Madureira
Uma expressão em inglês começou a ser cada vez mais usada pelos varejistas nos últimos anos, para explicar a sua estratégia de marketing: omnichannel, ou omnicanal. Significa oferecer ao consumidor a possibilidade de fazer uma compra onde quer que ele esteja: assistindo a um programa na TV, passeando pelo feed do Instagram, conectado ao aplicativo da empresa, pesquisando em um grande marketplace, lendo mensagens no WhatsApp e até em um quiosque dentro da loja de outro varejista.
Foram criadas diversas possibilidades para que o consumidor compre, indo muito além da velha loja física e mesmo do site da empresa. Mas, no caso dos shoppings, que costumam receber um percentual sobre as vendas dos lojistas, como se cobra uma venda online?
“A base do modelo contratual do shopping com seus lojistas foi construída no mundo analógico, onde era muito fácil atribuir a venda”, diz o consultor Alberto Serrentino, fundador da Varese Retail. Existe a opção de pagar um aluguel mínimo ou um aluguel variável, este último cobrado sobre a venda da loja. O lojista paga o valor que for maior.
“Na venda física, basta acompanhar os cupons fiscais que saem da máquina dos varejistas, o que é auditado pelos shoppings”, diz Serrentino. “Mas, com diversificação dos canais, é muito difícil atribuir as vendas agora. E isso não é problema só dos shoppings com seus locatários, mas do varejo como um todo, que precisa identificar a qual canal atribui a venda”.
A diferença em relação aos centros de compra é que, dependendo do canal em que o varejista declarar a venda, o ganho das administradoras de shopping pode ser sensivelmente menor.
“Se a mercadoria sai da loja, é uma venda do shopping”, diz Glauco Humai, presidente da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce). Segundo ele, existe uma discussão hoje, em âmbito mundial, sobre o percentual da venda online que fica para o shopping. “Ainda não há um consenso”, afirma. “No varejo físico, esse percentual sempre variou de acordo com a categoria do produto”.
O percentual cobrado hoje sobre a venda online, via WhatsApp ou televendas do lojista varia de shopping para shopping, afirma Humai. “A partir do momento em que a pandemia estiver sob controle, possivelmente em 2022, essa discussão deve voltar à tona”, diz ele, lembrando que o tema já é estudado há três anos.
Na opinião de Fernanda Rodrigues, analista de varejo da consultoria Lafis, a pandemia veio transformar as operações. “Os lojistas também precisam incorporar o PIX ao novo cenário de digitalização das compras”, diz ela, referindo-se ao meio de pagamento instantâneo que passou a vigorar em novembro.
Serrentino ressalta que a discussão se tornou complexa à medida que o varejo tem implementado rapidamente novos canais de venda. “Às vezes, o cliente vai buscar uma compra online na loja, mas essa compra pode ter sido processada em um marketplace, para o qual o lojista já paga percentual sobre as vendas. Às vezes, o cliente compra na loja com o vendedor a partir de uma prateleira infinita, ou seja, produtos que não estão na loja, e a compra será processada pelo e-commerce do varejista”, afirma.
De acordo com o consultor da Varese Retail, em alguns casos, a interpretação do direito sobre a venda se torna subjetiva. “Fica um limbo, com discussões muito complexas e desgastantes”, diz.
Abrasce diz ter concedido R$ 6 bi em isenção a lojistas durante pandemia
O desgaste envolvendo administradoras de shopping e lojistas tem sido recorrente desde o início da pandemia, envolvendo em especial a cobrança de aluguel. “Depois de enfrentar meses com os shoppings fechados, hoje são raros os lojistas que conseguem pagar acima do aluguel mínimo”, diz o consultor Eugênio Foganholo, da Mixxer.
A partir da pandemia, a cobrança do aluguel mínimo foi discutida caso a caso, muitas vezes com isenção, diz Nabil Sahyoun, presidente da Associação de Lojistas de Shopping (Alshop). “Um acordo com a Abrasce permitiu que houvesse uma negociação com pequenos e médios lojistas para o rateio das despesas de condomínio e a isenção da cobrança do fundo de promoção”, afirma.
Na definição do reajuste anual de aluguéis, há um mês e meio, as duas partes decidiram abandonar o reajuste pelo IGPM (de 23%), definido em contrato, e procuraram encontrar um meio termo entre o índice e o IPCA (de 5,5%), diz Nabil. “Na maioria das negociações, o reajuste do aluguel está entre 10% e 15%. As lojas âncoras pagam entre 1% e 3% do faturamento do ponto”, afirma.
Serrentino lembra que os shoppings não podem fazer concessões lineares diante da atual situação de incerteza. “Não dá para negociar descontos permanentes no aluguel, se você não sabe o que vai acontecer no mês seguinte”, afirma.
Segundo Humai, da Abrasce, desde o início da pandemia, os shoppings atuaram em dois grandes blocos: o dos protocolos sanitários e o econômico. “Nos protocolos sanitários, implementamos medidas rígidas de controle, que foram muito além do que determinou o poder público”, diz.
“No econômico, com desconto no condomínio, isenção de aluguel e taxas, concedemos um subsídio de R$ 6 bilhões aos lojistas, desde abril até agora”, afirma. “Foi algo inédito no Brasil e no mundo”. Segundo ele, em um primeiro momento, todos os lojistas foram beneficiados. Depois, a ajuda foi concentrada nos pequenos e médios.
Fonte: Folha de S. Paulo